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Medeia, a Tragédia de hoje

Cenário – as cercanias do Palácio de Jasão, em Corinto
Época da ação – Idade lendária da Grécia.
A 1ª Apresentação – 435 AEC Atenas
Personagens:
Coro, as mulheres Coríntias
Creonte, rei de Corinto, homônimo ao de Tebas.
Egeu, rei de Atenas
Filhos de Jasão e Medéia.
Glauce, filha de Creonte
Jasão, herói grego e marido de Medéia.
Medéia
Mensageiro,
Aia,
Escravo.

Qual é o limite da vingança que uma mulher abandonada comete? Será justo utilizar inocentes para saciar essa sede?

Essa seria a questão de fundo desse drama. Mas, e as respostas?

Tão variadas quanto são os expectadores, ou leitores dessa obra, que traz, além da belíssima forma, essas dúvidas perturbadoras. É preciso ler Eurípedes para sondar as cavernas em que transitam os seres ditos civilizados.

Medéia era filha do rei Eetes, da Cólquida, e poderosa feiticeira. Apaixonou-se por Jasão quando ele e outros heróis foram à sua terra em busca do “Velo de Ouro”. Ajudou-o na conquista do mesmo e depois decidiu acompanhar-lhe e fugiu da casa paterna.

Eetes saiu em seu encalço e para lhe retardar a marcha Medéia matou seu irmão, Absirto, e o des-membrou para que o pai de ambos se atrasasse enquanto recolhia as partes da criança, que ela ia jo-gando pelo caminho. Contudo, os soldados do rei continuaram a perseguição e alcançaram os Argo-nautas e ela no País do rei Alcínoo, da Feácia. Ali, o rei consentiria que a levassem de volta se ela fosse virgem e para evitar que isso acontecesse, Jasão a desposou e dessa relação nasceram os dois filhos do casal: Feres e Mérmero.

Livres, então, da perseguição de Eetes, o casal e seus seguidores rumaram para o País de Iolco do rei Pélias, que anteriormente tinha obrigado Jasão à difícil tarefa de resgatar o Velocino. Medéia decidiu vingar-se do mesmo e persuadiu as filhas do rei de que conseguiria rejuvenescê-lo. Para tanto as ludibriou cozendo um carneiro e dele tirando um novo filhote. As princesas despedaçaram o pai na es-perança de lhe dar nova vida, mas logo a farsa ficou evidente e Medéia e Jasão foram expulsos do País.

Dali, o casal e os filhos foram para Corinto onde, após certo tempo, Creonte ofereceu a mão de sua filha, a princesa Glauce (também chamada de Creúsa), a Jasão que aceitou de pronto o novo casa-mento, abandonando Medéia e os filhos de ambos. A partir daqui tem inicio a “Tragédia” de Eurípedes:

“É uma alma violenta”... ”não suportará essa injuria”... ”ela me assusta”... ”ela é terrível”.

A peça se inicia com a Aia de Medéia falando consigo mesmo. Entre outras, as frase pinçadas, e acima expostas, de seu monólogo reafirmam a ferocidade de sua Ama, que nesses dias estava prostrada em seu leito, em estado de depressão, do qual às vezes saía apenas para lançar olhares raivosos a todos que se lhe achegassem, inclusive seus filhos.

Prosseguindo seu solilóquio, a Aia fala de seu medo de que a Ama cometa suicídio ou homicídio contra Jasão e Glauce, ou infanticídio contra os filhos. Essa expectativa sombria é respaldada pelas atitudes anteriores da mesma, como se viu no preâmbulo.

A chegada do Escravo que guarda as crianças, vindas do ginásio com a alegre despreocupação da ida-de, interrompe as reflexões da Aia, mas não as suas preocupações, que as expõe ao escravo. Delas, ele compartilha e acrescenta às mesmas a informação que colheu entre o povo, de que Creonte iria expulsar a patroa de ambos em brevíssimo tempo.

Atônita, a Aia dirige-se às crianças falando do desamor que o pai delas agora lhes sente e dos cuidados que eles devem ter para não perturbar a mãe, ferida por aquela traição. Sobre essa traição, o escravo diz uma frase que resume a atitude de quase todos os homens: “que mortal não faz o mesmo? Todo homem ama mais a si próprio do que ao seu próximo...”

Note-se que essa frase do escravo poderia ser estendida às outras “Tragédias”, bem como à vida em geral. Tanto naquela época, quanto na atual. A força do Instinto de Conservação prevalece (como egoísmo, egocentrismo, ambição, desprezo etc.) sobre qualquer regra que castigue esses comportamentos, ou que premie a sua não realização. A generosidade, salvo raríssimas exceções, só é praticada na esperança de que resulte em alguma recompensa (material ou abstrata), inclusive após morte, para que o renome atinja o desejado destaque, ou o Crente consiga sua “Salvação”.

Antes de se separarem, a Aia pede ao escravo que ele mantenha as crianças longe da mãe, pois ela já entreviu olhares funestos da mesma em relação a eles. Repete a advertência para os filhos de Jasão, enquanto se escuta os lamentos de Medéia. Dentre essas suas altercações, algumas se dirigem         diretamente aos filhos, ameaçando-lhes com rude frieza: “malditas crianças de mãe odiosa, morram com seu pai”.

O Coro, representando o povo, indaga a Aia o que sucede, pois as lamentações da esposa extravasam o Palácio, mas as informações estão confusas. A resposta de que Jasão trocou a família pela princesa Glauce causa uma onda de compaixão por Medéia e o Coro pede a Aia que a traga para ouvir suas consolações e pedidos que evite cometer alguma violência a que sua ira predispõe.

Relutantemente a Aia entra no Palácio, temente de que a fúria da patroa a repila. E lamenta que nin-guém tenha inventado uma música que acalme o ódio dos humanos, fonte de brigas, assassinatos etc.

Medéia sai e diz ao Coro que o fez para não parecer orgulhosa. Lamenta estar em terra alheia, sem parentes que a amparem naquele terrível momento e discursa contra as injustiças que se veem nos casamentos quando o Homem assume o papel de “todo poderoso”, cujas vontades prevalecem sobre qualquer coisa, em prejuízo da esposa. Fala de seus sofrimentos com a traição de Teseu, seu desejo de morrer e, por fim, confidencia sua intenção de buscar vingança, para a qual pede discrição ao povo, que também vê justiça nessa revanche.

Nisso, Creonte entra em cena e grosseiramente participa a Medéia a sua decisão de expulsá-la sem demora. Que ela e seus filhos partam imediatamente. E lhe avisa que só voltará ao Palácio Real após sua partida, pois quer se certificar de sua ida.

Medéia lamenta sua triste situação e questiona Creonte sobre o motivo de sua decisão. Por que expul-sá-la? Até ali ela não cometeu crime algum que justificasse castigo tão extremo. E Creonte, com since-ridade, diz que o motivo é o temor de que ela cumpra as ameaças que fez contra sua filha, contra ele e contra Jasão.

Medéia responde-lhe que seu ódio é apenas contra o último e que nada tem contra ele ou contra sua filha. Também diz que a grande sabedoria* que lhe creditam é uma maldição. O Povo imagina que ela é capaz de provocar males de tal extensão que tudo poderia conseguir, mas isto está longe de ser ver-dadeiro. Ela não tem poder algum que a diferencie dos demais e que, portanto, ele não deve temê-la, pois o que poderia uma simples cidadã contra um rei? E repete, em tom de súplica, que ele a deixe ficar.

*Em termos literais Medéia diz: ”um homem de bom senso não deveria nunca dar aos seus fi-lhos ciência demasiada, pois o expõe a critica por ociosidade e à inveja e ao ódio do povo”. Ainda hoje tal observação é válida. Todo saber que não se traduz em resultado material imediato, (a filosofia, por exemplo), é visto pela maioria como inútil. Tal preconceito decorre da incapacidade de ver além do físico instantâneo. De entender que os Estudos Superiores formam indivíduos mais capazes de no médio prazo produzir mais e melhores bens concretos. E não é raro de que ao conceito de inutilidade se junte o de ociosidade daqueles que buscam tais saberes. Geralmente os estudantes das áreas voltadas para a intelectualidade pura são taxados de preguiçosos, lúmpens que vivem à custa “dos que produzem”.

Creonte se diz imune às belas palavras de Medéia, mas teme que em surdina ela prepare sua vingança. E por temer mais uma má intenção oculta e dissimulada que uma cólera explicita, é que reafirma sua ordem de exílio.

A sequência de argumentos e contra-argumentos é interrompida por Medéia que pede ao Rei algumas horas para providenciar sua mudança, o que, a contragosto, Creonte consente, dando-lhe mais um dia de prazo.

Enquanto o Coro lamenta a má fortuna de Medéia, ela diz ao povo que só bajulou Creonte por ter se-gundas intenções e que ao lhe dar um dia a mais, o incauto selou a sua sorte e a de sua filha. Continua contando às mulheres do Coro seus planos para cometer o duplo homicídio, o qual deverá ser feito através de cruel envenenamento. A sua especialidade, aliás.

Que irá matá-los é certo, mas tem dúvidas sobre o passo seguinte. Quem lhe daria refúgio contra a fúria de Jasão e doutros sequazes de Creonte? Quem a abrigaria? Dúvidas, diz, que a obrigam a agir com cautela; mas se nada der certo, apunhalará Glauce e quem lhe socorrer, pois sua obsessão é ex-terminar-lhes efetivamente.

Juristas, provavelmente, classificariam esse crime como premeditado, pensado, refletido. Enquanto que o assassinato do irmão seria classificado como passional, não obstante ter tido requintes crudelís-simos. O segundo, pois, mais levemente apenado. Fica clara a questão do afastamento entre a “Letra e o Espírito da Lei”. Ademais, como criticar as mulheres que a ouviram e nem assim a delatam? O pará-grafo abaixo retorna à questão.

O Coro volta à cena e entoa um canto profético sobre o Futuro das mulheres: tempo haverá que deixa-rão de ser injuriosamente tratadas e a elas será dado o devido respeito masculino, gênero que abriga indivíduos de igual ou maior maldade que a delas (sic). E prossegue o canto lamentando a má fortuna de Medéia, cuja casa já não é sua, pois outra dama dela se apossou e agora lhe expulsa.

E segue o canto até ser interrompido pela chegada de Jasão que culpa a ex-mulher pelo exílio que ela e os filhos sofrerão. Diz que se não fosse a rebeldia dela, seus desacatos ao Rei, ela poderia viver para sempre em Corinto. Também se diz disposto a lhe dar algum dinheiro para que ela e seus filhos usem durante a peregrinação em busca de novo lar.

Note-se: filhos só de Medéia. Não dele. Já não os reconhece como seus.

Medéia responde-lhe com insultos e xingamentos irados e recapitula tudo que fez em seu beneficio: ações que vão da morte do dragão que zelava pelo “Velo de Ouro”, passando pelo assassinato do pró-prio irmão, pelo abandono do pai e da mãe e chegando à morte do rei Pélias. E todos os cuidados que teve para salvar-lhe a vida em cada uma dessas situações. Lança-lhe em rosto a vilania de sua traição e pergunta-lhe com sarcasmo, para realçar sua torpe conduta, para onde ela agora pode ir. Para o rei-no do finado Pélias? Para sua terra natal? Ou para os outros lugares onde fez inúmeros inimigos, apenas para auxiliá-lo? E termina essa parte do discurso questionando o próprio Zeus, que deu aos Homens meios de distinguir o ouro falso do verdadeiro, mas não lhes ensinou a diferenciar o bom e o mau caráter.

Jasão retruca dizendo-lhe que credita seus salvamentos à deusa e não a ela, pobre mortal como ele. Que não lhe cabe culpa por ela ter-se apaixonado por ele, mas sim a Eros que a fez amá-lo. Prossegue dizendo que os trabalhos que ela teve com ele estão sendo pagos pelo fato dela ter sido tirada de um País bárbaro e colocada na ilustre Grécia, onde ela poderia aprender o conceito de Justiça, do Direito e não apenas o da força bruta. E que foi graças a ele que a sua ciência a tornou famosa em toda Hélade. E que a importância desse reconhecimento está no fato de ter acontecido na célebre Grécia e não em um local ermo e remoto; e que tudo isso é a justa recompensa para seu denodo.

É inegável que para a maioria importa mais ostentar a riqueza que desfrutá-la. Há um prazer infantil em mostrar aos demais “o quanto se é superior”. E para que tal reconhecimento seja o máximo possível é necessário que se dê em um grande centro, em um local que sirva para referendar aquela abastança. É um comportamento que se liga diretamente à carência existencial: é preciso “ter”, para “ser”.

Sobre seu casamento com a Princesa, alega que o fez para beneficiar a ela, Medéia, e aos seus filhos; pois ele, pobre exilado, tendo sido abençoado pela sorte iria, doravante, conseguir oferecer um futuro melhor para todos e não apenas para si. Que tal himeneu não aconteceu por ele desgostar de Medéia, ou por desejar outra mulher, mas tão somente por aquela ambição. Por querer dar a ela e aos filhos de ambos um futuro risonho e próspero.

Observe-se que a falsidade e o vazio do discurso de Jasão são tais, que no final ele se coloca nova-mente na posição de pai dos filhos de Medéia, numa desesperada tentativa de se tornar mais digno de compreensão e aceitação. Contudo, a prevalência do individualismo sobre o respeito a terceiros, ou a compromissos éticos, não é uma maldade restrita a Jasão. Individualismo igual, na essência, norteou os passos de Medéia que não titubeou em abandonar os pais, em matar e desmembrar o irmão, em matar Pélias etc. para perseguir seu gozo sexual. Em ambos, o que se quis foi a satisfação pessoal, não importando o preço a pagar. Medéia quis a felicidade personificada em Jasão; e ele a viu na Princesa Glauce. E os dois tudo fizeram para chegar aos seus objetivos, inclusive ao arrepio da Lei dos homens e da Lei dos deuses. Observa-se que milênios foram insuficientes para mudar o homem. Tudo que faz, visa seu próprio beneficio e se não avança além de certos limites não é por cuidado ético, mas sim pelo medo da repressão que outrem lhe infligirá por ter ameaçado o seu pretendido “direito”.

Intervém o Coro criticando a atitude de Jasão ao abandonar os filhos e a mulher. Na corrente, Medéia continua seu ataque contra ele acusando-o de falacioso discursar e inábil pensar. Que se de fato ele não tencionava traí-la, ele deveria ter-lhe comunicado seus planos ao se casar com a Princesa. Embora doloroso, seria mais honesto da parte dele.

Jasão responde dizendo que se fizesse isso, o violento ciúme dela ter-lhe-ia impedido de levar o plano a bom termo. E ante a sua observação de que a trocava por ser “bárbara”, reafirma que não quis (sic) outra mulher, pois só visava às vantagens econômicas que o casamento asseguraria a ele, a ela e aos filhos de ambos, que seriam tão príncipes quanto os filhos que viesse a ter com Glauce. Por fim, volta a oferecer dinheiro para a viagem, que Medéia recusa violentamente.

O Coro reassume a cena, condenando os amores furiosos e deplorando a sorte de Medéia que experi-menta as mais duras provações: ser trocada por outra mulher e ser banida de sua casa.

Nesse ínterim, adentra a cena o rei de Atenas, Egeu. Cumprimenta Medéia amistosamente e diz que vai a busca de orientações num Oráculo, para ter filhos. Medéia responde-lhe o cumprimento e lhe de-seja sorte na empreitada.

Mas a tristeza no olhar dela não passa despercebida por ele que a indaga sobre a causa. Ao saber da traição de Jasão e do exílio a que ela e os filhos estão submetidos, oferece-lhe abrigo e proteção. Be-nefícios que ela aceita prontamente, enquanto lhe garante que usará seu saber místico para ajudar-lhe a ter os descendentes que tanto quer.

Depois, cuidadosamente arranca do ateniense o juramento solene de ampará-la, defendê-la e abrigar contra quaisquer inimigos que a queiram. Que peçam sua extradição. Egeu lhe garante que seu asilo será inviolável e segue seu caminho e deixando um rastro de conforto e segurança para que Medéia execute seu intento de se vingar dos ultrajes sofridos.

Semi extasiada, Medéia conta às mulheres do Coro o seu plano: primeiro chamará Jasão e com falsas palavras doces o convencerá de que se arrependeu de sua atitude anterior. Que reviu seu comporta-mento e que se convenceu de que ele agiu corretamente (sic). Depois pedirá que ele fique com as cri-anças, alegando a dureza de um banimento para os filhos.

Mas o que planeja, na verdade, é utilizar-se dos filhos para preparar a terrível armadilha contra Glauce e Creonte. Enviará com os mesmos um rico presente, como se fosse uma oferenda para que não os expulsem do País. Funesto presente, que ao ser tocado pela Princesa a matará cruelmente. E o mesmo em que a tocar, pois o veneno que levará é extremamente poderoso.

Depois, continua Medéia, matarei meus filhos para que outrem não o faça com requintado sadismo. Dar-lhes-ei uma morte suave e indolor, protegendo-os dos vingadores e dos meus inimigos. Tudo feito, eu irei para a segurança do refúgio em Atenas, protegida pelo rei Egeu. Na consciência levarei o re-morso pelo assassinato das crianças e por ter abandonado meus pais, tornando-me uma pária execrá-vel.

O Coro, agora representando todo o Povo, tenta dissuadi-la, pois ninguém pode compreender ou justi-ficar um infanticídio, mas Medéia responde-lhe que só matando os filhos de Jasão é que poderá causar-lhe a dor que pretende. E indiferente à réplica, manda chamar-lhe.

Observe-se que a real intenção de Medéia ao assassinar os próprios filhos é causar dor no pai das mesmas. Vingança pela dor que ele lhe causou ao trocá-la por outra. Como cordeiros de sacrifícios ju-deus ou cristãos, seguem os inocentes como massa de manobra, cuja única serventia é ferir o oponen-te.

Chegando Jasão, Medéia faz o discurso da falsa conciliação e ele aprova sua “racionalidade”, sua “obje-tividade” em esquecer os sentimentos e pensar nos lucros materiais que o novo casamento proporcio-nará a todos. Promete-lhe, ainda, que fará dos filhos de ambos, príncipes iguais aos que nascerem de sua união com a filha de Creonte. Que lhes proporcionará uma longa vida feliz.

E diante do pedido de Medéia de que fique com eles ao invés de mandá-los para o exílio, diz que tudo fará para conseguir o assentimento de Creonte, usando inclusive a própria Princesa, como lhe sugeriu Medéia. Ela, para reforçar tal pedido, já preparou uma rica prenda para Glauce e embora Jasão diga que tais presentes são desnecessários, insiste em enviar-lhe através das crianças. Afinal, diz, o ouro vale mais que qualquer discurso.

Pela voz do Coro, Eurípedes conta da satisfação de Glauce ao receber o mimo e como, por serem tão belos, quis usá-los imediatamente. E conta, também, que subitamente ela caiu morta em meio a so-frimentos lancinantes. E pela voz do Escravo, relata Eurípedes que a permanência das crianças foi au-torizada.

Medéia, em seu transe diz ao Escravo para organizar os pertences dos filhos e estando sozinha inicia um monólogo lamuriento onde assume o papel de vitima, enquanto lamenta sua má sorte. Sua infelici-dade por não ver os filhos adultos, casados, felizes etc.

Nesse momento, vacila em matá-los, mas ante a perspectiva deles se tornarem objeto de escárnio e de cruel vingança, retoma seu intento macabro.

No monólogo supra, Eurípedes retrata com maestria os conflitos na alma de Medéia. Sua consciência do horror que envolve o que fará e a necessidade de fazê-lo, segundo sua ótica. Seu sacrifício interno, a dor que lhe dilacera, o orgulho que a obriga a cometer o ato nefando e todas as convulsões de espíri-to que se pode imaginar nesse tétrico quadro desenhado pela pena do poeta. Sem dúvida, é um dos cumes da literatura universal de todos os tempos.

O Coro canta uma sofrida reflexão onde questiona se os pais e as mães são mais felizes que aqueles despojados de filhos. Pois só quem os tem, sabe da eterna preocupação que causam involuntariamente: saberei educá-los? Serão voltados ao Bem? Poderei garantir-lhes a subsistência? Dúvidas povoam os dias e as noites daqueles que ainda correm o risco extremo: ter um filho arrebatado pelo Hades.

Aqui, Eurípedes torna a atingir outro ápice literário. O escrevinhador dessa sinopse e o (a) leitor (a) da mesma, que são progenitores, veem-se fielmente retratados em cada linha.

Nisso, um Mensageiro chega e aconselha Medéia a fugir imediatamente, pois Glauce e Creonte estão mortos e a turba exige vingança. Exultante, para espanto do Mensageiro, Medéia gargalha e lhe pede que conte em detalhes como tudo aconteceu, pois lhe será dobrado o prazer se souber das torturas que sofreram no desenlace.

E o Mensageiro se põe a contar que Jasão chegou ao Palácio na companhia dos filhos, os quais, no primeiro momento foram alvo da aversão de Creúsa (ou Glauce), sendo necessário que Jasão interce-desse para que ela abrandasse o seu repúdio.

Depois, ao ver os presentes que traziam, a Princesa abandonou qualquer rejeição e os tratou com ge-nerosidade, intervindo junto ao pai para que ficassem no País. E que enquanto Jasão encaminhava os filhos de volta à Medéia, a Princesa já colocava o diadema de ouro na cabeça e vestia a fina túnica que ganhara.

Deslumbrada, ainda se mirava ao espelho quando irrompeu o incêndio em sua cabeça, face e corpo, por obra dos mimos recebidos. Terrível incêndio que não amainava, pois ao tentar tirar os adereços que o causavam, mais eles se fixavam causando-lhe dores insuportáveis, até que a morte a prostou irreconhecível.

Alertado pelo barulho, Creonte correu aos aposentos da filha e transido de pavor e de sofrimento abra-çou o corpo desfigurado. Depois, ao tentar afastar-se, a rogo de Jasão e dos demais, viu que a túnica lhe segurava com tal força que a cada gesto seu, um pedaço de sua carne se desgrudava do osso. Ten-tativas inglórias que também o deixaram morto em meio a grande sofrimento.

Satisfeita, Medéia avisa às mulheres do Coro que cumprirá o restante do plano e após alguma vacila-ção, toma o punhal e mata os filhos, cujos gritos horrorosos chegam ao Coro, agora representando todo o povo, e preenchem todo espaço. Tenta o Coro intervir, mas já é tarde. Os filhos de Jasão estão mortos.

E é ele quem chega nesse momento à cena, dizendo ao Povo que já não pode ajudar sua noiva, nem seu sogro, mas que ainda pode salvar seus filhos da mãe enlouquecida. É, então, que recebe a noticia do assassinato de ambos.

Irado, transido, promete vingar-se matando Medéia, de quem escuta a voz, mas sem poder lhe ver, pois ela está no carro que lhe deu o Sol, seu antepassado. Dali é invisível a Jasão, que, impotente, insulta-lhe e rememora todos os crimes que ela cometeu, remoendo o arrependimento por ter trazido aquela bárbara mulher para a ilustre Grécia.

Protegida pela invisibilidade, Medéia responde aos insultos e lhe debita o ônus da trágica situação. Se ele não a tivesse traído, nada teria acontecido. Também lhe diz que será ela quem enterrará as crianças no “Bosque Sagrado” de Hera, onde ninguém poderá violar as suas sepulturas.

Por fim, lança uma maldição a Jasão: ele morrerá esmagado pelo navio Argos (o que de fato sucede posteriormente); e parte para Atenas, onde se casa com o rei Egeu e lhe dá um filho chamado “Medo”.

Glaucia completaria sete anos em 11/11/2011. Porém, a garota foi assassinada dez dias antes – em Castilhos PA – pela mãe que assim se vingava do marido e pai, por ele ter-lhe trocado por outra mulher...

À memória de Glaucia essa Resenha é dedicada.

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segunda-feira, novembro 12, 2012 - 10:42

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