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KARL MARX, a Internacionalização do Proletariado, a Mais-Valia e o Exército de Reserva
“pois sempre haverá um louco ingênuo e bem intencionado que acreditará em um Mundo e em um Homem melhorado”.
Vê-se na atual crise financeira e econômica, reacenderem-se os debates sobre os limites do Capitalismo. Sem entrar no mérito das opiniões, julgo ser procedente retornarmos ao estudo de Marx e, principalmente, de algumas de suas teses que estão no centro de seu Sistema de Pensamento. São elas: a Internacionalização do Proletariado, a Mais – Valia e o Exército de Reserva.
Engels encontrou-se pela primeira vez com Marx em 1844 na cidade de Paris. A partir daí, tornaram-se fiéis amigos e parceiros em vários tratados e estudos. Escreveram “A Sagrada Família” em 1845 e “Ideologia Alemã”, que só foi publicada postumamente em 1932. Nessa obra, esboçaram pela primeira vez suas concepções sobre a História. Em 1847 ingressaram na “Liga dos Justos”, na França, a qual viria a ser renomeada como “Liga Comunista”. Nessa organização foram incumbidos de escrever o “Manifesto da Liga” (publicado em 1848), que, futuramente, viria ser o renomado “Manifesto do Partido Comunista”.
“Um espectro ronda a Europa: o espectro do Comunismo”, essa frase inicial ganhou projeção imediata e ainda hoje é conhecida mundialmente. Escrita em tom de ameaça, profetizava alguns acontecimentos que efetivamente ocorreram logo depois, como, por exemplo, a queda da Monarquia na França, em Fevereiro de 1848, com a derrubada de Luis Filipe e a conseguinte proclamação da República. É mister que se diga que essa mudança ocorreu, é claro, por várias razões, dentre as quais as agitações (sem teorização política, mas apenas reivindicatória) do Movimento Operário e de Socialistas (ditos “Utópicos” (1), por acreditarem que a repartição justa do produto do trabalho se daria em razão do senso de justiça do Homem. Obviamente, uma quimera ingênua, típica do Romantismo).
(1) Talvez seja oportuno indagar, se Marx também não fora tão ingênuo quanto os Socialistas, mormente, Saint Simon. Pois, se estes acreditavam na justa divisão por ser o Homem naturalmente ético; Marx acreditava na combatividade do Homem, quando o que está em jogo vai além de seus interesses próprios.
A participação desses Movimentos deu nova cor à ebulição da época e em Junho de 1848, ambos participaram da organização do Levante que visava instaurar uma “República Social”. Porém, a insurreição fracassou. Não obstante esse fracasso pontual, o fato é que toda Europa foi sacudida por ondas revolucionárias, de varias matizes e intensidades, que pretendiam desde Reformas Liberais e Democráticas até o fim da servidão dos camponeses (esta, principalmente, na Rússia) e outras reivindicações de minorias isoladas. E todas essas Revoltas eram vistas como o “fantasma” predito por Engels e Marx. A “profecia” havia tomado ares de tendência histórica.
Pois bem, em meio a essas rebeliões, a dupla de filósofos retornou à Alemanha para fundarem na cidade de Colona a “Nova Gazeta Renana”. Paralelamente começaram a participar das alas mais “progressistas” (ou “esquerdistas”) dos grupos democráticos germânicos, mas com esses logo romperam por acharem-nos “traidores dos Ideais Revolucionários”. O fato, contudo, é que a Revolução, após ter atingido seu zênite, já começava a mostrar sinais de derrocada. A antiga ordem, monárquica e servilista, ou a Burguesa, voltavam a tomar o lugar que antes ocupavam e Marx acabou sendo expulso da Alemanha em 1849. Asilou-se primeiramente na França, mas também de lá foi expulso e seguiu para a Inglaterra. Ali, meses depois, Engels a ele se juntaria.
Em solo inglês, Marx passou a freqüentar o Museu Britânico, onde estudou metodicamente a chamada “Economia Política”. Em 1852, publicou o livro “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, referindo-se ao sobrinho de Napoleão Bonaparte. Nessa obra, expõe seus estudos e suas conclusões sobre os acontecimentos na França entre 1848 a 1851. Acontecimentos que resultaram no golpe de Estado aplicado pelo sobrinho do ex-imperador. Em 1866, Marx terminou o 1° volume de sua obra máxima “O Capital”, que foi publicado no ano seguinte. O trabalho com o livro manteve-o afastado da vida política direta. Limitou-se, na verdade, a polemizar contra as correntes políticas que lhe eram adversas. Todavia, deve-se registrar que em 1864 participou da fundação da chamada “Associação Internacional dos Trabalhadores”, em Londres. E foi precisamente essa Associação que mais tarde ficou conhecida como a “1ª Internacional”, cujo lema era: “a emancipação da classe operária deve ser obra dos próprios operários”. Mais que uma sentença, ali já se indicava que os Proletários não podiam (nem deveriam) esperar que sua libertação fosse concedida pela burguesia; ao contrário, ela só seria efetiva se fosse conquistada pela luta dos trabalhadores. Caberia aos mesmos serem os protagonistas de sua história. Foi, indubitavelmente, a primeira teorização acerca da emancipação do Homem escravizado por outro Homem. O servo já não seria servo por um “Decreto Divino”. Só o era porque permitia que assim fosse. Livre de seu amo, ou patrão, já não seria sustentado (como o fizerem crer os anos de dominação, onde se apelou até para os castigos na pós-morte, como a crença no Inferno, por exemplo) pelo seu dono. Sua sobrevivência não necessitaria da caridade, mas estaria vinculada ao produto de seu trabalho. Atualmente, essa posição já parece ser quase que universalmente aceita, mas quando é analisada em seu contexto histórico, nota-se a imensa transformação que propunha. Mudança, claro, que não interessava à Burguesia que pressentia duas perdas: a primeira, seria perder o domínio e a exploração da força de trabalho; e a segunda, seria a perda de seu status social e dos privilégios a ele inerentes. Se antes a idéia do “Direito Divino (i.e – Deus determinaria (sic) que tipo de vida cada qual levaria)” já se mudara da Nobreza para a Burguesia, seria possível que com a ascensão do Proletariado esse “Direito Divino” fosse definitivamente enterrado e, com ele, os privilégios que alguns se davam apenas pelo fato de terem nascido em tal Classe Social e não em outra. Ranço desse pensamento torpe ainda vige em nossos tempos e não é raro que se desfrute de uma herança sem que se tenha tido qualquer mérito pessoal para fazê-lo. Aliás, vale-se até de Livros dito Sagrados, para legitimar (sic) o instituto da herança. Alguns os usam, inclusive, para reivindicar terras que formam Países. E, note-se, que aqui não se advoga em favor de uma das partes, pois a outra faria exatamente igual. O que se questiona é o Instituto que permite a transmissão das benesses, sem o sacrifício ou capacitação, ou denodo etc. que as justificaria.
Voltando à “1ª Internacional” ver-se-á que um dos objetivos de Marx era tomar o lugar das antigas correntes semi-socialistas ou Socialistas (o Socialismo Utópico, ou ingênuo) para que se implantassem verdadeiras organizações de operários dispostos a lutar para que se modificasse a estrutura vigente. Já não havia lugar para os sonhos. Era preciso brigar (2) volte-se à nota 1 sobre a também ingenuidade de Marx. Que fossem organizações capazes de fazerem a Revolução e, através dela, tomarem da Burguesia o que esta lhes tirava espuriamente. Dessa visão participavam outras correntes do Movimento Operário, dentre as quais, a ligada a PROUDHON <1809/1865> e a de BAKUNIN, tido como o ícone do Anarquismo.
Mas em 1870, a Prússia impôs várias derrotas à França e sitiou a Paris de Luis Bonaparte, o sobrinho de Napoleão. Diante disso a população decretou o fim da Monarquia (como já fizera em 1779, na Revolução Francesa) e proclamou a República declarando-se em “Comuna”; ou seja, dirigida por um Governo composto por várias classes, dentre as quais aquela denominada de “Operários Internacionalistas” que pregavam a união de todos os trabalhadores do Mundo. A velha ordem que se assentava nos conceitos de Pátrias, povos, patriotismos, etc. era-lhes absurda, pois sob esses títulos o que existia era o mesmo em todo lugar: a exploração do Homem. Então, que os Operários do Mundo se unissem contra o verdadeiro inimigo e esse não era a classe operária de outro país, mas sim a sua própria Burguesia. Que se abolissem as fronteiras, pois na “Nova Ordem” essas divisões eram arbitrárias e o próprio sentimento de patriotismo era só outra anestesia dada ao Proletariado para que esse não enxergasse seus verdadeiros verdugos. Aliás, a famosa frase de Marx de que “a Religião é o ópio do povo”, ilustra perfeitamente esse conceito.
Durante essa experiência de “Governo Popular”, Marx escreveu o texto que ficou conhecido como “As Declarações da Internacional”, onde narrava os acontecimentos da época. Posteriormente essa obra foi compilada e intitulada de “A Guerra Civil na França”. Foi uma época cheia de fatos inusitados, heróicos, dramáticos e para o filósofo era a realização de seus desejos. Segundo o próprio, era “forma política finalmente encontrada para que o Governo Revolucionário dos Trabalhadores vigorasse”.
Além das medidas de cunho libertário (3) que hoje seriam classificadas como “Progressistas” ou “Baderna”, conforme a “orientação política” de quem as defina, para Marx a Comuna primou por destruir a Burocracia e o Militarismo belicoso do Antigo Estado. E, isso, sob seu ponto de vista era o suficiente para eliminar a opressão da Burguesia sobre o Proletariado.
Porém, esse sonho revolucionário foi esmagado em Maio de 1871 por outro Governo Burguês, segundo Marx, que se organizou em Versalhes e que de imediato negociou o armistício com a Prússia. Na própria “Internacional” as lutas de diferentes concepções sobre as idéias do filósofo geraram acirradas disputas e mesmos cismas que resultaram, em 1876, na dissolvição do movimento.
Engels e Marx ainda participaram esporadicamente do Partido Social Democrata Alemão, mas no ano de 1883, Marx faleceu. E em 1895, Engels, que, no entanto, ainda conseguiu tempo e energia para compilar as anotações de Marx, as quais originaram o II e o III volumes de “O Capital”. Sobre essa obra nos estenderemos a seguir.
O CAPITAL
Para quase a unanimidade das pessoas esse trabalho é a Obra Prima de Marx e não é raro que seja tido como um livro de Economia. O subtítulo “Critica da Economia Política”, evidentemente, contribui para essa classificação. Porém, na verdade, o cerne do mesmo é desvendar o que a “Economia Cientifica Burguesa”, conforme Marx, jamais pôde explicar: o porquê, qual o motivo, que leva um Homem explorar outro Homem. Dessa lucubração surgiram dois pontos básicos na teoria marxista: a Mais-Valia e o Exército de Reserva.
MAIS-VALIA
Neste ponto, por ser um dos escopos deste Ensaio, creio ser oportuno estendermo-nos um pouco mais. É uma nomenclatura que define bem o Pensamento de Marx e que, via de regra, é usada de maneira errada.
Grosso modo e de forma bem resumida, para Marx a “mais valia” é sinônimo de “apropriação indevida”, ou simplesmente “roubo”. O “furto” que o Patrão pratica contra o Empregado. Poderemos analisar essa afirmativa recorrendo a uma semi parábola:
O trabalhador não tem os MEIOS de PRODUÇÃO, ou seja, ele não tem máquinas, capital, terras etc. que são necessários para que se produza alguma coisa. Tem apenas sua força física e/ou intelectual. E é ela que ele oferece ao Patrão que tem os “meios de produção”. Pois bem, ambos disporão de algo para que em “sociedade” produzam alguma coisa. O sentimento de justiça mais comezinho diria que o correto seria a divisão igual do produto gerado entre os dois sócios. Porém. . .
Para Marx a própria idéia de que há uma “Sociedade” ou “Associação” entre Patrão e Empregado, ou entre Burguês e Proletário é falsa, na medida em que o principio de distribuição igualitária do produto fabricado é solene e arraigadamente negado. Logo, não há porque se falar em Associação. O que há, desde o principio, é a pura Lei da Selva. O mais forte (ou ardiloso, inescrupuloso, insensível etc.) domina o mais fraco.
Quando o Trabalhador troca sua força (física e/ou intelectual) por um salário, deixa automaticamente de ser um “Sócio”, já que seu ganho é fixo e não proporcional aos ganhos auferidos pela “Sociedade”; e se torna apenas mais um dos insumos necessários à Produção. O trabalhador passa a ser só mais uma “mercadoria” ou “matéria prima” que se compra por um preço pré-estipulado. Outrossim, o ganho do Capitalista é diretamente proporcional ao lucro gerado pelo Produto que fez. Digamos, que a parte que ele “investiu” na Sociedade (os meios de produção: máquinas, ferramentas, terras etc.) foi mais “rentável” que o investimento que o Trabalhador fez. Claro que quando não há prejuízo. Mas mesmo nessa hipótese, será sempre o Trabalhador o mais prejudicado, pois antes de outras despesas o seu salário é cortado, quando não o próprio posto de trabalho.
Porém, ao contrário de outros insumos (ou commodities) que têm os preços fixos, mas também sua utilidade e/ou importância, o “Trabalhador Mercadoria” produz mais valor em cada coisa que faz.
(4) Imagine-se o seguinte: compra-se um caminhão capaz de transportar 10 toneladas, por certo preço; todavia, esse caminhão será adaptado (ou treinado), ou simplesmente explorado para carregar 15 toneladas. Assim, ele dá um “lucro extra” de 5 toneladas em cada trabalho que execute. E mesmo sendo explorado ele continuará funcionando com a mesma quantidade de combustível, manutenção e outros cuidados básicos. Com o “Trabalhador Coisa”, é (ou era mais explicito na época de Marx) o mesmo.
O valor daquilo que o Trabalhador produz vai além do que lhe é necessário para sobreviver.
(5) outro exemplo dessa situação: Patrão e Trabalhador necessitam cada um, de doze sacas de farinha, para sobreviverem. Contudo, a produção da “sociedade” entre ambos rendeu, digamos, vinte e quatro sacas para cada um. Ou seja, doze a mais que suas necessidades básicas. Pela lógica do equilíbrio, esse excedente seria dividido em partes iguais (ou o mais próximo possível dessa igualdade). Mas, é claro, NÃO é o que acontece, pois o preço ao trabalhador é fixo, independentemente de sua produção superar o valor que lhe é pago. Pois bem, Capital e Trabalho produziram 48 sacas, das quais doze são de propriedade do Trabalhador enquanto que as 36 restantes são do Capitalista. Dessas trinta e seis, subtraia-se a dúzia que lhe é necessária à subsistência e as 24 sacas excedentes ele as usa como melhor lhe aprouver. Serão, essas vinte e quatro sacas, o que Marx chama de “Mais Valia”.
Obvio que o Capitalista, por receber mais que o Trabalhador, viva em melhores condições, dando oportunidade aos seus descendentes de se aprimorarem (ou ao contrário, relaxarem ao ponto do lumpesinato), terem melhor alimentação e por conseqüência melhor saúde, mais vigor e todas as demais vantagens que o rendimento maior pode comprar. Além desses gastos, ainda haverá uma sobra que, geralmente, é usada para adquirir (ou “reinvestir no negócio”) mais e mais “meio de produção”. E com isso, afirmar contínua e progressivamente a sua Posição de Predominância na “sociedade” que estabelece com o Trabalhador, dando-se o “Direito” de exigir progressivamente maiores bocados dos lucros auferidos. Mais e mais, torna-se o “Sócio Majoritário” que dita as regras que nortearão as “Sociedades” que já mantém, ou as que venha manter com os Proletários.
Isto colocado chega-se à constatação de que o Aumento de Poder do Capital é irreversível, na mesma medida em que a miserabilidade do Trabalho. Patrões serão, então, seres demoníacos que se comprazem com o sofrimento alheio, enquanto que os Trabalhadores são vitimas inocentes dessa malvadeza? A resposta não é tão simples. Abaixo veremos o que forma essa massa de obreiros que se sujeita à exploração; e que, por isso, permite a existência da Dinâmica do Capitalismo, que, aliás, nesses tempos atuais, é aceito quase que universalmente. E essa massa de trabalhadores ou Proletários tem nome:
O EXÉRCITO DE RESERVA
Após termos exposto como acontece à exploração de um Homem pelo outro, é inevitável que se pergunte: por que o explorado se sujeita a isso? Será um covarde congênito? Um preguiçoso incapaz? Um boçal que não se dispõe a correr riscos?
Fazendo-se uma leitura rápida e superficial, pode-se até concordar com algum desses adjetivos. Porém, essa má reputação só pode ser usada, com um mínimo de justiça, quando o exemplo oposto (ou seja, o Capitalista bem sucedido) seja aquele (e só ele) que criou e desenvolveu sua fábrica, sua fazenda, seu banco etc. Mas, quando o Proletário passa a ser classificado numa das categorias acima, tomando-se por base de comparação os herdeiros (salvo as exceções), essa adjetivação torna-se injusta, inoportuna e, no mais das vezes, só é aceitável pela indução ocorrida no processo de formação dos indivíduos que herdam as riquezas de seus antecessores, ou dos que herdam as mazelas de seus progenitores. (. . .uma mentira dita mil vezes, torna-se uma verdade . . ) Pois, senão, vejamos:
O Senhor Fulano por ser trabalhador, inteligente, ponderado, econômico e dono de outras qualidades construiu uma Indústria de Móveis, por exemplo, que se firmou como uma das maiores e melhores do País e, por isso, ele enriqueceu. Teve a devida recompensa pelos seus méritos. Mas o herdeiro, Senhor Fulaninho, é o oposto do Pai. Pouco inteligente, crédulo em Seitas Esotéricas ou em Fundamentalismo Religioso, preguiçoso, perdulário etc., desfruta da fortuna que seu pai conquistou. Se antes a recompensa pelos méritos era plenamente justificável, agora se torna imoral. Ainda que seja legal (aliás, só é legal porque quem faz as Leis são, freqüentemente, outros Senhores Fulaninhos) Mas o Senhor Fulaninho nunca questionou, ou se perguntou, donde lhe veio esse “Direito”. Claro, que aqui se está generalizando. Obvio que existem as exceções. Mas o fato é que após mais de 10.000 anos de História, ainda se usa a falácia do “Direito Divino” para justificar imoralidades. Como se Deus escolhesse arbitrariamente quem viveria melhor ou pior.
Muito bem, por outro lado, o Senhor Beltrano nasceu habilidoso, capaz, trabalhador etc., porém, como seus genitores só puderam oferecer-lhe o estritamente necessário para que sobrevivesse não pôde avançar além do que a falta de estudo, de saúde, de vigor etc. permitiram-lhe. Também, é claro que se está generalizando, pois historias de sucesso sempre existem, até porque o Senhor Fulano acima existiu e enriqueceu por méritos próprios. E outros, também assim o farão. Mas vamos nos abster dessas individualidades e atentar para o que Marx chama de o “Motor da História”, que é a “Luta de Classes”.
Ora, se olharmos para as parábolas acima veremos que a Dinâmica do Capitalismo é a perpetuação da exploração de uma Classe pela outra. Todavia, essa mesma dinâmica em algum momento será, conforme Marx, o próprio coveiro do Sistema, quer pela melhor conscientização do Proletariado, quer pela própria autodestruição dos Capitalistas, na medida em que os herdeiros tornar-se-ão continuamente mais despreparados, frágeis, incapazes etc. E assim ficarão porque não sofreram com as exigências que a vida impôs aos seus antepassados e não se fortaleceram como deveriam. Poder-se-ia dizer que: amoleceram, tornaram frouxos. Quase o mesmo que já teria ocorrido com a Monarquia, pois se existiram os Imperadores capazes de aumentar seus Impérios, Domínios e Poderes, seus sucessores (de novo, salvo as exceções) por não terem desafios, afundaram-se no ócio pernicioso que levou à ascensão da Burguesia; a qual, também pelo mesmo motivo acabará sendo extinta. Mas até que isto ocorra, voltemos à análise do “Exército de Reserva” em seu cotidiano de luta desesperada pela sobrevivência.
O autor deste ensaio não é Psicólogo, mas usando (e não sei se poderia, ou deveria) de uma “Psico-Sociologia” muito rasa ousará entrar na seara que se segue.
Quando analisamos a “Lei Geral da Vida” encontramos a situação básica de que vivem os mais fortes e sobrevivem os que lhes obedecem. É claro que aqui estamos generalizando, mas sei que o leitor tem o discernimento suficiente para entender o porquê se despreza as considerações miúdas. Pois bem, essa situação é de tal modo onipresente e constante que acabou sendo vista e tida como inevitável. É um fato, e pronto! Pouquíssimos a questionam e acabou tornando-se uma “tradição” que resignadamente se aceita. É obvio que não se sustenta ao menor questionamento Racional (ou será que sim? Posto ser a Razão um produto diretamente ligada ao físico, concreto?), ou Ético. Porém, é quase que inevitável, até porque a própria Ética é uma mera convenção que tenta equilibrar o jogo bruto da força física.
É próprio da natureza dos Seres (inclusive os Humanos) cuidarem primeiramente de seus interesses e só depois (desde que haja alguma sobra) repartir com os demais. Pois bem, a dinâmica do Capitalismo é o que de melhor se adapte a essa idiossincrasia. Cada qual cuida de seus interesses, com ética ou não, para repartir eventuais sobras. E aqui se chega numa conta, perversa para alguns, que, não obstante, tem se mostrado eficiente: repartem-se as sobras de tal modo que se permita ao Proletariado (o sócio minoritário) sobreviver sem que possa avançar para além disso, e, conseqüentemente, tornar-se, por sua vez, outro Burguês que haveria de disputar o naco que lhe seria devido por ter chegado à Burguesia. E esse pedaço ele tomaria de alguém ou de todos, os quais ficariam “mais pobres”. Logo, é prudente que o Proletário não avance.
Temos, então, que o Capitalismo é quase que congênito. Nasce com o Homem. O Homem nasce capitalista. O Proletário condicionado a servir e o Burguês a ser servido. Porém, em certos momentos, a injustiça na repartição dos produtos do trabalho é contestada por alguém, ou por alguns, ou por alguma Classe Social etc. E é quando acontecem as revoltas, guerras civis, golpes de Estado, tiranias e congêneres. Mas até que se chegue a esse ponto de fervura, o Sistema continua funcionando e se tem de volta a questão original: por que o Proletário não se recusa a ser ludibriado?
É aqui, novamente, que entra em cena o “Exército de Reserva”. Embora de forma miserável (e para os que duvidem, convido-os a esperarem por horas, em um dos Prontos (sic) Atendimentos públicos) o Proletariado consegue sobreviver. E lembremos que esse é o instinto primeiro. E para sobreviver, qualquer Ser (inclusive o Humano) não hesita em se desvencilhar de qualquer outro pudor ou questionamento. Seja ele de ordem Moral, ou não. Quer-se viver.
Também será útil que sempre recordemos que as Classes servis são chamadas de “Proletariado” precisamente porque geram Proles. Normalmente, vastas proles. Proliferam! E que esse é o segundo instinto mais presente em todos os Seres (Humanos, inclusive). Proliferar. Conservar a Espécie.
Então, juntando-se esses dois Instintos Básicos e Imperativos, chega-se à gênese primeira do “Exército de Reserva”. O Proletário se sujeita à injusta divisão do que ajudou a fazer porque “TEM” que sobreviver, porque “TEM” que procriar. E sabe, quase que instintivamente (ou porque foi adestrado a acreditar nisso) que se não se sujeitar haverá muitos outros que ocuparão, de bom gosto, seu trabalho. Desse modo, a reserva de mão de obra é infinita e perpetua a Lógica do Sistema Capitalista.
No decorrer do Tempo vários Pensadores tentaram justificar essa iníqua divisão. Teorias que iam desde a indolência de certas raças, obtusidade de outras, inaptidão de certas pessoas etc. existiram em quase todos os momentos da História e atualmente ainda existem com vigor. Se antes, os negros “precisavam” serem “cuidados” pelos brancos, ou os “índios” “precisavam” serem cristianizados e salvos do Inferno, ou que a limpeza étnica era indispensável, atualmente vê-se a xenofobia, o ódio contra os imigrantes e outros tristes exemplos existirem em quase todos os lugares. Alguns filósofos (será correto chamar-lhes de “amigos do conhecimento”?), como Spencer chegaram a usar a Teoria da Evolução de Darwin – o chamado Darwinismo Social – para validar o esqueleto da Sociedade.
Contudo, essa hierarquização de Classes e Homens não é apenas uma questão de caráter. Ou da falta de honestidade intelectual. Analisando-se a História, ver-se-á que é muito mais uma questão de usurpação. De violenta usurpação. Os Homens mais cruéis dominam os mais mansos, como, aliás, acontece em qualquer outro ajuntamento de Seres. O leão mais forte, o lobo mais astuto, o Homem mais inescrupuloso etc. Essa usurpação violenta (quer seja física ou não) que consolidou, em certa medida, o Capitalismo pode ser vista até nos nossos dias, nos quais já vigoram Leis e Costumes que tentam disciplinar essa mecânica de exploração e conseqüente acumulação de riquezas por um lado e de miserabilidade por outro. É o que se chama de “Social Democracia”. Admite-se que a ferocidade seja a substância de todos os Seres, mas tenta-se domá-la. Mesmo que os resultados não sejam exatamente o esperado.
Mas essa será a única gênese do “Exército”? Em essência sim, mas o que mudará será o gênero. A fraqueza, agora, é genética. A entrada da mulher no mercado de trabalho será a segunda provedora de mão de obra. Antes que se chame o autor deste Ensaio de machista chauvinista, quero deixar claro que reconheço e apoio em total plenitude o direito de todos e todas buscarem a realização profissional e pessoal no campo e terreno que melhor lhes aprouver; mas o que se discute aqui não é esse direito, mas sim o mau uso e a manipulação que dele fazem os exploradores. E alguns destes, nem o fazem por maldade intrínseca, são apenas peças do jogo do Capitalismo e jogam sem se questionar a validade de tal jogo. A questão do trabalho feminino se verá mais amiúde posteriormente.
Voltando a Marx, pode-se perguntar se essa exploração será perpétua? O Homem sempre explorará os outros seres, inclusive os outros Homens? Para o filósofo, não necessariamente. E essa pausa não se dará por ocorrer um súbito sentimento de Justiça entre os Proprietários, que em certo momento decidiriam repartir de forma equilibrada os lucros do trabalho que realizam em consórcio com os Trabalhadores, ou seja, com seus “sócios minoritários”. Para Marx, o fim do Capitalismo ocorrerá por culpa do mesmo, na medida em que permite ao Proprietário o acúmulo de recursos e conseqüentemente de Poder, enquanto agrava a miséria do Proletariado. Ter-se-á então duas situações que podem ou não serem concomitantes. A primeira situação é a que se dá com o inevitável encalhe do que foi produzido, pois Proletários miseráveis não compram e com isso a ciranda do Capitalismo pára. Menos consumo é igual a menos produção, menos empregos e fim de lucros. Para o Patrão o reflexo imediato será o fim de seu ganho, às vezes exorbitante, e o acumulo de Capital (e de Poder). Já para o Proletariado será o aumento de sua miséria, senão de sua fome. E será justamente essa segunda situação que gerará o amplo e aberto conflito entre as Classes, do que resultará o fim das mesmas.
E a sociedade que surgir será a Sociedade Comunista, ou seja, aquela em que tudo é comum, tudo é de todos. Todos serão iguais. Para Marx e Engels, será a culminância da trajetória da evolução humana. Pela vez primeira agiremos diferentemente de outros animais, onde a força é que dita a hierarquia. É invejável esse Romantismo ingênuo de ambos. Pensarem que os Homens poderão pular essa barreira e deixarem de se comportar como qualquer outro bicho. Agora, em retrospectiva, sentimos quão patéticos* e sentimentais foram. Mas na época em que viveram ainda era permitido sonhar. (*estou certo da cultura dos leitores que me deram a honra, mas para que se evitem mal entendidos, vale frisar que o vocábulo “Patético” NÃO é sinônimo de “Ridículo”, como está em moda dizer). Todavia, sonhavam diferente de outros Utópicos. Para ambos a divisão não se daria espontaneamente. Seria imperioso haver luta aberta e franca entre Proletários contra Burgueses. Sua utopia era a de que os Homens lutariam por algo que fosse além de seus próprios interesses. Que lutassem por uma Causa.
Mas o que talvez não conhecessem (ou não quisessem aceitar) é o fato de que a gênese do “Exército de Reserva” vincula-se aos instintos básicos de sobreviver e proliferar. E que essa origem pode ser decomposta segundo os gêneros. E então se vê a importância do trabalho feminino como supridor de mão de obra. Embora com o risco de ser repetitivo, vale reafirmar que não se questiona o direito ao trabalho que as mulheres conquistaram, pois além da realização profissional e pessoal, esse mesmo trabalho as libertou do jugo masculino, da violência, das humilhações e de todas as outras mazelas a que foram submetidas ao longo da História e que, a bem da verdade, ainda hoje existem. Mas voltemos ao cerne da nossa análise. Abstraindo, em tese, esse direito legitimo e inquestionável e nos atendo apenas às questões econômicas e políticas, nos depararemos com o seguinte: o Homem, após a Revolução Industrial passou a enfrentar a concorrência com seus pares e com as máquinas. Para aquele que, como o autor, já viveu mais de cinqüenta anos é fácil lembrar como o advento dos computadores enxugou postos de trabalho em bancos, escritórios e outros. É um simples exemplo, mas que reproduz o ocorrido em geral. E como a tecnologia avança rapidamente claro se afigura que o problema tende a se agravar, malgrado os postos de trabalho que surgirem por conta dessa nova situação. Assim, o concorrente que era UM (outro Homem), passou a ser DOIS (o outro homem e mais a máquina). Com as Guerras Mundiais, principalmente a Segunda, a mulher assumiu os trabalhos que os homens fariam, vez que eles foram enviados para os campos de batalha; e o que deveria ser transitório tornou-se definitivo. Então, os concorrentes do Homem já não eram um, nem dois. Mas sim, TRÊS (outro homem + máquinas + mulheres). E o que é pior, todos eles se sujeitando a ganhar menos. As máquinas, uma reles manutenção; e a mulher, um salário que ainda hoje gira em torno de 60% do que era pago ao operário.
Com esses novos dados, não foi a Classe Trabalhadora que chegou ao Paraíso; mas, ao contrário, foi a Burguesia (conforme obra artística de Guarnieri) que pôde a partir de então usar e dispor ao seu bel prazer da excessiva oferta de mão de obra.
Mas, pode-se indagar: se o “Exército de Reserva” cresceu, em algum momento a sua indignação também cresceria, certo? A princípio sim. Mas por que não aconteceu? Pela ardilosidade (ou inteligência, como se prefira) da Burguesia que entendeu o tamanho da fera que criou e para evitar ser destroçado pela mesma, aumenta, sem que isso lhe cause prejuízo, as rações diárias que a mantém bem comportada e, até, submissa. E tão ordeira e pacifica que aceita de bom grado os mimos que a publicidade transforma em necessidades; aceita as ilusões (mormente nos casos femininos) de que há independência (como de fato existem algumas conquistas) e superação profissional em comparação ao trabalho masculino e, por fim, de que no futuro todos serão felizes. Quando Marx disse que a Religião era o “ópio do povo” foi modesto, pois além dela, agora existe a possibilidade de consumir. E algum consumo afaga os Egos e mantém a linha de produção trabalhando sem maiores problemas.
EPÍLOGO
No inicio desse Ensaio aludiu-se à Crise Financeira e Econômica que se iniciou nos EUA e se espalhou pelo Mundo. Será o fim do Capitalismo? A Era do Comunismo chegou? Não. Podemos assegurar que não, por um simples e bom motivo: os Homens continuam iguais e é no Capitalismo que há a Teoria de sua Prática. Primeiro os interesses individuais e depois, se possível, reparte-se alguma sobra. Menos por generosidade e mais por sagacidade, haja vista que “feras” alimentadas dificilmente atacam seus donos.
E quanto ao Socialismo? O Comunismo? Estarão mortos e definitivamente enterrados? Também não, pois embora não sejam aplicados nem aplicáveis sempre existirão os Sonhadores que imaginam o Homem avançando na escala evolutiva. Especular além disso é um exercício perigoso e para o qual o autor não se sente preparado para experimentar. Contento-me em expor essas minhas opiniões esperando ver as réplicas que possam trazer mais luzes ao assunto.
Campinas, 29 de julho de 2009
Fabio Renato Villela
Nota – este Ensaio foi criado a partir do texto contido no livro “História da Filosofia”, Editora Nova Cultural, com a Organização e Texto Final de BERNADETTE SIQUEIRA ABRÃO.
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