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Futuro no Presente IX

Olhei para as estrelas.

- Em que pensas? Perguntou-me.

Virei o meu rosto na sua direcção, mas permanecia calado, não sabia o que dizer.

- Não consigo agora ler a tua mente, mas conheço tuas expressões.
- Estou confuso e preocupado.
- Preocupado com o quê.
- Com o que dizer, hoje vi que a responsabilidade de tudo o que nos dizemos é muito grande.
- Mas também somos responsáveis por aquilo que não dizemos.
- Bolas, aconteceram muitas coisas comigo, não sei se estou preparado para isso tudo.
- As coisas só nos acontecem quando estamos preparados para elas.
- Não sei o que dizer, não sei o que pensar…
- Não digas nada, não penses em nada, vive apenas.
- Para mim isso é um pouco complicado.
- Eu sei, mas não adianta nem atrasar nem tentar adiantar o tempo, o inevitável sempre acontece.
- Não te entendo.
- O tempo é indiferente, o passado o presente e o futuro ocorrem em simultâneo.
- Agora entendo menos ainda e sinceramente não consigo mais raciocinar hoje.
- Não raciocines, sente apenas.
- Sinto o quê.
- O momento.
- Acho que preciso ficar só.
- Nunca estamos sós.
- Estou a me sentir muito cansado, levas a mal se eu for já para casa.
- Não, preferia ficar mais tempo contigo mas compreendo.

Fomos em direcção ao carro, nossa conversa no caminho para minha casa resumiu-se as minhas indicações, ela estacionou, olhou para mim, sorriu e perguntou:

- Quando nos voltamos a ver?
- Dás-me teu telefone, eu ligo-te.

Disse não querendo me comprometer a ligar logo no dia seguinte.

- Não sabes quando vais me ligar, pois não?
- Não quero ser indelicado contigo mas se para ser absolutamente sincero não.
- Não quero te perder outra vez, dá-me também o teu número.

Trocamos os telefones, ao despedir-se de mim ela se aproximou como se fosse dar um beijo nos meus lábios, recuei, ela recuou também, sai do automóvel, esperei que ela seguisse, subi até meu apartamento, fui directamente para meu quarto, despi-me, e deite-me, estava bastante ensonado e dormi quase instantaneamente.

Acordei com o meu telemóvel a tocar, não me lembrava de ter sonhado, não atendi, permaneci na cama a olhar para o tecto enquanto decidia se me levantava ou não, não tinha sono mas também não tinha nada de importante para fazer, lembrei-me do que um professor uma vez tinha-me dito, “nada como uma boa noite de sono para reorganizar a mente”, era verdade, não sabia ainda como mas as coisas pareciam estar encaixadas, sentia-me confiante que saberia como agir, fui tomar um duche e desfrutava do prazer de sentir a agua quente a passar pelo meu corpo, enxuguei-me e procurei sentir o tacto da toalha, olhei-me no espelho, resolvi fazer a barba, fui vestir-me e ver quem tinha ligado-me, era um numero que eu não conhecia, não dei importância, tomei rapidamente o meu pequeno almoço, passei rapidamente meus olhos pela casa, já não sentia-me confortável nela, não era uma questão de arrumação, sentia a necessidade de a reorganizar, comecei então por pensar o como o deveria fazer, imaginei separar meus objectos em três grupos escalonados de acordo com a frequência que os uso, olhei novamente em minha volta e apercebi-me que era exactamente isso que eu tinha espalhado pela casa, mas tinha desarrumado, não era bem isso que queria, queria projectar-me para uma coisa um pouco diferente do que era até ontem, pensei então quais eram os objectos que eu queria mais usar no presente e no futuro breve, lembrei-me da Raquel e seus discursos sobre PNL e sorri, lembrei-me que este era o motivo principal das minhas viagens, sentia-me perdido, tinha atingido aquilo que precisava para levar uma vida equilibrada mas faltava-me algo que não sabia bem o que era, não sabia o que desejar, a vida vai perdendo sentido quando não temos nada porque lutar, tinha-me acostumado aos poucos a minha condição pensando que tinha obtido a resposta aos meus problemas e realmente tinha mas isso não implicava o aparecimento de outros, durante algum tempo tinha vindo a reduzir sistematicamente minhas necessidades, acreditava convictamente que poderia viver uma vida mais feliz assim, antes estava cansado de uma vida dedicada quase totalmente ao trabalho, era rara a semana que trabalhava menos de 70 horas, tinha bons rendimentos do meu negocio próprio, estava a pagar um apartamento maior, tinha um carro novo e estava prestes a casar-me, as coisas corriam bem mas não tinha tempo para nada, não tinha férias a três anos, foi então que decidi tirar uma semana para fazer uma pequena viajem, fui até a cidade onde tirei o meu curso, instalei-me num hotel e refiz os caminhos que fazia quando estudava, lembrei-me de mim no passado e vi que aquilo que tinha traçado para a minha vida não era o que me trazia mais felicidade, queria ter tempo, tempo para mim, tempo para fazer outras coisas além de trabalhar, a semana passou-se e fiz um novo plano para minha vida, iria ter esse tempo que desejava, fiz um plano de venda da minha empresa para o meu funcionário de maior confiança em que eu seria seu consultor até ele pagar-me, iria mudar-me para uma casa menor, não mudaria com tanta frequência de automóvel, o plano parecia perfeito até o contar a Mariza, minha noiva, discutimos ponto a ponto tudo, até que ela disse-me que se eu fosse para frente com o meu plano não poderia contar com ela, terminamos nossa relação, segui em frente, agora tinha atingido novamente o que tinha planejado, mas sentia-me vazio, sem objectivos, faltava algo que completasse-me.
Chamei até mim o ser de luz, de imediato ele apareceu com um rosto calmo sorridente.

- Olá – Disse-me.

Sorri-lhe.

- Tenho aqui um problema.
- Sei qual é.
- O que faço?
- Segue o teu plano ou refaz o teu plano mas segue o que planeaste.
- Mas não planeei nada.
- Planeaste sim, planeaste que te encontrarias contigo no futuro e a partir desse começarias.

Relembrei-me do que acontecera na primeira viajem e as coisas ficaram claras.

- Então sou eu o cabeçudo.

Confirmou-me com um sinal com a cabeça.

- Estas a dizer que o meu destino é ser um ser diabólico.
- Não.
- Mas foi o que eu vi.
- Exacto mas o que tu viste foi uma imagem que simboliza o que serás, tu interpretas-te como um ser diabólico que te comia, porque interpretaste assim?
- Foi o que me pareceu.
- Sem dúvida, agora tens que entender o que significa o demónio para ti.
- É o medo.
- E és engolido pelo medo?
- Tomado pelo meu próprio medo.
- O que aconteceu antes de encontrares com o teu medo.
- Fui atrás do meu objectivo, que era encontrar o meu futuro.
- Depois de veres que serás engolido pelo teu medo o que decidiste fazer?
- Domesticar o medo.
- Já mudaste o teu futuro, certo?
- Certo.
- Como transpões isso para o teu presente?
- Bem, tenho que encontrar o meu medo e o domesticar para que dessa maneira ele nunca me engula.

Sorriu.

- Sabes qual é o teu medo?
- A solidão.
- O que aconteceu depois que tu começaste a projectar a ideia que irias domesticar o ser diabólico mesmo sem saber o que ele significava.
- Apareceram pessoas sucessivamente a acompanhar-me.
- Estas a começar a entender os sinais que dão respostas a cada projecção que fazes para o futuro?
- Parece que sim, mas não tinha me percebido antes de falar consigo.
- E podes falar comigo sempre que quiseres.
- Não lhe aborreço?
- Não?
- Quem és?
- Aquele que vês.
- Sabes quem eu vejo?
- Sei, sei também que tu sabes porque vês-me como vês-me.
- Pois, é indiferente verte assim ou numa imagem diferente?
- Para ti não é, certo?
- Certo.
- Então porquê me vês assim?
- Porquê é mais simples para mim segunda a minha cultura te compreender vendo-te dessa maneira.
- Se sabes as respostas não deverias ter tantas dúvidas, sabes porquê tens tantas dúvidas?
- Porquê tenho medo de acreditar.
- O teu medo não era a solidão?
- Era, agora é a loucura.
- Não conheceste a Carla ontem?
- Sim.
- Achas que deverias ter medo da loucura?
- Não.
- De quê tens medo Pedro?
- Não sei.
- Sabes, sabes tudo, tens a tua disposição todo o conhecimento do universo, tu e todas as pessoas do mundo, tens apenas que despertar.
- Iluminar-me? – Respondi a medo.
- Tens medo disso.
- Quem sou eu para julgar que posso iluminar-me.
- É o destino de todos que domesticam seu demónio.
- É injusto, deveria ser o destino de todos.
- E é.
- Mas disseste que era o destino dos que domesticam o seu demónio.
- Mais cedo ou mais tarde todos domesticarão o seu demónio, nascera então uma nova era.
- Mas o passado, presente e futuro ocorrem em simultâneo segundo o que a Carla me disse, então neste momento estão todos a domesticarem o seu demónio?
- Não posso te responder essa pergunta pois ainda não te apercebeste da amplitude da palavra momento.
- Como assim?
- Entendes momento como uma fracção de tempo, ainda não te apercebeste claramente que se o tempo é relativo a fracção de tempo também é.
- Está a falar da teoria da relatividade?
- Não só, por este caminho só consegues entender parte da questão do tempo.
- Como assim?
- As ciências terão de se unificar para conseguir-se ver a big-picture.
- Então apenas uns poucos a conseguirão ver?
- Nem tão poucos assim, já houveram muitos que viram bem antes de nasceres.
- Jesus Cristo, Buda, esses iluminados.
- Não só, também pessoas comuns e anónimas.
- Pois, alguns deles devem estar em manicómios.
- Nem sempre.
- Não quero ir parar ao manicómio.
- Precisas apenas de serenidade, muitas vezes as pessoas são dadas como loucas por quererem fazer com que as outras percebam as revelações que tiveram.
- Há algum mal nisso?
- Não, mas uma revelação é algo pessoal, somente a pessoa que recebeu essa revelação consegue aperceber dela na sua integra, é muito difícil fazer outras pessoas acreditarem nela se não acreditem nas mesmas coisas, tiverem bases culturais ou formação.
- Fico sem saber o que devo fazer, por um lado apetece-me contar a todo mundo que as viagens no tempo são possíveis por outro lado tenho receio que me tomem por doido.
- Existe muitas maneiras de dizer a mesma coisa.
- Percebo o que queres dizer, vou voltar agora.
- Até a próxima.

Voltei a olhar para os meus objectos, cheguei a conclusão que tinha muitas coisas que seriam inúteis para mim, comecei então por separar aquilo que achava que não necessitaria mais, realmente guardava muita coisa que agora parecia não ter nenhuma utilidade, na verdade apetecia-me colocar quase tudo no lixo, para ser realista o que gostava mesmo era esvaziar por completo a minha casa, sabia o que isso significava para mim, era a necessidade de uma nova vida.
Meu telemóvel tocou, era novamente o número que desconhecia, atendi a chamada.

- Estou a falar com o Senhor Pedro Duarte?
- Sim, quem fala.
- Paulo Jorge, tenho algo para lhe entregar em mãos.
- De que se trata?
- Não sei lhe dizer, vem numa caixa de cartolina parda, disseram-me que ao dizer-lhe isso o Sr. saberia do quê se tratava.

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quarta-feira, maio 5, 2010 - 11:56

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