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Gregas Tragédias - 05 - EDIPO REI

Sófocles – 496/406 – Colono
 

Cenário – diante do Palácio Real, em Tebas, com altares junto às portas.
 

A 1ª apresentação em – 430 em Atenas
 

Personagens:
 

1. Coro, representando os anciãos de Tebas.
2. Creonte, irmão de Jocasta
3. Édipo, rei de Tebas.
4. Jocasta, rainha de Tebas
5. Suplicantes, as
6. Tirésias, o famoso adivinho cego
7. Guardas, Servidores do Palácio, Sacerdote, Emissário de Corinto, Pastor da casa de Laios, Arauto do Palácio Real; Aia, acompanhante de Jocasta; Menino, guia do cego Tirésias.

Édipo não sabia que tinha o “complexo de Édipo”... (Keneth Tynam - crítico teatral)... não deixa de ser hilário o fato, de que a teoria do Dr. Freud pode ter sido feita sobre um Golpe de Estado... frv;  A roda do ano reprisa a dor de sempre?


A representação inicia com Édipo dirigindo-se a um grupo de cidadãos de Tebas, reunidos à frente do palácio real. Ali, pede que um dos anciãos, um venerável Sacerdote, diga o que deseja o grupo, embora já saiba o que pedirão, pois vê em toda Tebas sinais que se vive em estado de lamentação e súplicas.
Responde-lhe o velho que o povo, de crianças a idosos, sofre com a peste que assola a cidade e o campo tebano, dizimando tudo que atinge: plantações, gado, pessoas. E que Édipo, o melhor dos mortais, é a última esperança de todos. Foi ele quem matou a esfinge (1), que antes aterrorizava a cidade exigindo pesado tributo de todos que passavam, e realizou uma série de melhorias à cidade e à população. Contam com ele, pois nem bem conhecendo a cidade já lhe prestara tantos favores. Agora, com mais motivos, esperam que use sua inteligência ou da graça de um deus para encontrar a solução para tão grave problema.
 

1 – Esfinge – normalmente o nome “Esfinge” nos remete ao monumento egípcio situado ao lado da grande Pirâmide. É claro, porém, que aqui se refere a outro Ser Mitológico. Também chamada de “inexorável cantadeira”, tinha cabeça de mulher e corpo de animal e atraia os passantes com seu canto, propondo-lhes enigmas e devorando os que não os adivinhassem. No encontro com o Édipo o enigma indagava: que animal tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde? Édipo respondeu que era o homem, que na primeira infância engatinha, depois anda com dois pés e na velhice além dos dois pés apóia-se numa bengala formando, pois, um tripé. Graças ao seu acerto, o herói livrou a cidade daquela desgraça, pois a Esfinge precipitou-se num abismo e morreu.
 

Na seqüência, o Sacerdote apela para a vaidade de Édipo ao aludir o quão grande será sua glória por ter salvado a cidade novamente. Serás, diz, visto como o herói de Tebas, aquele que a salvou de duas calamidades terríveis.
 

Note-se uma característica humana que sobrevive ao passar do tempo: a necessidade de delegar a outrem a responsabilidade pelo próprio bem-estar. Ainda hoje, lideres são buscados (e como esses e outros heróis são inexistentes, busca-se em Deus essa figura que garante a felicidade de cada um que o invoca) e aceitos com subserviência. No mínimo para lhes debitar o fracasso pessoal, haja vista que sempre é mais fácil atribuir a terceiros as próprias derrotas. E no máximo para usufruir o que foi conquistado sem a necessidade de penosos sacrifícios e trabalhos. A contrapartida a isto, o ganho de que assume o papel de “Salvador”, situa-se no espaço do egocentrismo. Na necessidade de ser o centro das atenções, de ser amado, querido etc.


Responde-lhe Édipo que está ciente da hecatombe que se abateu sobre a “Tebas das Sete Portas” e que seu sofrimento é maior que o deles, pois enquanto cada um sofre por si, ele sofre por todos. Diz-lhe que mandou Creonte, seu cunhado, ao Santuário do deus Apolo, em Delfos, para receber instruções de como fazer para cessar o flagelo e que tão logo ele volte tudo fará para vencer esse inimigo.
Creonte entra em cena portando boas novas, como crê. Embora difícil, a exigência poderá ser cumprida já que consiste em achar e extirpar um “mal” nascido em Tebas e nela residente. Respondendo às ansiosas dúvidas de Édipo sobre o que seria tal “mal”, Creonte lhe diz que deverá ser localizado e banido, ou justiçado, o assassino do rei Laios. Édipo sabe que seu antecessor foi assassinado e embora não o tenha conhecido, concorda que seu sangue seja vingado, como exige Apolo. Que o assassino seja severamente punido, seja ele quem for, conforme as instruções do deus.
Na seqüência, Édipo e Creonte conversam sobre as dificuldades de se esclarecer crime tão antigo, mas sendo necessário que se comece imediatamente. O espaço geográfico da busca é pequeno: a cidade e o campo adjacente de Tebas, já que o assassino ali reside. Também o espaço cronológico é sinalizado pela frase de Creonte “a ameaça da esfinge nos forçava a por de lado as coisas duvidosas e a só pensar em nosso dia-a-dia”; isto é, pouco antes da chegada de Édipo à cidade. Com essas premissas, o rei inicia sua investigação imaginando que ela também o favorecerá pessoalmente, pois se já mataram um rei, é possível que queiram matar o sucessor e ao liquidar o assassino estará se livrando de um inimigo oculto e desconhecido.
Iniciando o inquérito, Édipo conclama ao assassino prometendo-lhe que nenhuma violência sofrerá, bastando que aceite ser banido pelo resto da vida. Aos outros cidadãos promete régia recompensa a quem delatar o culpado. Por outro lado, ameaça o culpado de se tornar um pária, de todos recebendo ofensas e desprezo e, até, agressões físicas e enxotamentos. Também amaldiçoa o facínora para que sua vida seja de eterna desgraça. Essas mesmas ameaças ele dirige aos demais compatriotas, aos seus parentes e aos cortesãos que habitam seu palácio e lhes são íntimos.
O Corifeu toma a palavra e após falar de sua inocência, sugere que Tirésias, o famoso adivinho, seja chamado, pois ele tem os mesmos poderes que qualquer outro Oráculo e poderá elucidar a autoria do crime. Édipo responde-lhe que por sugestão de Creonte já tomara essa iniciativa e estava aguardando-o para breve. O Corifeu cita alguns boatos que sugerem ter sido alguns viajantes o matador de Laios e Édipo diz ter ouvido semelhante versão, mas são informações truncadas, inconclusivas.
Nisso, Tirésias chega e Édipo saúda respeitosamente a sua sabedoria, a sua capacidade de adivinhação e lhe pede que o ajude a desvendar o crime e, assim, salvar a cidade. O velho profeta maldiz seu dom, já prenunciando uma resposta amarga e inesperada. Ciente da gravidade do que já sabe por intuição, pede a Édipo que não o obrigue a dizer o que sabe. Pede, também, que o levem de volta à sua casa. Preocupado com esse comportamento, o rei insiste para que o adivinho conte o que sabe. Implora-lhe a verdade, mas Tirésias mantém sua recusa e com isso aumenta o desespero de Édipo, que passa a vê-lo como um inimigo. Tomado pela raiva, acusa o adivinho de ter sido o assassino, ou o mandante do crime; replica o profeta que é ele, Édipo, a desgraça que está arruinando a cidade e pede que não mais lhe dirija a palavra, enquanto se queda em profundo silêncio.
Édipo, indignado pela acusação de Tirésias, ameaça punir-lhe, mas o velho não se amedronta e diz que a verdade que está consigo o protegerá como sempre protegeu. Porém, não obstante sua relutância cede aos apelos – agora patéticos – de Édipo e com clareza torna a dizer que ele é o assassino de Laios e como o rei obriga-o a repetir, ele o faz sem qualquer temor. Diz ainda que o casamento de Édipo e Jocasta (mesmo que ambos nada saibam) levou o rei a mais sórdida das situações, embora ele nem perceba aquele horror. E ante as novas ameaças de Édipo, insiste em dizer que aquilo é a pura verdade. Na réplica, o rei o chama de farsante, embusteiro; e lhe acusa de ter-se vendido a Creonte, que arquiteta sua queda para herdar o trono. Alega que ele e o cunhado estão em espúrio conluio visando à tomada do Poder e a auferição de riquezas. Mas ao ouvir de Tirésias que seu fim se aproxima, que o Destino não lhe tarda pelas mãos de Apolo, Édipo demonstra alguma insegurança e pergunta se aquela afirmativa é pura invencionice dele, ou de Creonte? E discursa sobre o poder da inveja que sentem do seu poder, prestigio e fortuna. Inveja que faz de Creonte, que antes julgava leal amigo, um reles intrigante. E enquanto repete as acusações de falsidade e charlatanismo, questiona Tirésias sobre o porquê ele, tão poderoso em decifrar mistérios, não decifrava os enigmas da esfinge? Por que foi preciso esperar que um simples viajante, como ele, assim o fizesse e com isso salvasse Tebas?
Nesse ponto intervém o Corifeu argumentando que os insultos trocados foram originados pela raiva e que eram inúteis já que em nada contribuíam para solucionar o terror que toma a cidade. Contudo, Tirésias volta à carga e afirma que se Édipo zombou de sua cegueira, em breve saberá que seus dois olhos pouco ou nenhuma serventia tiveram para lhe mostrar a sujidade de seus atos, a sordidez de matar o próprio pai e deitar-se com a própria mãe. Diz, ainda, que as desgraças de Édipo não cessarão nele, mas atingirão sua “funesta prole”. Irritado, Édipo já não contra-argumenta e se limita a expulsar o velho profeta, que na partida, vaticina a sua cegueira, sua ruína, a desgraça com seus filhos, o seu banimento e todos os sofrimentos que enfrentará por ter sido o marido da própria mãe e homicida do próprio pai.
 

Note-se o tom acusador de Tirésias. Mesmo sendo ignorante sobre seus atos, Édipo é apontado como uma facínora. Essa tendência se coaduna com a ideologia da antiga Grécia que via naquele que praticasse atos contrários à moral, mesmo que à revelia, um homem marcado pelo Destino e, portanto, culpado de alguma forma. Os hindus, e mais recentemente algumas seitas que lhes seguem os ensinamentos, acreditam no “Karma”, ou seja, que um erro cometido no Passado é cobrado no Presente. Pode-se fazer alguma analogia entre essas duas visões, lembrando sempre, que a grega é discípula da hindu.


O povo que ouvira a acusação de Tirésias, nesse primeiro momento mantém a crença na inocência de Édipo, mas um germe de dúvida começa a se instalar entre todos e a cizânia se principia quando Creonte sabe do que Édipo o acusara e se dirige ao povo para externar sua indignação pela maldosa alusão que Édipo fez, colocando-o junto com Tirésias num sinistro plano para herdar o poder e a fortuna do cunhado. Na seqüência, Creonte é confrontado por Édipo, que torna a lhe acusar de tramar sua queda e aponta-lhe algumas evidencias (segundo ele as vê) que confirmariam sua tese. Creonte contra argumenta e entre outras posições cita a de que seria uma estupidez imensa trocar a sua suntuosa vida de agora pelas agruras que permeiam a vida de quem governa. Sim, pois em sua posição ele tem os mesmos privilégios que Édipo, mas não tem os mesmos encargos. A discussão prossegue estéril até que a rainha Jocasta surge e põe fim a mesma criticando a ambos por estarem focados apenas em problemas particulares e não na solução dos graves problemas que a coletividade enfrenta.


Note-se que é a segunda vez que alguém critica Édipo por esse motivo: preocupar-se consigo e esquecer o coletivo. Mais não é preciso para deixar claro seu egocentrismo, igual à de tantos outros protagonistas das Tragédias.
 

Também o povo apóia Creonte e pede que antes de acusá-lo Édipo faça um inquérito válido cujas provas não deixem duvidas de suas eventuais más intenções. Todavia, Édipo aferra-se em sua posição.
E tamanho é o seu apego a essa tese, sem qualquer comprovação objetiva, que se pode deduzir que inconscientemente ele já estaria em processo de fuga. Seria uma desesperada maneira de afastar o horror que Tirésias escancarou, mas que ele reluta aceitar. Como admitir que deseje a própria mãe e odeie o pai ao ponto de matá-lo? Esse conflito entre uma possibilidade, uma tendência, e o asco que causa, é a origem de tantos males emocionais? Para Freud e seguidores, sim.
Já no palácio, com Jocasta, Édipo não se aquieta com a desconfiança que ela tem de oráculos, adivinhos e quetais. Diz-lhe que ela mesma teve provas que adivinhos, profetas, místicos são falhos, ou malévolos. Cita o exemplo da profecia que versava sobre a morte de Laios. Até onde se sabe, o rei foi morto por salteadores, e não pelo filho, no cruzamento de três grandes estradas.
 

Observe-se que a morte do filho não a abalou como seria de se esperar de uma mãe. Ao invés de se rebelar contra o marido assassino, acomodou-se ao luxo que ele lhe proporcionava. Característica da pessoa, ou da época? Da pessoa, certamente! Vê-se, ao contrário dela, o sofrimento indizível de outras mães, suas contemporâneas, com a perda dos filhos.


Porém, ao ouvir o local onde ocorreu o assassinato, Édipo se sobressalta, pois foi ali que ele matou o homem que lhe impedia a passagem. Com a informação da data em que ocorreu o episodio, similar à do seu entrevero, a sua angústia aumenta e com a informação sobre a aparência do rei falecido, uma terrível suspeita toma-lhe o coração. Pressente que Tirésias estava certo. E quando Jocasta lhe conta que Laios viajava com uma pequena escolta e que ia num carro; e que a noticia chegou a Tebas através de um servo, o único sobrevivente (que ao saber de sua união com Jocasta pediu a esta que o mandasse para o campo, sem jamais voltar à cidade) a suspeita transforma-se em certeza. Já não tem mais dúvidas. Era ele o assassino de Laios.
Tomado de terror, pede a Jocasta que chame o servo e até que ele chegue conta-lhe o sucedido em sua pseudo terra natal, Corinto: em certo banquete, um comensal embriagado disse que ele era adotado. Embora seus pais adotivos, Polibio e Mérope negassem com veemência, uma dúvida ficou em seu coração. Para dirimi-la foi ao Oráculo, em Delfos, mas veio-lhe uma resposta confusa, recheada de dor, sofrimento, lutas etc. Estudando-a com mais vagar viu a trágica profecia de que mataria o pai, deitar-se-ia com a mãe e com ela geraria uma prole destinada a grandes sofrimentos. Foi para evitar esses horrores é que decidiu sair de Corinto e vagou pelo Mundo até que num entroncamento de três grandes vias, matou um homem...
Preso de profundo desgosto, conta a Jocasta como matou aquele estranho, que agora, pressente ser Laios. E, pior, casou-se com a viúva do mesmo.
Talvez se não fosse o calor dos acontecimentos, que geralmente prejudica o raciocínio, ambos teriam visto que tantas coincidências não poderiam ser explicadas. Inconscientemente ou não, tem-se aqui novo exemplo do poder das circunstâncias sobre o Homem. O irracional, o destino, assume o espaço que deveria ser do raciocínio. Jocasta prossegue em sua tentativa de acalmá-lo dizendo que segundo o sobrevivente, os assassinos de Laios eram vários bandidos e não um só homem. Agarrado nessa esperança, Édipo aguarda a chegada do homem enquanto escuta Jocasta maldizer os oráculos, taxando-os de incorretos, frágeis e talvez manipulados.
 

Note-se que Jocasta desacreditava dos oráculos, mas não dos deuses, os quais, nessa obra e em várias outras, são tidos como reais (materiais, concretos). A vida na Grécia antiga era efetivamente regulada por essas entidades, que participes do cotidiano, interferiam das menores questões até os grandes problemas. Deuses e Deusas que emanavam as “Leis Superiores”, as quais regiam desde os hábitos mais arraigados até as questões mais importantes (aquelas inalteráveis com o correr do tempo e/ou com as disposições dos legisladores humanos). De certo modo é o que se vê em algumas religiões contemporâneas, onde os fiéis pedem desde um suculento almoço, até a cura do câncer.
 

Passado algum tempo, e após pedir a intercessão de Apolo para que acalme seu inconsolável marido (e filho), Jocasta recebe a visita de um emissário de Corinto que relata o desejo de seus compatriotas de ter Édipo como rei, haja vista que o velho Polibio morreu. Mais que o trono, a noticia alegra o casal pelo fato daquela morte ter-se dado sem a participação de Édipo. Exultam com a fabilidade do Oráculo, pois como Édipo poderia matar um pai que morreu naturalmente. Doutro perigo, o de deitar-se com mãe, Édipo desdenha. Nesse ponto, Jocasta diz a frase que ficou célebre graças ao Dr. Freud: - não tenhas medo da cama de tua mãe, quantas vezes, em sonho, um homem dorme com a mãe!”
Édipo, porém, reafirma seu medo de sucumbir a essa fraqueza, pois é uma maldição lançada por um Oráculo. O emissário, então, ao saber dos motivos de Édipo para se auto-exilar, conta-lhe que ele é filho adotivo de Mérope, dado por ele mesmo ao rei e à rainha de Corinto como presente e para suprir a falta de filhos do casal. Também lhe conta que o recebeu de outro pastor, da casa de Laios, numa várzea e que tratou de seus tornozelos (Édipo em tradução literal significa: “o de pés inchados”) machucado pelos grampos que o prendia, conforme Laios ordenara.
Édipo insiste nos pormenores, pois quer saber em detalhes a sua origem verdadeira, enquanto Jocasta tenta dissuadi-lo, mas sem êxito. Por fim, ela se afasta dizendo as últimas palavras ao Édipo: - pobre de ti... Que nunca descubra quem é... Desgraçado!
Adivinhando o final, Jocasta acovarda-se e tenta interromper o processo. Vencida, porém, pela persistência do marido – a quem já pressente como filho – adentra o palácio. Nada mais dizendo sobre ela, Sófocles abre espaço para que o leitor ou espectador imagine o cataclismo em sua alma. Talvez remorso pelo co-assassinato do filho, ou horror por ter-lhe como homem, ou medo pelo que virá no Futuro etc.
Édipo ainda se ilude que o pior sobre sua origem seja relacionado com a miséria, ao baixo nível social, mas como se acha um eterno bafejado pela boa sorte, sente-se feliz por seu Destino. O povo compartilha de seu entusiasmo, pensando que o herói seria filho de algum dos deuses e, por isso, divina seria a sua origem.
Nesse momento chega o pastor, que é reconhecido pelo povo e pelo emissário de Corinto, como aquele que lhe entregou Édipo para que fosse criado como filho. O pastor, após alguma indecisão pelo tempo transcorrido, lembra-se afinal e se põe a praguejar contra o emissário e só depois de ameaçado por Édipo é que confirma ter entregado o filho enjeitado de Laios. Criança que lhe fora dada pela própria mãe, Jocasta, para ser morto. Contudo, por compaixão, ele não cumpriu a ordem recebida dando o garoto ao pastor que agora é emissário de Corinto.
Esse trecho confirma a culpa de Jocasta que não titubeou em mandar matar o próprio filho para continuar usufruindo das vantagens em ser a rainha. E que no Presente não vacila em tentar impedir a pesquisa de Édipo, pois abafando o caso manterá seus privilégios.
Horror! Horror! Horror! Grita Édipo, sacudido por tal revelação. Confirmou-se que ele matara o pai e cometera incesto com a mãe. Em seu desespero, pragueja contra sua sina terrível e diz que não suporta mais a luz do Sol (ou da verdade).
O Coro entoa seus lúgubres cantos e desencantos, citando a volatilidade da vida humana que a despeito da intenção e dos atos, vai aos píncaros da glória, da fortuna e noutro momento desce à mais sórdida corrupção e miséria. Note-se que milênios após, essa oscilação é tão presente quanto foi desde os primórdios.
Entra em cena o Arauto que anuncia ao povo o relato que fará sobre a sujidade que existe no Palácio Real. Tanto aquela cometida sem dolo, quanto as premeditadas malevolamente. Prossegue anunciando a morte de Jocasta que cometeu suicídio enforcando-se após duro suplicio emocional. E que ao ver a rainha morta, Édipo tomou os alfinetes que lhe prendiam a túnica e feriu seus próprios olhos dizendo: - olhos meus, não vereis mais esta culpa, esta vergonha; nunca mais vereis o que não deveríeis ter visto nunca...
Insano, Édipo manda que os portões sejam abertos e ordena aos súditos que entrem para verem o maior horror possível. Depois, exige ser banido de Tebas e segue vacilante, sem ninguém para guiá-lo. O povo, não obstante o incesto e o parricídio, ainda se condói da desgraça de seu Rei, que vaga entre os impropérios que lança à própria sina. A esse mesmo povo que o critica por ter vazado os olhos, Édipo responde que o fez a mando do deus Apolo e suplica que o levem dali com urgência enquanto pragueja contra o pastor que o salvou da morte em criança, mas lhe deu uma vida cheia de terror. E prosseguindo suas lamentações, explica o porquê da auto-mutilação e não o suicídio, valendo-se da crença na época de que no Hades o corpo físico continuava a desempenhar as mesmas funções e seus olhos, então, veriam os genitores, cobrindo-o de vergonha.
 

Note-se que Édipo age com a culpa de quem cometeu os crimes premeditadamente. Seu Consciente recrimina os atos e intenções do Inconsciente, disso resultando o conflito interior que, tempos depois, transformou-se na pedra angular dos estudos de Freud. Porém, fica dúvida: seu Inconsciente procurou essas situações, ou elas foram armadas por simples acaso? Mas o “acaso” existe por si? Não seria apenas o cenário composto pelas inclinações inconscientes?
 

Observe-se, ainda, que se para Édipo havia motivos para tantas lamentações por ter percorrido a via que o Destino lhe impôs; hoje, essa motivação não seria tão verdadeira, pois o conceito de deus ou deuses já não tem o mesmo rigor de antes e, no entanto, tais conflitos se repetem. A culpa continua existindo sem estar vinculada diretamente a uma figura divina.


Nesse momento chega Creonte, motivo de mais angústia para Édipo que se arrepende por tê-lo acusado injustamente. Contudo, Creonte mostra-se magnânimo e diante da súplica que Édipo lhe faz para que o expulse, responde que esse é seu desejo pessoal, mas só o fará após ter consultado, pela segunda vez, o deus Apolo. Édipo pede-lhe que dê um enterro digno a Jocasta e que cuide de suas filhas, pois se os filhos – Polinice e Eteócles - já são independentes, elas não. E são elas que adentram à cena, autorizadas por Creonte, para a despedida do pai que lamenta a sorte de ambas. Insultos, ofensas e rejeições farão parte de seus cotidianos tristes e solitários, pois a solteirice lhes é certa, já que ninguém irá querer casar-se com quem descende de toda aquela sordidez.
Creonte põe fim àquela triste despedida e convida a todos para adentrarem ao Palácio aonde a resposta do deus chegará selando o destino de Édipo. Porém, antes do deus e ante a insistência de Édipo para ser banido, autoriza seu exílio, mas retém suas filhas. Parte Édipo tão sozinho, quanto sozinho um dia chegou à Tebas das Sete Portas.


E com essas certezas estabelecidas encerra-se a peça. Porem, tais certezas não escapam de um segundo julgamento e nesse, a sua inexorabilidade começa a cair. Inicialmente vamos recuar um pouco no tempo para localizar a origem da maldição de Édipo. Segundo os eruditos, decorre do fato de Laios ter seduzido o jovem Crisipo e com isso ter “inaugurado o amor homossexual”. Mas, numa época em que tais amores eram vistos com bons olhos, como admitir esse “pecado original” como motivo de maldição? Com essa primeira dúvida, chegam outras, conforme abaixo:
 

1. O Emissário e o Pastor seriam absolutamente idôneos? Ou teriam sido corrompidos por Creonte?
2. Tudo não seria um golpe arquitetado por Creonte para usurpar o Poder? Sua arenga sobre as vantagens de usufruir as benesses, mas não o encargo da realeza, colide diretamente com a natureza humana que busca, sempre, o ponto mais alto de qualquer escala. Seria, pois, verdadeira?
3. Jocasta sabia desse plano do irmão, mas não quis delatá-lo? Foi por isso que insistiu para Édipo esquecer o assunto e aceitou ficar com ele, pois sabia que ele não era seu filho?

 

Questões que Sófocles não responde; e que raras vezes são formuladas. Talvez por isso as teses embasadas nessas histórias não encontrem o unânime apoio que pretendiam. De todo modo, olhando o trabalho apenas pelo seu lado literário, a magia é perene. Ainda hoje emociona a todos que tem o privilégio de conhecer-lhe. O nome de Édipo tornou-se popular graças à tese do já citado Freud. A peça teatral, infelizmente, não teve a mesma popularidade. É de se lamentar, pois Sófocles desvendou a alma humana de forma magistral. Se atualmente o Inconsciente já não é tão atrelado aos deuses, como já se disse, pouco importa, pois continua a querer tudo que lhe é proibido pelo Consciente, é a individuação das restrições sociais. Paradoxalmente o Homem busca a proteção da tribo, mas continua a sonhar, a desejar o que a tribo lhe nega. Esse, ao cabo, é o conflito: o Homem contra a tribo, da qual depende. O Homem contra seus desejos mais íntimos. O Homem contra ele mesmo.
 

São Paulo, 21/02/2011
 

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segunda-feira, fevereiro 21, 2011 - 20:52

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