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Jihadismo: contra os Muçulmanos e contra o Ocidente.


 
Para a maioria dos seguidores do Islã, o conceito de “Jihad” associa-se à luta interior do indivíduo em busca de sua elevação ética, espiritual e religiosa.

Porém, para uma minoria radical, os Jihadistas, o termo relaciona-se exclusivamente com a guerra a todos que não seguirem a linha teológica que eles imaginam ser a correta. Em contrapartida, os atentados contra vitimas inocentes, tanto no Ocidente quanto no Oriente, despertam a ira, o pavor e levam a retaliações cada vez mais violentas, embora inócuas.

Considerando-se, então, a barbárie que tal antagonismo implica, é necessária uma reflexão sobre os atores envolvidos, na tentativa de buscar soluções que ofereçam resultados mais eficazes, ao contrário dos que até agora estão sendo colhidos.
Neste Ensaio não entraremos em minúcias, tanto pela exiguidade de espaço quanto de conhecimento acadêmico sobre a matéria, limitando-nos a um breve relato da questão, desde o seu aparecimento até as perspectivas de seu desdobramento, como subsídios iniciais para discussões mais aprofundadas.

A origem e o desenvolvimento

Em meados de 1928, Hassan al-Banna, fundou no Egito a confraria denominada “Irmandade Muçulmana”, cujo ideário principal era (e ainda é) a convicção de que o Islamismo é uma Religião e uma Filosofia política e social de magnitude tão superior, que deve reinar absoluta em todas as partes do planeta.

E para que isso aconteça, os seguintes estágios deverão ser concretizados:

1) Tornar toda a sociedade islamizada a partir de sua base, o que implica em solapar todas as outras tendências jurídicas, filosóficas, religiosas, políticas etc.
2) Concretizada essa islamização, tomar o Poder Político e criar o “Estado Islâmico”, regido pela “Xaria”, a Lei do Islã.
3) Repetir o processo, criando vários “Estados Islâmicos”.
4) Integrar esses “Estados Islâmicos” por meio de programas de cooperação e de assistência.
5) Realizada a integração, abolir as fronteiras e proclamar o “Califado” (que, a rigor, englobaria toda a Terra), subordinado a único Califa, que governaria conforme os mandamentos da já citada “Xaria”, com a imediata supressão dos conceitos de Democracia multipartidária e representativa, separação entre Política e Religião, divisão de Poderes, garantia dos Direitos Individuais etc.

A simplicidade dessas propostas foi convincente para arregimentar muitos fiéis entre a massa mais humilde e menos letrada e a confraria aumentou substancialmente no Egito e noutros países árabes. Porém, ainda assim, ela não foi capaz de tomar o Poder Político e implantar o seu modo de vida.

A partir desse fracasso, por volta de 1940, uma minoria dentre os arregimentados adotou posições mais radicais e violentas; e na década seguinte, a escalada de atos brutais aumentou consideravelmente, também em resposta à brutalidade da repressão imposta pela Junta Militar que havia se instalado no Cairo.

Dentre os radicais, despontou Sayed Qotb, ex-prisioneiro político de Gamal Abdel Nasser, que realizou uma verdadeira reviravolta ideológica no campo político e ideológico.

Convencido de que vivia em um mundo caído na ignorância e na descrença, ele conseguiu que seus seguidores o seguissem na ideia de que deveriam separar-se espiritual e fisicamente das “sociedades impuras” e, depois de estarem solidamente elevados nos aspectos espiritual e concreto, partirem para conquistar o “mundo ímpio”, em um Jihad total.

Inspirado pelo indo-paquistanês Abul Ala Mawdudi, ferrenho partidário da ideia do Califado, Sayed Qotb incrementou o convencimento dos “escolhidos” de que a “Soberania absoluta de Deus” deveria ser restaurada, através da crescente e contínua “guerra santa” e da instalação de Estados regidos pela Lei Islâmica; já que, apenas dessa maneira seria possível “salvar” os outros muçulmanos do “materialismo pecaminoso do Ocidente”.

Suas ideias ganharam muitos adeptos a partir da década de 1960, principalmente entre a juventude árabe que se via esmagada pela pobreza e falta de perspectivas, originadas pelas políticas estadunidense, europeia e de seus aliados, para a região.

Todavia, a despeito dessa popularidade, as ideias de Hassan al-Banna, adotadas por Sayed Qotb, sofreram certa restrição pelo fato de ambos não serem “Ulemás” (depositários de uma solene tradição), mas apenas simples intelectuais e militantes islamitas, uma classe que até hoje não encontrou seu nicho no campo político e religioso.

Contudo, ainda assim, durante as décadas de 1960 e 1970 vários grupos seguiram a ideologia da dupla, tentando remediar essa dificuldade através dos escritos de Ibn Taymiyya – célebre jurista e teólogo do século XIII e de seu discípulo Qayyim al-Jawziyya. Todavia, não obtiveram sucesso expressivo.

Por fim, a invasão soviética do Afeganistão em 1979, possibilitou-lhes dotar-se de uma ideologia, fomentada pelos petrodólares da Arabia Saudita, que impôs ao Islamismo uma nova e radical visão religiosa.

Baseava-se a novidade, na doutrina teológica e jurídica conhecida como Wahabismo ou Salafismo, cujas características principais descrevemos a seguir:

Recorte
O Wahabismo ou Salafismo nasceu na segunda metade do século XVIII, na região da Arábia Central. Seu fundador, Mohammed ibn Abdelwahhab (1703-1792), considerava como “a única verdade” a religião ditada pelo Profeta Maomé e pelos piedosos ancestrais ou “al-salaf al-salih – donde vem o nome Salafitas”. É uma derivação do Hanbalismo, que, por sua vez, é uma das quatro grandes escolas jurídicas do Sunismo (de Sunas, corrente oposta aos Xiitas). A doutrina Hanbalita caracteriza-se pela observância literal (e equivocada, segundo vários eruditos e teólogos) dos preceitos do Alcorão, em busca da “Religião Pura”. E essa visão implica a adoção de práticas que são rejeitadas pela maioria dos muçulmanos, como o uso da violência, da opressão feminina, dos severos castigos corporais etc. Em 1744, Abdelwahhab aliou-se à dinastia Saud, que, baseada em seu ideário, em 1818, ergueu o primeiro Estado Saudita, hoje conhecido como Arábia Saudita.

Dentro desse contexto, os Salafitas (ou Wahabitas) desenvolveram o princípio “da fidelidade e da ruptura” que prega a fidelidade absoluta dos “fiéis (isto é, todos os muçulmanos)” ao Wahabismo e, isto, os leva a se relacionarem com os outros – muçulmanos ou não – apenas em termos de conversão, submissão ou guerra.

Assim, armados com os ideários de al-Banna e de Qotb, com a ortodoxia Wahabita e com a vitória sobre os soviéticos no Afeganistão – ocorrida em grande parte, diga-se, graças aos armamentos que os Estados Unidos lhes forneceram – os Jihadistas passaram a crer que já detinham o necessário para revitalizar e implantar globalmente o “Islã Puro”.

E para dar sequência aos seus planos, passaram a executar, desde o início da década de 1990, vários atos violentos com o argumento de estarem defendendo a “Oumma (a comunidade)”, constantemente agredida por seus inimigos externos e internos. Em sua lógica, todos os muçulmanos têm o dever de socorrer seus irmãos e a sua ajuda se manifestava através de ataques contra o Ocidente e/ou contra os regimes árabes-muçulmanos que o apoiam ou que professam uma corrente diferente do Islã, como o Iraque, por exemplo.

Em 1988, Osama Bin Laden e seus seguidores, considerando-se “a ponta de lança” da “comunidade dos fiéis”, juraram lealdade a Mulá Omar, o líder dos Talibãs que venceram os soviéticos no Afeganistão, e declararam o “Jihad Total” aos inimigos do “Verdadeiro Islã”, promovendo uma série de ataques, dentre os quais, o cometido contra WTC, nos EUA, em 11 de Setembro de 2011.

Porém, nem essas ações não foram suficientes para que os objetivos finais fossem alcançados e Al-Qaeda, o grupo de Bin Laden, entrou em declínio e acabou sendo suplantado pelo “O Estado Islâmico – OEI”, formado por uma facção dissidente de ex-combatentes, sob a liderança de Abou Omar al-Baghdadei.

Pragmáticos, os novos jihadistas adotaram a estratégia de agir localmente e pensar em termos globais. Primeiro, trataram de conquistar um território e os meios econômicos necessários para sustentar a sua luta, antes de enviar seus militantes para os ataques, como o ocorrido recentemente em Paris, França.

Possuidores, então, dos recursos para fazerem a guerra, continuaram a ser pragmáticos e não tiveram a menor cerimônia ou hesitação em adaptar métodos e técnicas do “Ocidente Decaído” – como o uso da internet, da exposição de imagens apavorantes e da propaganda massiva – para consolidar o seu poder.

E, por mais trágico que seja, é preciso reconhecer que tiveram relativo sucesso, como bem comprova a criação do “Califado” em junho de 2014 e a capacidade de recrutamento de novos militantes em quase todos os países do mundo.

Resta, então, sondar as perspectivas sobre o desdobramento da questão.

Vimos que grupos como a Al-Qaeda desfrutaram de momentos de apogeu, mas que, agora, experimentam certo declínio. Situação que, provavelmente, se repetirá com a “nova estrela dessa sombria constelação”, o “Estado Islâmico”.

Com efeito, pode-se imaginar que o OEI também acabará sucumbindo aos ataques que veem sofrendo do Ocidente e aos que passará a sofrer das nações muçulmanas, organizadas em torno da Arabia Saudita que coordena os esforços de criação de um grupo antiterrorismo.

Porém, fica a pergunta: o Jihadismo terminará?

As perspectivas

A nosso ver, infelizmente, não; pois, somadas à tendência natural do homem pela violência e pela intolerância, as péssimas condições de vida e a falta de perspectivas a que são relegadas populações inteiras, só fazem aumentar a renovação dos grupos voltados ao uso da força para impor as suas ideias.

Ademais, é importante lembrar que o uso do “terrorismo” como tática política, não foi uma invenção recente e nem de um agrupamento específico, como demonstram os fatos da história mundial. E, também, é importante não supor que apenas a miséria, a discriminação e a falta de esperança no futuro possam formar “terroristas”, haja vista que os países abastados sofrem periodicamente com o chamado “terrorismo doméstico”.

Diante dessas constatações, a solução seria promover o desenvolvimento material das regiões mais atingidas pela miséria, facilitando, destarte, o desenvolvimento cultural, artístico, espiritual e ético das populações nativas ou residentes na área. E nos casos “domésticos”, rever as bases em que as sociedades estão edificadas, haja vista que a troca de certos valores pelo consumismo desenfreado, pela superficialidade dos relacionamentos, pela intolerância etc. termina por levar aqueles que não se enquadram no estereótipo desejado, ao uso da violência insana como forma de protesto ou, no mínimo, de se fazerem ouvidos.

Solução, diga-se, extremamente complexa e, talvez, impraticável, por envolver a transferência e a mudança de valores, de poderes e, até, de mentalidades. Um desprendimento que não se coaduna com o “espírito humano”, mormente no formato em que ele se apresenta na atualidade.

Dessa sorte, terminamos de modo pessimista, pois entendemos que o terrorismo, seja ele o Jihadismo ou de outra vertente, é parte de nosso mundo e, talvez, tão perene quanto ele.

Bibliografia consultada e recomendada:

1 - Os Clérigos do Islã. Autoridade religiosa e poder politico na Arábia Saudita. Nabil Mouline.

Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa.
Lettre la Art et la Culture

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domingo, dezembro 20, 2015 - 18:17

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