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Era o que me faltava! - 8 (novo)

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8

(continuação)

 

 
De súbito reparei melhor nele. Fora de situações de trabalho só observo com atenção os detalhes físicos de um homem se ele instintivamente me causa alvoroço. E este sujeito, apesar de todo o disfarçado desejo com que antes já me lisonjeara, apenas nesse instante logrou interessar-me. Era robusto, da minha altura, com farto cabelo ondulado e escuro como os seus olhos que poucas vezes deixariam entrever que tipo de pensamento lhe poderia estar a passar na cabeça. À primeira vista o seu rosto não era atraente. Testa baixa, nariz um pouco achatado, precoces vincos nas faces, queixo marcado por uma covinha. Mas possuía orelhas pequenas, lábios carnudos e sobrancelhas crespas e bem desenhadas. Gostei das suas mãos, expressivas, com os dedos nodosos agora alheios às impassíveis posições nos lances do jogo.

Inesperadamente, desejei tratá-lo com sinceridade:

— Chamo-me Dora... Vamos para uma mesa? — Incitei, deixando o banco e oferecendo-lhe o braço, com familiaridade que o surpreendeu.

— A Sofia foi-se embora com o Henrique... Já sabia?

— Eu sou o Celso. Encantado consigo! — replicou ele, galante, como se ainda não nos conhecêssemos. — Não, não sabia, mas era de contar que um dia ele não teria outra saída. Acontece a quase todos... Acho engraçado é que ele se tenha decidido a abandonar-nos na altura em que dispunha da carta mais valiosa... Você, Dora.

— Celso, se me tivesse ganha, ao jogo, o que tencionava fazer comigo?

— Dependeria de si. Em última análise, se me repudiasse, apostava-a também e perdê-la-ia...

— Imagino. Alguma coisa me disse que não corria perigo, fosse qual fosse o resultado do jogo. E acho que o Henrique logo haveria de conseguir resgatar-me...

— Espero que você não se tenha zangado comigo por ter oferecido crédito ao Henrique... Tudo fita, que ele nunca voltaria atrás com a palavra. Aquele jogo era meu, mas perdi-me com os seus... seios. E depois insisti e tornei a insistir, em desafio com eles...

— Que fixação, Celso! Acha-os assim tão enfeitiçantes?...

— Nunca tinha comprovado isso? Não acredito! Aliás, o Henrique... Dora, tive uma ideia... Daqui a pouco vá à minha mesa de jogo e ajude-me a divertir-me... Ganhos a meias.

— Acha bonito meter-me o vício!... Está bem. Mas juro que será só esta noite, para compensá-lo de anteontem. Depois manda-me o cheque, ou saímos de braço dado?

— Aguarde-me no jipe. Levarei champanhe...

Meses mais tarde o Celso veio a tornar-se o meu quarto marido. A ligação com ele não teve nada da alegria e da tranquilidade que me concedeu o Henrique. Enveredamos por uma trapaceirice agitada, e descontínua, de sala em sala porque não seria nada bom levantar suspeitas sobre a nossa colaboração, ainda que eu não fizesse mais do que aparecer e mostrar-me bastante, convenientemente... Ele é que organizava os golpes e, desgraçadamente, o que ganhávamos numa noite perdia ele depois sozinho nas noites seguintes. Por fim cansei-me, já detestando absolutamente o jogo, que para ele era uma obsessão, entreguei na imobiliária a chave do apartamento e mudei-me para uma cidade bem longe. Entretanto ele tivera artes de me seduzir e convencer-me a casarmo-nos, pelo meu método. Nem um ano completo durou esta aventura que me veio a sair cara porque quando a terminei já ele me estafara as razoáveis economias que eu amealhara graças ao Henrique e me empenhara as melhores jóias. Não, nunca consenti em servir-lhe como moeda de aposta. Louco pelos meus seios, o Celso!

 
Do que eu tenho avaliado, um dos maiores prazeres de muita mulher é seduzir o homem de outra. Não porque realmente deseje ficar com ele para si, mas pelo que essa conquista representa como afirmação do seu próprio poder, a demonstração da sua superioridade feminina. O que, visto noutra perspectiva, está na linha do sonho que a psicologia já revelou como sendo a nossa maior ambição subconsciente, a de passarmos pela experiência de secretamente fazermos amor, desalmadamente, com um homem absolutamente desconhecido e que logo desapareça da nossa vida. O ciúme, que só verdadeiramente se revela após termos obtido o nosso trofeu, símbolo que simultaneamente adoramos e detestamos exibir à cobiça das outras, é a manifestação mais desafiadora, quantas vezes pintada de desprezo. Neste campo não pode dizer-se que os homens nos sejam semelhantes. Se é um facto que o homem busca persistentemente os seus triunfos, e frequentemente mostra com clareza a sua idiossincrasia possessiva, o caso é que age motivado pelo prazer seminal, objectivo sexo, raramente movido pelo desafio competitivo entre os seus pares, ele que em tudo o mais é um animal de instinto lúdico, capaz de a qualquer momento, mesmo nos de mais intenso fervor místico, jogar infantilmente a sua alma contra uma ingénua utopia que se lhe insinue como tentadora. Bem, eu sou uma mulher, com todas as curvas e todos os ses, mas não encaixo neste perfil, embora tenha relutância em considerar-me excepção. Provavelmente sofro de um funcionamento orgânico que produz e espalha na minha cabeça as proteínas erradas para cada situação. Decerto. Como é que posso explicar os meus diversos casamentos?
 


 
(continua)

Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

.
 

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terça-feira, maio 7, 2013 - 14:07

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Nuno Lago

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