CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Iniciação

Assim que atravessou a porta, logo a sombra lhe esbateu o ânimo.
Tinha-se preparado. Convencera-se do fado e até tinha puxado por oração apropriada. Bem que o avisaram!
Contudo, fizera orelhas moucas e deixara os debates de consciência para depois. Agora, sem alternativa, ali estava, compulsivamente, trazido por mãos experientes.
Disseram-lhe que não seria nada de especial, coisa breve. Não sentiria nada, apenas alguns segundos ou talvez minutos… Enrugou a testa mas aceitou a condição de condenado. Havia tentado explicar o porquê da injustiça daquele acto. Tinha provas, testemunhos. Em vão. Estava ditado, naquele dia, naquela hora.
Largara o Sol de alguns anos, entregava-se à luz sem sangue do lado de lá da porta, por onde o conduziam.
Contemplou um pequeno cubículo, pejado de ferramentas de tortura. Arregalou os olhos perante tamanha panóplia de lâminas e objectos terríveis, pontiagudos. Susteve a respiração face a tão grande manancial de líquidos – certamente ácidos e outros tais – perfurantes da integridade humana. Desfaleceu, aterrado com os malditos equipamentos eléctricos de apoio ao ofício. Todavia, não deixou escapar sílaba pela boca seca.
Disseram-lhe: “Senta-te, a seguir és tu.”
Como?! Revoltou-se! Haviam-no conduzido ao inferno e ainda tinha de esperar?! Esperar?! Os pecados, os crimes, não eram assim tantos para o fazerem sofrer assim! Exigia uma decisão rápida e limpa, caramba!
Disseram-lhe: “Calma. Já chegará a tua hora.”
Lá se acostou, ferido de morte, espectador da miséria daquele que despachavam antes da sua vez. O coração acelerou, as veias engrossaram, prestes a rebentar. Todo ele era uma vaga de mar com a pujança de sismo! Afinal, ensinaram-lhe que o grande exemplo de martírio já tinha ocorrido para aí há uns dois mil anos. Que fazia ali, assim sereno? Porque não tentar a fuga? O que tinha a perder?
Olhou para a cadeira onde tudo acontece; olhou para o algoz. Que bem-falante e sorridente! E que sarcástico, assim vestidinho de farda azul celeste! Grande energúmeno, é o que ele é. Querer retalhar-lhe assim o corpo, como fez àquele desgraçado…
“És tu, agora.”
Cai o céu e o mundo dá umas quantas cambalhotas. É verdade, chegara o momento de oferecer a cabeça à guilhotina da prepotência dos homens que mandam em nós.
Acercou-se do cepo. Aquilo era um cepo com quatro pernas e um assento. Passaram-lhe o pano pela frente dos olhos, mas não lhe cobriram o olhar. Sentiu-se apertado na garganta. Devia ser para não sujar o tronco.
Não foi necessário amarrá-lo. Prometeu deixar-se abater sem luta…
Tudo pronto. Soava o rádio de fundo. Música de plástico para quem se tentava escutar ainda como organismo inteiro.
“Estás pronto. Posso investir?!”
“Não!!!!!” Gritou. “Não quero que me desfragmentem!”
“Deixa de ser lamecha. Já és crescidinho. Aqui é como fazias em casa”, entoou forte, o pai.

… o barbeiro começou a cortar a farta guedelha…

Andarilhus “(º0º)”
XII . IV . MMVIII

Submited by

sábado, abril 12, 2008 - 22:46

Prosas :

No votes yet

Andarilhus

imagem de Andarilhus
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 42 semanas
Membro desde: 03/07/2008
Conteúdos:
Pontos: 868

Comentários

imagem de morrigan

Re: Iniciação

Gosto de te ler...
O final não é de todo aquilo que se espera...
Palavras ricas as que usaste aqui

imagem de MariaSousa

Re: Iniciação

Arrepiante. :-o
Com um final feliz :-)

Bjs

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Andarilhus

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Aforismo Despertar 1 747 05/23/2008 - 21:46 Português
Prosas/Outros As Mutações da Máscara 3 950 05/19/2008 - 17:58 Português
Prosas/Ficção Cientifica Yoanna 4 1.196 05/16/2008 - 21:39 Português
Prosas/Contos Desfazer o Mundo 4 965 05/13/2008 - 00:28 Português
Poesia/Desilusão Das certezas II 5 831 05/10/2008 - 20:20 Português
Poesia/Meditação Das Certezas 4 618 05/09/2008 - 22:43 Português
Prosas/Outros Rosa-dos-ventos 2 866 05/06/2008 - 23:50 Português
Poesia/Paixão Ao Vento 1 964 04/23/2008 - 22:27 Português
Prosas/Contos A Carta 3 983 04/22/2008 - 21:01 Português
Prosas/Contos In mea limia 1 988 04/19/2008 - 11:01 Português
Poesia/Meditação Sina... 2 1.045 04/18/2008 - 21:49 Português
Prosas/Contos Iniciação 2 1.172 04/14/2008 - 17:03 Português
Prosas/Contos Mare Nostrum 2 819 04/12/2008 - 22:26 Português
Prosas/Contos SantAna Vitae Maestra 1 740 03/31/2008 - 21:30 Português
Prosas/Contos O Circo da Vaidades Perdidas 2 1.033 03/30/2008 - 23:05 Português
Prosas/Contos Santos e Mártires 2 677 03/29/2008 - 14:46 Português
Prosas/Fábula Epifania 2 1.510 03/28/2008 - 22:30 Português
Poesia/Tristeza Desfiar o Castigo 1 932 03/28/2008 - 21:37 Português
Prosas/Outros Saudade 2 1.125 03/28/2008 - 00:16 Português
Prosas/Contos Os Lugares do Nunca 2 934 03/26/2008 - 21:39 Português
Poesia/Amor Predilecta 1 673 03/26/2008 - 00:53 Português
Prosas/Contos Afortunados os pobres de espírito 2 1.431 03/22/2008 - 15:03 Português
Poesia/Intervenção Aquele que... 1 1.077 03/21/2008 - 14:45 Português
Prosas/Contos O Meu Jardim Presépio 1 977 03/19/2008 - 19:56 Português
Poesia/Desilusão Transvaze para a fonte do ser 2 1.387 03/19/2008 - 19:12 Português