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Futuro condicional

Tomate picado a fritar-se na tijola e massa a cozer-se no tacho. Os ingredientes eram só esses, tomate e massa, sempre os mesmos. É o que costumava comer cada dia. Preferia gastar o dinheiro em álcool, embora empobrecesse a minha alimentação. Gastava quase tudo em garrafas de licor que comprava com a intenção de convidar os amigos que fosse fazendo. Socializar era essencial para mim porque era novo na cidade e não queria passar o tempo livre sozinho em casa. Cada semana comprava uma dúzia delas. E bem podia ter comprado amigos porque não fiz nenhum. Quando reparei no estúpida que era a situação já era demasiado tarde, o apartamento já parecia o armazém de uma licoreira. E eu não bebo álcool.

Era muito mais simples fazer amigos em criança porque morava na mesma aldeia em que moravam quase todos os meus primos e todos éramos amigos. Eles eram umas bestas e só queriam jogar futebol. Se não fosse por mim que tinha iniciativa e propunha alternativas haviam de ficar ainda mais parvos de tantos golpes que levavam na cabeça com a bola. Futebol, futebol e futebol. Maldito vício. Todos os dias ao voltar da escola ali estavam a dar patadas e a atirar-se ao chão ainda que chovesse e o caminho, que naquela altura era de terra, se convertesse numa lameira. Infelizmente, para o conjunto da família, nenhum deles chegou a cumprir o sonho de ser jogador profissional.

As minhas sugestões estavam principalmente relacionadas com a guerra e com actividades ilícitas. De entre todos, o jogo favorito do Breixo era o de assaltantes de banco. Era simples, apanhávamos paus do chão que tivessem forma de pistola ou espingarda e íamos onde estavam os loureiros, que eram os bancos, para roubar o dinheiro, que eram as folhas. Tanto gostava que acabou morrendo na vida real num tiroteio com a polícia após ter roubado um dos de verdade. Conta-me a minha mãe que a minha tia sempre que se fala do filho em casa põe-se muito triste e diz que isso não teria passado se o pobre tivesse passado mais tempo comigo, que eu sempre fui bom rapaz e não me metia em problemas. Quando vou de visita à sua casa a minha tia abraça-me, e entretanto lembro que eu sempre recomendava a seu filho que apanhasse os paus maiores porque são os que disparam melhor. Ela quer-me muito. De facto sou o orgulho da família porque sou o único que foi à universidade. O que não sabem é que nunca cheguei a acabar o curso.

Perto, no monte, havia um rio pequeno que tinha enguias. Costumávamos ir pescar o Mário e eu, que éramos da mesma idade e estávamos na mesma turma no liceu. Ninguém na família gostava delas e acabavam sempre comendo-as os porcos, que havia um em cada casa. E o dia da matança que desagradável era. Primeiro os gritos do animal e depois o cheiro a porco queimado por todas partes. O que estava a dizer, enguias. Amarrávamos um anzol numa linha e esta a um pau que espetávamos no chão. No dia seguinte voltávamos. Não sei se era pela boa qualidade das minhocas que púnhamos nos anzóis, mas havia sempre uma em cada um. Visto o nosso contínuo sucesso, o Bruno quis experimentar. Dessa volta decidimos pescá-las no momento e a coisa começou bem. Pescámos uma enguia pequena e depois uma segunda de igual tamanho. Mário e eu satisfeitos começámos a recolher o material. Bruno olhou para nós e disse convencido:

    -Eh! Parai! A onde é que ides?

    -Vamos mais para a frente ver se pescamos mais alguma – respondeu Mário.

    -Não, não. Vamos ver se pescamos a mãe delas. Tem de estar aqui debaixo da mesma pedra – disse o Bruno entusiasmado, convidando-nos a continuar a pescar no mesmo lugar.

    -A mãe? - perguntei-lhe surpreendido.

    As crias das enguias não moram com a mãe, parvo! As enguias põem ovos e depois vão embora. Como vão morar com a mãe? Se te parece também moram com o pai e os avós. - disse o Mário interrompendo o Bruno que parecia que ia acrescentar alguma outra barbaridade. Disse-o naquele tom burlesco que sempre o caracterizou. Gostava muito de humilhar as pessoas e aproveitava qualquer ocasião para fazê-lo.

    -Haha! És bem parvo tu. Se pusessem ovos não seriam peixes, seriam pássaros. - aclarou o Bruno.

O que resolvemos foi que ele ficasse ali para pescar a mãe e entretanto nós continuaríamos noutro ponto do rio. Nós ainda chegámos a pescar duas mais antes de nos cansarmos e voltarmos a casa. Tomámos a merenda e saímos jogar futebol no caminho. Vendo que o Bruno ainda não chegara decidimos voltar ao rio. Estava ali deitado na erva a dormir.

    -Acorda! - gritava o Mário à vez que lhe dava patadinhas na cabeça.

    -Pescaste a mãe? - perguntei-lhe.

    -Pesquei-a!

    -E onde é que ela está? - perguntamos-lhe os dois ao mesmo tempo.

    -Comi-a.

    -Queeee? - voltamos perguntar ao mesmo tempo.

    -Sim, pesquei-a pouco de irdes vós embora e como me entrou a fome comi-a. Depois pus-me a dormir porque me prestou tanto que me entrou o sono.

    -Aaaah! E então, onde é que estão os restos? - interrogou-o o Bruno.

   -Em.. Deitei-os ao rio, já devem ter chegado ao mar. - isso foi o primeiro que se lhe ocorreu.

Nunca mais voltámos falar de peixes com ele. Uma vez crescido fez-se marinheiro. Começou pescando sardinhas e acabou no cárcere por usar o barco para o tráfico de drogas. A minha mãe diz-me que quando encontra o meu tio no mercado ele diz-lhe sempre que oxalá o filho tivesse saído como eu, que era bom rapaz e nunca andava a fazer mal a ninguém.

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terça-feira, julho 16, 2013 - 16:41

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