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Efeito Suspensivo

Uma lufada de vento abriu-lhe as portas de uma vereda do destino. Às suas mãos trouxe uma folha de jornal, cuja lateral esquerda ostentava um desgrenhado círculo vermelho, à esferográfica, que levou cativo seus olhos àquelas palavras simples: “a partir de hoje, você entrará em uma fase excelente”. Por inequívocas coincidências, sentia-se bem naquela tarde de seus vinte e cinco anos, e era seu signo circulado naquele papel esvoaçante que pousara em suas mãos. Tinha uma relação ambígua com horóscopos, cartomantes, profecias e coisas do gênero, uma descrença respeitosa, por assim dizer. Na dúvida, prudência que abunda não prejudica.
Nenhuma estrela caiu, palavra mágica não se ouviu, mas ele decidiria acreditar naquela frase trazida pelo vento. Até aquele dia, sua vida tinha sido sofrida, lutada nos campos do dia-a-dia – era mais sobrevivente do que gente. Acabara o curso superior, sem direito à formatura, graças ao mínimo salário que recebia em troca de doloridas noites insones, como vigia noturno em um prédio de periferia. Mas, com aquela frase, tudo seria diferente!
Ainda exaltado pela comichão da corrente de pensamento positivo em que se enredava, sobressaltou-se com uma nuvem, um sinal de alerta que se plantou bem no fundo de sua mente. Como evitar que aquelas palavras amanhã fossem desmentidas por suas sucessoras? Ruminando a angústia crescente, encontrou a resposta simples: não leria mais horóscopos, daquele dia em diante. Ficaria, assim, apenas com a boa previsão.
No dia seguinte, a primeira surpresa – um telegrama o convocava para uma entrevista. Para ser honesto, nem se lembrava mais que tinha mandado um currículo para tal empresa. Normalmente, em tais situações, fracassava antes mesmo de sair de casa, pois já antecipava suas aflições. Timidez, ansiedade – ou pura falta de sorte mesmo – o fato é que sempre se salvava por pouco do puro vexame. Mas agora tinha ao seu lado uma força maior, e não é que quase não houve entrevista? Parecia que seu algoz, digo, entrevistador, queria mesmo era saber quando ele podia começar.
Logo iniciaria seus dias como Assistente Financeiro Junior, em um banco ligado a uma grande montadora de automóveis. Para lhe ensinar o serviço, veio o Vidigal, o mais sênior dos assistentes juniores. Um garotão, meio que satisfeito consigo mesmo e com o estado geral das coisas, sentimento que o recobria de uma leve displicência.
- Olha, isso aqui é isso mesmo, não tem muita complicação não – dizia, pegando um monte de formulários a serem carimbados.
- Depois do carimbo, você faz os cálculos – e assim foi sua iniciação, instruções curtas entremeadas por muito palavrório sobre a vida alheia.
Mas, no meio dos carimbos e taxas, encontrou espaço para ter uma dúvida e, felizardo, ele mesmo achar a resposta. Uma resposta que viraria sugestão, que viraria projeto, que viraria todo um novo centro de lucros para o banco. E todos queriam conhecer o menino prodígio – e haja viagens, reuniões, hotéis e aviões.
Não fazia nada demais, mas era como se seus olhos vissem o que ninguém via ... e nenhuma de suas idéias ficava relegada à lagarta ou morria no casulo – todas viravam borboletas. Para os que gostavam de um verniz de sofisticação, ele era o rei das killer applictions, idéias que se metamorfoseavam em milhões e deixavam seus patrões cada vez mais sorridentes.
- Vidigal, obrigado por tudo, mas vou embora. Virei sênior!
- Puxa, mas já? – respondeu um atônito Vidigal, que passaria os próximos anos a repetir que tinha sido ludibriado de algum modo por aquele guri, de quem com carinho cuidara.
Mas seu sucesso não se limitava à empresa. Com as mulheres, saiu do 0 a 10 para o 10 a 0 com uma rapidez estonteante, despertando a atenção até da esnobe colunista social da cidade. Virou objeto de desejo número um das beldades da paróquia, que se entregaram, despudoradas, a uma carnificina para tê-lo. Não sabia mais o que era tempo de ficar sozinho.
Amigos, antes poucos e tão desafortunados quanto ele, agora jorravam em profusão. Esqueceu-se fácil do que era pagar uma conta ou esperar por uma mesa. Passou a ser eterno convidado VIP das festas mais VIPs. Sentia-se confuso às vezes, envolto por um torvelinho, sensações potencializando os sentidos. Mas sempre aparecia alguém disposto a cuidar de tudo, ajudar com a agenda, abastecer o carro, pagar as contas... seu papel era só estar presente. Sorrir. Abraçar. Curtir.
Um dia, uma pequena ocorrência. Demitiu uma secretária, no seu primeiro dia de serviço. João José, o porteiro que sabia de tudo na empresa, discutiu o assunto com Seu Agenor, o CFO.
- O homem parecia um bicho, não quis nem ouvir as desculpas da moça – falou arregalando um pouco os olhos para acrescentar um tom dramático. E continuou: - E tudo porque ela fez a gentileza de colocar o jornal do dia na mesa dele...
- Eu ouvi dizer – aparteou Seu Agenor – que ele é alérgico à tinta de jornal, uma coisa séria, tanto que não chega nem perto de banca!
- Vai entender – meio que suspirou João José – esses mais geniozinhos têm todos um quê de maluquinhos...

30 anos! Um belo presente – a vaga de Seu Agenor, o Chief Financial Officer, assim mesmo, em inglês, para soar mais pomposo. Seu Agenor se despediu e partiu para uma breve aposentadoria e um melancólico suicídio – as agruras da vida corporativa. Com ele não seria assim, não se aposentaria nunca... CFO, não é para qualquer um, três letrinhas que vieram acompanhadas de uma linda sala envidraçada, vista panorâmica, duas secretárias exclusivas – as benesses da vida corporativa. De início, uma proibição veemente – ninguém jamais deveria chamá-lo de “Seu” qualquer coisa.
Todos os dias fazia novos amigos, e cada vez mais poderosos. E as coisas iam acontecendo sem que tivesse de fazer muita força – uma conversa, um negócio; uma partida de tênis, mais um milhão. Se uma mão lava a outra, as mãos estão sempre limpas.... Quanto mais cifrões suas idéias rendiam, mais aumentava sua reputação no circuito das fisionomias e fisiologias entre gastronomias e academias.
Com as mulheres, gastou-se à vontade, sempre rodeado dos últimos modelos. Quando enjoou, calhou de conhecer Liège, filha de pai diplomata e mãe aparentada de longe com a família real de algum daqueles pequenos condados europeus. Sua história não poderia deixar de ser coroada por uma linda e exclusiva princesa de conto-de-fadas: inteligente, espirituosa, amorosa, independente, bem-humorada e rica o suficiente para não ter que gastar nenhuma dessas qualidades com o malho dia dia a dia. O casamento foi circunspecto, sóbrio, elegante, merecendo colunista social até do exterior – nbada das extravagâncias bregas desses novos ricos. Liège estava esplendorosa...
Uma viagem de sonho, um início perfeito. No primeiro amanhecer na casa nova – presente do sogro – uma pequena nota destoante. Abriu a porta e se viu de cara com o entregador, que vinha avisar do começo da entrega dos jornais naquele novo endereço. Liège, assinante tradicional, havia solicitado a transferência, nada tão natural.
- Maldição! – aos urros, descontrolado, às raias da insanidade. – Quem foi que fez isso?, queria saber.
Liège, atemorizada pela brusca e áspera altercação, inexplicável por inédita na relação, choramingava e tentava se desculpar, embora não fosse capaz de entender o que se passava. Acalmados os ânimos, ele inventou uma história qualquer, de um primo querido que morrera envenenado por ser alérgico à tinta de jornal, de como aquilo o tinha traumatizado, etc. Diplomaticamente, Liège fingiu esquecer o assunto e passou a receber o jornal na empresa em que estagiava.

35 anos e agora era um dos vice-presidentes executivos – o tempo passa e aqueles nomes americanos caíram de moda. Mais secretárias, uma sala maior, mais viagens, aviões e hotéis luxuosos. Em uma dessas travessias, conheceu Michelle, assim mesmo, com dois eles, uma aeromoça com jeito de ninfeta, com quem passou a dividir suas muitas alegrias, no eixo Tóquio, Paris e Berlim. Ela o admirava como a um herói e ele via nela seu passado sofredor – além claro, de sexo da mais alta intensidade.
Mas nada que nem de longe ameaçasse seu casamento do século com Liège. Desfrutavam uma doce e próspera felicidade, agora com os gêmeos, Vermont e Valéry, um ano e já andando e falando pelos cotovelos! Liège decidira seguir o pai e entrar para a carreira diplomática – alguns contatos e tinha sido convenientemente designada para um posto no Brasil mesmo. Gostava daquele ar aristocrático de sua família e não seria por um affair qualquer que abriria mão da sua nobreza.
Seu círculo de amigos se reduziu, pois não dava mais para ficar dando tanta bola assim para tanta gente, quando se é alguém tão especial. Mas todos tinham o mesmo ar blasé de despreocupação com o mundo e gostavam de trocar monólogos sobre os próprios umbigos. Seus palm tops rodavam um programa de Inteligência Artificiaç só para concatenar as agendas e dar as melhores dicas para os encontros. Passaram a se reunir em locais exóticos, fugindo dos papparazi, mas eles mesmos fotografando tudo o que encontravam pela frente, para registrar seu sucesso em fina estampa.
Ainda praticava tênis e mantinha uma saúde de ferro, nem um pingo sequer de gripe para romper a monotonia. Mais pelas normas da firma do que tudo, ia anualmente ao médico, que sempre se despedia dele com três tapinhas nas costas e um olhar do tipo você é um sortudo rapaz. O único incômodo era atravessar a sala de espera, onde sempre repousavam um ou dois jornais.
Aliás, com a vice-presidência, teve que lidar com a política da empresa de fazer a assinatura de dois jornais de negócios e um de interesse geral para seus altos executivos. Os líderes precisavam estar bem informados.
- Fabiana – ainda se lembra de como teve que exercer seu auto-controle para dominar a situação com sua secretária – todos os dias vou fechar a porta por quinze minutos para fazer uma leitura dinâmica dos jornais. Nesse período, não quero ser interrompido para nada!
E assim, os jornais podiam ser convenientemente acomodados no lixo, enquanto esperava o tempo passar, olhando o rio escorrer lentamente para um mar distante e ao sul.

Presidente das Operações para a América Latina, aos quarenta anos! Uma autovia pista tripla para a Presidência Mundial! Então, teria todas as secretárias do mundo... com Fabiana a tiracolo, é claro, pois seria constrangedor ter de ficar repetindo o ritual matinal dos jornais.
Tóquio, Paris e Berlim continuavam no roteiro, que agora incluíam Naiara, a sexta no rol de ninfetas aeromoças. Michelle – aquela primeira, com dois eles – chegou a querer esboçar um escândalo com o rompimento, mas tinha, convenientemente, sido escalada para aquele vôo Moscou-Cairo que terminou placidamente nas águas do Mediterrâneo. Nada que afetasse sua nobreza...
Liège se cuidava e parecia imune aos efeitos colaterais dos anos. Solícita, reservada, compreensiva – primeira-dama perfeita em um cenário mais do que perfeito: o passado que veio depois. Vermont já era um virtuose ao violino, talento herdado não se sabe de quem, e no ano passado recebera sua primeira medalha em um concurso internacional. Valéry, vejam só, tinha uma queda pela Matemática e disputava as finais de uma Olimpíada Nacional. Seu sogro andava meio mal das pernas, o que era bom para as suas próprias pernas, pois finalmente teria aquela belíssima vinícola na alsácia francesa.
Os amigos, eram apenas três – afinal, não dava mais para ficar dando tanta bola assim para tanta gente... Foi com eles que combinou de se encontrar naquela noite, em uma recepção disputadíssima, no Palácio de Versailles. Ali estariam os dez homens mais ricos do mundo, reunidos pela primeira vez. Uma noite perfeita, em uma vida de muitos momentos perfeitos. Mas da brisa suave subia um tom funesto. Devia ter adivinhado...
Ricardo, o último a chegar, foi logo perguntando: - e aí, você não está preocupado? – e antes mesmo que ele pudesse entender do que se tratava, Ricardo emendou:
- Seu horóscopo de hoje diz que a partir de hoje você entrará em uma fase terrível!
Emudeceu.
As palavras ecoando...
Sem se despedir, virou-se e começou a descer os degraus.

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segunda-feira, dezembro 14, 2009 - 16:27

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Re: Efeito Suspensivo

Gostei do texto, obrigado.

Um abraço amigo
angelo

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