CONCURSOS:
Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia? Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.
A Ferros
Lábios secos, boca cerrada em sorriso de dente rangido, corria-lhe sangue espesso pelo pó quente do terreiro ao longo das têmporas e sobretudo dos braços.
Tinha-o feito. Colhera as flores da raiva e da ira, triturara-as em almofariz de adrenalina. Entregara o comando ao instinto. Nem necessitara de acordar os reforços da coragem.
Logo ali, na vista turva do energúmeno, transpirara olhares feros de afiada vontade, como gritos roucos dos processo e dos actos que lhe afloravam em ondas as veias do mar alvo da sua pele eriçada.
Saltou a saliva como um bando de pardais espantados, que lhe espumou a barba rala e áspera, de tez de campina longamente queimada pelo sol. Dissera-lhe: “Não passas de hoje, cão infiel! Não terás a alegria de ver outro amanhecer.”
Tinha finalmente alcançado aquele diabo humano que lhe arrombara a casa, esventrara a família e cuspira na sua fé. Chegara enfim ao rosto da turba que lhe tomara o país, violado a terra e feito de si um animal fugido por serranias sem pé e de tempos sem dias ou noites.
Estavam ali, quedos por segundos esquecidos da História, quedos por 10 palmos e à mão dos punhais de ambos. O ódio levantara cortina de ocultação do agigantado campo da batalha, criara um espaço de funesta intimidade para a cruz e para o turbante. Na verdade, estimava-o só por ele estar ali presente. Só assim o podia abominar e crivá-lo de toda a maldade que lhe ocorresse…
O franquisque uivou no ar e embateu com estrondo na retesa cimitarra. As imagens do exílio, a perseguição, a fuga, os invernos frios, os antepassados mortos e cativos, os entes queridos perdidos para a cova, para os trabalhos e para as luxúrias dos palácios, para o deserto, tudo passava por aquele braço que brandia a fúria do pensamento.
O outro braço, o da cimitarra, não foi suficiente. Não estava com tamanho espírito. Talvez, o olhar terrível do oponente lhe tivesse enfraquecido a determinação. Não susteve o golpe, facilitando a força predadora do franquisque. A frágil armadura abriu brecha profunda e a carne não foi suficiente para abraçar a lâmina esfomeada: a dentada só abrandou no úmero, mas despedaçou-o. Estava sentenciado.
O atacante fez um sorriso de esmola na demanda de uma palavra de clemência. Não a ouviu, mas também não se importou. Rodou sobre si num círculo perfeito de 180º e a arma, mais uma vez, atiçou os pífaros do ar, soando brevemente numa surdina opaca, para sair do corpo em estridente vibrante agudo. O corpo caiu por terra em duas metades. O carrasco tombara no cepo que erguera.
E ele saiu dali com os lábios secos, boca cerrada em sorriso de dente rangido.
Andarilhus
X : VII : MMVIII
Submited by
Prosas :
- Se logue para poder enviar comentários
- 1389 leituras
Add comment
other contents of Andarilhus
Tópico | Título | Respostas | Views |
Last Post![]() |
Língua | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Tristeza | Remos de Vida por Mar Inóspito | 3 | 765 | 07/29/2010 - 01:39 | Português | |
Poesia/Meditação | Derrubar os Nossos Muros | 1 | 702 | 07/29/2010 - 01:38 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Aqueles Que Instigam os Nossos Demónios Cativos | 1 | 907 | 07/16/2010 - 16:58 | Português | |
Poesia/Intervenção | O Drama sem Argumento | 3 | 950 | 05/29/2010 - 16:31 | Português | |
Poesia/Tristeza | O Voar Rastejante | 1 | 661 | 04/25/2010 - 14:09 | Português | |
Poesia/Gótico | O Uivo da Lua (Um texto comum de MariaTreva e Andarilhus) | 7 | 1.246 | 03/04/2010 - 17:06 | Português | |
Poesia/Amor | A Obra do Amor | 4 | 904 | 03/03/2010 - 03:55 | Português | |
Poesia/Gótico | Protege-me com tuas lágrimas | 5 | 650 | 03/03/2010 - 03:51 | Português | |
Poesia/Amor | Outra vez... | 6 | 843 | 03/03/2010 - 03:06 | Português | |
Poesia/Aforismo | O Tesouro | 4 | 623 | 03/02/2010 - 18:19 | Português | |
Poesia/Meditação | Um Natal Aqui Tão Perto | 4 | 792 | 03/02/2010 - 04:04 | Português | |
Poesia/Dedicado | Vestida de Mar (ia) | 4 | 779 | 03/01/2010 - 21:18 | Português | |
Poesia/Meditação | Fado Vadio | 5 | 706 | 03/01/2010 - 16:29 | Português | |
Poesia/Geral | Farei de ti um concorrente do Sol | 7 | 862 | 02/28/2010 - 20:45 | Português | |
Poesia/Meditação | Um bom ponto de partida... | 7 | 616 | 02/28/2010 - 20:24 | Português | |
Poesia/Meditação | O Fio Ténue da Marioneta | 5 | 771 | 02/28/2010 - 14:55 | Português | |
Poesia/Desilusão | O Canto Escuro | 7 | 860 | 02/28/2010 - 13:39 | Português | |
Poesia/Aforismo | Lições de Vida, Lições de Amor | 5 | 851 | 02/28/2010 - 02:38 | Português | |
Poesia/Aforismo | Folha de Outono | 5 | 820 | 02/28/2010 - 02:17 | Português | |
Poesia/Paixão | Guarda-me no teu beijo | 8 | 999 | 02/28/2010 - 01:48 | Português | |
Poesia/Tristeza | Coroa de Espinhos | 3 | 818 | 02/27/2010 - 22:07 | Português | |
Poesia/Fantasia | A Pura Dimensão | 3 | 917 | 02/27/2010 - 21:56 | Português | |
Poesia/Geral | Das Certezas (tomo IV) | 2 | 1.071 | 02/27/2010 - 16:03 | Português | |
Poesia/Paixão | Saída | 3 | 859 | 02/26/2010 - 18:26 | Português | |
Poesia/Amor | Obra-prima | 3 | 738 | 02/26/2010 - 18:13 | Português |
Comentários
Re: A Ferros
Texto bem escrito em dom da palavra!
:-)
Re: A Ferros
De todas as vezes que leio teus textos...fica o sabor de sempre...os lábios secos de querer mais e saberem sempre a pouco