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Lobos, ovelhas e matílhas
O lobo sonhador caminha ébrio, sempre fica ébrio ao sonhar com ovelhas. Ouve seu bééés e fica todo salivado, bebe de sua própria seiva envenenada embriagando-se do gosto das ovelhas imaginadas.
Eis que um dia o velho lobo andando, meio coxo e cansado, tonto ainda de tanto beber saliva, antecipando a refeição de alguma ovelha sonhada, quando depara-se com aquela ovelhinha, velha conhecida sua de seu passado. Uma ovelha ainda tenra, apesar da idade e de já tê-la anteriormente metido-lhe as presas, mas por alguma obra do destino a pobre ovelha havia conseguido fugir, ou afastar-se de sua personalidade lúpica. Talvez tenha ouvido algum uivo louco, enquanto sonhava devorar alguma ovelha incauta na alta noite à lua cheia.
Bem, voltando à velha ovelha conhecida, tão real, parecia sentir entre seus incisivos a textura macia da carne, já não tão fresca. Verteram-lhe lágrimas dos olhos, saber que poderia saciar sua fome de ovelhas imaginadas com uma ovelha real,com tudo, carne, osso, lã, quatro patas e vísceras frescas, ou melhor, quentinhas.
Cercou-se pé por pé, imitando com sua rouca voz de lobo "més" melodiosos de velhas madrugadas de fome. Ao acerca-se da ovelha, finalmente, eis que surge uma matilha de lobos jovens e fortes, querendo a mesma carne da rósea e fofa ovelhinha. O velho lobo indignado, já tinha até uma certa afeição a seu próximo manjar, vira-se contra a matilha e uiva rouco, querendo impressionar os jovens lobos. Mas, pela fome que o embriagava, tonto, não deu nem para defender-se, quanto mais a pobre ovelha.
Tomou logo uma patada na cara, deu com as fuças em uma pedra dura, quebrou logo um incisivo. Outro já lhe pegava a pata com os dentes estraçalhando-a, outro ainda lhe pega pelo pescoço lançado-o perto da cerca de arame farpado
Ergue-se trôpego o pobre lobo estraçalhado. Vê ao longe os olhos de fogo dos outros lobos na escuridão.
Que resta a ele além de pular a cerca com seu arame em farpas? Então ele junta as forças, ergue-se, dá um pulo, e... fica com um testículo pendurado no arame. A dor é tanta de ver assim sua masculinidade decepada que ele nem sente, pensa rápido em alguma ovelha distante para ver se consegue salivar o suficiente a lamber a ferida ainda cruenta.
Sai correndo, louco pelo vale, assim, sem uma bola mesmo, com a pata manca, coxeando, olha para cima e vê a ovelhinha em direção a colina, correndo sem nem ao menos olhar para trás, ainda tenta um uivo melodioso, mas o medo da matilha havia ensurdecido a pobre ovelhinha que correu desesperada para manter sua vidinha de ovelha no pasto.
Avista o vale margeando o rio e vê os lobos se deliciando com uma recém pega ovelha fresquinha e jovem.
Saliva, saliva, a fome ronca na barriga. Aproveita a saliva e lambe a pata sangrenta, o períneo, onde antes havia cinqüenta por cento de sua masculinidade, sente algum alívio, deita-se ao alto da colina e fica imaginando mais uma ovelha tenra, no outro lado do rio de corredeiras, intransponível.
Assim, inebriado de sua própria saliva adormece, com lágrimas salgadas a lhe temperarem mais uma noite de fome, alimentado apenas pelo seu próprio sangue vertido da sua própria pata.
E a velha ovelha?
Sentiu-se grata ao lobo mau por ter-lhe livrado de ser comido por uma matilha de lobos, tão lobos como ele, porém mais jovens, forte e ágeis.
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Comentários
Re: Lobos, ovelhas e matílhas
Minha querida Lyra, adorei esta tua prosa poetica em estilo de fábula, não so pela tua escrita viciante e envolvente q pauta também por um sentido de humor acicatado!
mas também pela mensagem q transmite!!!
Muito bem caçada a historia, as ovelhas podem ser até comidas uma vez, mas não têm de ser comidas sempre, muito menos pelo mesmo predador!!! LOLOLLL
Soou-me a uma critica muito bem construida e hilariantemente deliciosa!!
Ai lobos aprendem nem todas as ovelhas tenras pertencem aos vossos dentes!!!
Adorei!!!
Beijinho grande em ti!!!
Inês
Re: Lobos, ovelhas e matílhas
Para além de ser uma bela historia
o texto prende-nos do principio ao fim
com uma escrita bem construída.
Maravilhosas palavras de quem sente
e quem ama os animais.
Beijinhos.
Vitor.