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Era o que me faltava! - Conclusão


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9
 

(conclusão)

 

Quando cortei com o meu quarto marido estava irritada comigo própria. Já antes do César eu me tinha por mulher avisada e no entanto havia ingenuamente permitido que ele me enrolasse. No comum dos casos, e em traços simplistas, tirando a necessidade de obedecer às convenções sociais, a mulher quando casa por vontade própria é por curiosidade sexual. Se casa segunda vez, no fundo é porque ficou insatisfeita com o primeiro ensaio, ou viúva, mas gostou da experiência. Um terceiro casamento já só se justifica por interesses materiais. Se arrisca uma quarta união, é por leviandade. E outra mais, é porque tem muita fé nos homens ou conhece o falacioso ditado “a mulher é que faz o homem”, o que a meu ver ela só mesmo consegue, temporariamente, enquanto é mãe. Que tarefa! E para sair incólume de mais de três matrimónios necessita de ter nascido sob a protecção de algum Arcanjo particularmente sensível à beleza feminina e muito paciente.

Estava cheia de boas intenções. Ainda jovem e com muita vontade de recompor a minha vida, apareceu-me o Zé Mário. Sim, o quinto esposo. Digam lá que não tenho amor ao próximo!

Novo emprego. Delegada de Propaganda médica. Não conto, que não é de todo aconselhável, e é bem sabido por toda a gente, que ética, ou falta dela, fui encontrar nesta actividade. Fruto do tempo e apodrecimento social. Mas digo-lhes que se não fizesse largo uso dos meus encantos pessoais a acrescerem à minha treinada eficiência, não iria longe. Resultado: eu que pretendia regenerar-me de alguns meus pequenos deslizes de comportamento, desde então entrei num período de peripécias e acidentes que ao invés me induzem a explorar soluções criticáveis e arriscadas, para competir com a sanha da adversidade.

Gabo-me, só perante mim própria, de saber e gostar de fazer amor. Se me reprovam isto deixem-me que lhes diga descaradamente que andam cá a vegetar e não a viver. Claro, não estou a referir-me a quem não pode por razões fora do seu controlo pessoal, nem estou a falar da compulsão psicológica, que gera o desregramento. Sem me querer armar em pessoa muito culta, que alguma vantagem tenho absorvido da muita leitura, lembro-lhes que há cientistas que liminarmente afirmam que o sexo é a mola real, a essência, o objectivo primário de todos os seres vivos. Sem ele tudo acabaria. Seja que não seja, é bom e eu acarinho-o sempre que o meu instinto me sussurra “Vai! “

Antes de conhecer o Zé Mário, na excepcionalmente calma sala de apoio de uma das enfermarias no hospital onde ele exercia o internato clínico de conclusão da licenciatura em Pediatria, passei por esporádicas relações com um ou outro parceiro fortuito, que sabendo tirar partido das favoráveis condições do momento tiveram o condão de me inspirar agrado excitante, ou com os quais eu achei que poderia aliar proveito material e prazer. Sobretudo médicos, que a minha nova actividade me pôs ao alcance. Mas também encontros de acaso em sortidas de solitária recreação nas poucas discotecas da cidade onde então vivia. Eu era livre, se eles o eram ou não, deviam eles ajuizar, tanto mais que a mim não me movia a finalidade de me apossar de algum. Às vezes era escolhida, outras vezes escolhia eu. Nunca perdi a sobriedade, ou o discernimento, antes de facilitar a corte, e recato é cuidado que eu nunca dispenso.

Desses “encontros”, o que mais durou, duas semanas, foi com um bancário, e isto porque, de todos tentava eu aprender coisas interessantes, o que não excluía os seus truques de ofício, e ele me foi muito útil a ensinar-me a lidar desembaraçadamente com burocracias financeiras. Já quase não me recordo de nenhum outro. Também não julguem que foram não sei quantos!

O Zé Mário era um patife, e um pinga-amor na Faculdade. Também não posso dizer que fomos casados, pois nem me dei ao luxo de fabricar papéis. Apenas viveu comigo, à minha custa, e a arruinar-me, por cinco meses. Mas era uma delícia de homem. Sem aspecto físico atraente, apenas um rosto de menino bem, ficou-me caro mas fiz com ele o sexo que mais me empolgou na vida.

Morava eu então em apartamentos mobilados, arrendados, cómodos razoáveis mas caros e que me deram bastantes consumições. Ora um electrodoméstico avariava, ora a empregada das limpezas não era séria, ora sucediam estragos por descuidos indesculpáveis, que me custavam dispendiosas obras de conservação. Até um princípio de incêndio me aconteceu! O salário era um voar. De outros fundos, já nem vestígios, salvo o carro, indispensável e inegociável enquanto pudesse aguentar-me. Por fim, causei um acidente de trânsito e depois até o jipe começou a empanar estupidamente a cada passo. Fase difícil. Vali-me do bancário, que me desenrascou um empréstimo. Solícito e sem me pedir nada em troca, arranjou a conceituar com boa informação a minha ficha de cliente no Banco, e safou-me do mau bocado que eu estava a passar. Mas é bem verdade que o dinheiro nos foge quando mais dele se precisa. E num instante estava crivada de pesadas dívidas. Certo que, por desespero, me meti a colaborar em esquemas de receptação de valores furtados, passei dois avultados cheques sem cobertura, e os últimos patrões se puderam queixar de abusos de confiança. Quando se entra num ciclo assim, e não se é profissional da vigarice, raro não se acaba atrás das grades. Podia ter emigrado e, quem sabe, arranjado maneira de reparar as principais aldrabices, mas a consciência já me pesava mais do que a esperança na liberdade. Apanhei ano e meio, mas sairei mais cedo, por bom comportamento... se este azar de ter escutado o que não devia não me der cabo da vida. Tenho fé que a pedrita de jade que o Henrique me deu há-de salvar-me.

E achava eu que a Berta era o que me faltava...

Ainda hei-de retornar à felicidade simples e sossegada que não incomode ninguém e faculte que o mundo desfrute o tesouro de mulher que eu sou. Se ainda quero um sexto marido?... Mas porque não? Devemos confiar no género humano!
 


 
Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 


 

 
 

 

 

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quinta-feira, maio 9, 2013 - 11:05

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