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Meu Anjo Negro - 2ª parte

A vida do rapaz deixou de existir. Sofria em silêncio, gritava, chorava. Qualquer dor era mais fraca que aquela e ainda assim ninguém compreendia o que ele sentia. Ter de a ver com outro, longe de si, fora do seu alcance, era-lhe insuportável. Ele não queria continuar, quando a sua existência era um crime por amar perdidamente uma mulher casada. Não, se aquele era o fim, então ele que se consumasse. Os cabelos da sua amada envolveram o seu pescoço, sendo arma de um suicídio como castigo para um pecado. Aquela corda que o segurou à árvore da salvação tirou-lhe a vida, tirou-lhe todo o sofrimento. Sentiu a vida a esvair-se do corpo e era isso mesmo que tinha de acontecer ao seu amor. Não teve sequer direito a um funeral, tinha cometido um homicídio. Por ter um pouco de amor-próprio, por ter acabado com o seu sofrimento, fora condenado ao inferno e à dor eterna. Aquele que era o meu Deus e que me tinha permitido a entrada no seu paraíso, mesmo tendo feito sofrer algumas pessoas, não o aceitou porque ele amou demais e porque acabou com a sua angústia. Como se Deus apenas quisesse que aquele seu filho sofresse na Terra. Como se aquele seu filho tivesse desafiado o seu poder ao decidir quando terminava o seu sofrimento.
            No inferno sofreu imensas dores e sofrimentos. A sua alma, cada vez mais corrompida pela dor, deveria esquecer-se do que é ser um homem e sobretudo do que é amar. Mas como podia ele esquecer-se do que é amar? Depois de tudo, não podia esquecer aquilo que mais o fez sonhar, que mais o fez padecer. Não, aquela dor não conseguiria vencer, não conseguiria tirar-lhe a memória. Sucumbira à dor uma vez mas agora não havia corpo para matar, apenas havia uma alma imortal. A sua identidade não caiu no esquecimento, mas mesmo assim séculos depois o seu espírito foi libertado. Tinha como missão, tal como os outros espíritos, atormentar os humanos. Mas ele não era um espírito, não o seria enquanto não o quisesse ser, enquanto se lembrasse do que era ser humano. Tomou um corpo, o corpo de um rapaz que, oportunamente, havia acabado de falecer devido a uma doença. Vagueou pela Terra, na esperança de encontrar o seu amor, não tendo noção que este já tinha falecido há muito tempo. Ansiava por voltar a ver os olhos verdes, poder fixá-los finalmente, sem que os remorsos o atingissem a seguir. Mas não vislumbrou aqueles olhos, eles já não existiam. E Lúcifer, com as suas torturas, tentou retirar-lhe da memória aqueles olhos, aquele cabelo, que eram as únicas coisas que ele recordava do corpo dela. Como ele queria que ela ainda o lembrasse, que se lembrasse que ele a tinha amado profundamente!
            - Ela também te amava! – Disse eu de repente.
            Apesar de continuar a não me fitar, pareceu que o seu espírito se encheu de luz mal proferi tais palavras. Quis saber se a conhecia. Sim, eu conheci-a. Conheci-a perfeitamente. Ela estava no paraíso, era um anjo. Um anjo que amava aquele anjo negro, ali rendido ao seu destino. Pediu-me que lhe levasse um recado. Pediu-me que lhe dissesse que nunca a tinha esquecido, que agora mais que nunca estavam separados, mas que o que restava de si ainda desejava tocá-la, senti-la. Afirmou que não estava a fazer nada na Terra, que iria partir, e para isso pediu-me ajuda. Sabia que, mal eu lhe tocasse, ele desapareceria para sempre. Quis muito recusar, não lhe podia fazer tal coisa, embora soubesse que deixar aquele pobre demónio viver era um castigo muito grande. Então ele convenceu-me: cumprira o seu objectivo em parte, concluíra que a sua amada estava bem. A sua demanda pessoal estava cumprida, não queria saber daquilo que Lúcifer lhe havia imposto. Custava-me imenso ter de o fazer, mas mantê-lo vivo não era o que ele queria. Ele estava finalmente feliz, e o que o esperava se ele continuasse só acabariam por magoá-lo. E então, rapidamente, arranquei uns quantos cabelos meus, loiros, e entreguei-lhos. Apesar de se tratar de um demónio, posso jurar que vi luz sair dele, uma luz que até a mim me preencheu. Aqueles cabelos loiros nas suas mãos, iguaizinhos aos da sua amada, foi como se lhe devolvessem a vida. Deixei-o observar e sentir, vi-o sorrir, e então pousei a minha mão na sua cabeça e fiz o que ele me pediu: fi-lo desaparecer. Primeiro, uma luz muito intensa envolveu-o, e embora eu soubesse que aquilo ia doer, ele limitou-se a receber o seu destino. E depois, tudo voltou ao normal, e ele já lá não estava.
            Tenho pena que ele não me tivesse visto, tenho pena que ele se achasse de tal forma indigno de me observar por ser um demónio. Se ele me tivesse observado teria reparado nos meus olhos verdes, que se encheram de lágrimas mal ele desapareceu. Mas não estavam escuros, estavam cintilantes, como nunca estiveram antes, mesmo em vida. Amava o meu anjo negro, sempre o amara. Custava-me tanto vê-lo ali, a observar-me, fazendo com que só quisesse ir abraçá-lo, mesmo sabendo que não podia. Oh, como eu o amava! Nunca o destino nos permitiu que ficássemos juntos em vida, mas tê-lo ali, uma última vez, mostrou que nem sempre ele nos trai. Nunca vou esquecer aquele pobre alma, o meu amado anjo negro.

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quarta-feira, fevereiro 29, 2012 - 23:01

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