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A N T E N E A - UM NOME PARA TÊS VIDAS

Autor: Victor Alexandre


                                                               Prefácio

Em mil novecentos e trinta e oito a guerra civil da Espanha atinge o clímax da barbaria. As forças militares comandadas pelo general Francisco Franco enfrentam numa luta sem fim as milícias anarquistas e socialistas. Como em todas as guerras os combatentes de ambos os lados, são piores do que animais ferozes sedentos de sangue.
Tanto de um lado como do outro deste conflito, as matanças são efetuadas por meio de fuzilamentos sumários. No lado das milícias revolucionarias proprietários, militares e homens de destaque da igreja católica. são torturados e assassinados. Enquanto que as forças nacionalistas do general Franco abatem e torturam professores, líderes sindicais e homens de esquerda. De um e do outro lado também é notório o estupro de mulheres e meninas. Para se fazer uma idéia do barbarismo desta guerra civil, a história está mostrando que o numero de vítimas oscila entre 330 e 405 mil mortos. É neste cenário de guerra, desolação e morte que tem início a história empolgante de três mulheres espanholas de nome Antenea. Duas delas para salvar a sua vida se viram obrigadas a fugir para o país vizinho Portugal, na noite de 28 de Março de 1938.

                                                                  A Fuga

Dois vultos avançam no meio dos campos pela calada da noite escura. Ao longe se ouvem estrondos de canhões disparando. Mais perto alguns disparos esporádicos. Os dois vultos caminham apressadamente, como que fugindo, avançam na noite fria. De repente se ouve uma voz:
– Alto! Te paras o te mato!
Os vultos porém, não param, antes apressam o passo, imediatamente varias balas assobiam aos seus ouvidos. O vulto menor geme, tropeça e cai. O vulto maior levanta o outro e correm ziguezagueando até junto de um valado, saltam dentro e ali continuam correndo. O vulto menor cai de novo. Soluçando diz baixinho:
– Mamita no puedo más.
O outro diz:
– Más un poco hijita, más un poco corriendo.
As balas continuam a assobiar perto delas, mas elas sentem que o perigo está passando. Esse valado as protege das balas e elas continuam correndo. A pequenina ofegando:
– Madrecita estamos todavía lejos? Tengo miedo!
A mãe:
– No mi hija, no teme, estamos ya muy cerquita.
Continuam correndo, as balas não param, mas os atiradores estão ficando cada vez mais longe. Logo chegam a um caminho plano e continuam correndo. Ao longe diante delas se vêm algumas luzes, elas avançam apressadas caminhando nessa direção.
Diz a mãe:
– Hijita ya estamos en Portugal nadie ya no nos puede hacer daño.
A filha choramingando:
– Estoy cansada, me duele las piernas y tengo sueño mamita.
A mãe:
– Solo un poco más hijita y alguien nos ayudará.
Logo chegam a uma espécie de estrada poeirenta com o macadame esburacado, mas continuam andando em direção às luzes que se avistam cada vez mais perto. A mãe está certa que o povoado próximo é Campo Maior. Mais segura disso fica quando à sua esquerda apercebe o cemitério. Ela veio uma vez à festa das flores que tem lugar cada ano em setembro. Ainda mais uns minutos andando e passará as portas da vila onde vai pedir refugio no convento próximo. De repente vê dois grandes vultos vir em sua direção. A mãe fica assustada. Dá-se conta que são dois carabineros, de fato dois soldados da Guarda Nacional Republicana portuguesa a cavalo.
Um diz:
– Alto lá! Aonde vão a estas horas da madrugada?
Diz a mãe:
– Buenos días señores, nosotras vamos al convento de Campo Mayor.
Outra voz diz:
– Vocês vêm fugidas de Espanha? Temos ordem de prender todos os refugiados espanhóis.
– Señores por favor, no nos arresten mi hija esta muy cansada y enferma, nos dejen ir al convento, las hermanas nos van ayudar – diz a mãe.
O outro soldado da GNR diz num espanhol aproximativo:
– Bueno pero amanhã usted tem que vir ao posto, para prestar declaraciones.
A mãe diz:
– Gracias señores, si mañana vengo!
Puxando a filha pela mão caminha apressada e alguns minutos depois passa o arco das portas da vila. Aqui a menina cai, ao tentar levantá-la vê que a criança desmaiou, com dificuldade devido ao cansaço carrega a menina ao colo e corre até ao convento. Ali bate à porta, mas passam-se alguns minutos e ninguém aparece. Então vigorosamente bate de novo. Passam-se alguns minutos, ouvem-se passos, e uma freira vem abrir.
Ela falou:
– Quem é a senhora? Não me diga que são refugiadas espanholas? Entre não fique aí!
Então a freira toma a menina nos braços e carinhosamente a deita num divã no escritório da Madre Superiora. Vai buscar um copo, dá água a beber à menina molhando-lhe a cabeça e o rosto, lentamente a criança recupera os sentidos.
E diz:
– Mamita donde estamos? Tengo miedo. Me duelen las piernas.
A mãe:
– Mi hija no tenga miedo estamos con las hermanas de Campo Mayor el peligro ya ha pasado.
A freira lhe dá uma boa tigela de leite quente e logo a menina adormece. Entretanto chega a Madre Superiora que fica surpreendida ao deparar com uma mulher alta esbelta de porte senhoril. Vestida sobriamente. Ela tem cabelos longos negros, olhos negros, rosto moreno bem desenhado. Em suma uma linda mulher espanhola.
Com bondade a Madre diz assim:
– Bom dia, desculpe, eu não falo espanhol, mas seja bem vinda no nosso lar.
Tristemente diz a mãe:
– Buenos días Madre perdone de venir a esta hora de la mañana, pero yo tuve que huir los revolucionarios españoles. Ellos mataran a mi esposo y mis hijos y quemaran mi casa.
Começa então a contar a sua história. Seu nome é Antenea de Lupa faz parte de uma das famílias mais antigas da nobreza espanhola. É conhecida em Espanha como sendo a senhora de Lupa. Possui terras e fazendas nas províncias de Cárceres e Badajoz. Tem trinta e nove anos, casou aos vinte com Don Manolo Lopez também nobre espanhol. Teve dois filhos e uma filha. Miguel e Antônio de dezoito e dezesseis anos e Antenea de dez anos. Mas no dia anterior o marido e os filhos foram assassinados pelos revolucionários. Ela e a pequena Antenea conseguem fugir e de longe avistou a sua casa sendo devorada pelas chamas. Escondem-se num bosque e como não estão longe da fronteira, esperam pela noite para fugir. A Madre disse-lhe que o melhor para elas, depois de se repousarem ali um dia ou dois, é irem para Lisboa ou outra cidade. Ficar em Campo Maior torna-se perigoso porque o governo português ameaça expulsar para Espanha todos os refugiados que chegam a Portugal aos milhares. A senhora de Lupa conta então o encontro com os soldados da GNR na estrada e a obrigação de se apresentar no posto da guarda durante o dia.
A Madre dissuadiu-a disso:
– Minha filha não vai não, os guardas de serviço em Campo Maior se aproveitam da situação dos refugiados para tirar dinheiro deles. E como se trata de uma mulher linda como você é, eles tem a fama de estuprar e depois expulsam mesmo para Espanha.
Aflita diz a senhora de Lupa:
– Madre si es así que voy hacer yo y mi hija? Yo tengo algún dinero y algunas joyas pero no será mucho para ir me de aquí.
A Madre:
– Minha filha por agora você vai descansar, durante o dia veremos o que podemos fazer.
Por volta do meio dia um soldado da GNR se apresenta no convento traz ordem do comandante do posto para levar a senhora e a menina de Lupa. A Madre manda dizer que a senhora e a menina estão doentes e não se podem deslocar. No fim da tarde o comandante acompanhado de um soldado se apresenta no convento. Quer que as freiras entreguem a senhora e a menina de Lupa. Veio a Madre em pessoa.
Com voz decidida fala:
– A senhora e a menina não estão em condições de sair. Só as deixo sair se o senhor comandante trouxer ordem de um Juiz.
Em vista da recusa da Madre os dois guardas se retiram, mas dizem que certamente vão voltar. Entretanto a senhora de Lupa tinha escutado a conversa e fica assustada.
Diz a Madre:
– Você disse o seu nome aos guardas ontem na estrada?
A Senhora de Lupa:
– No me han preguntado mi nombre. Les he dijo que venia al convento es todo.
A Madre:
– Acho estranho eles saberem o seu nome.
Senhora de Lupa:
– Si eso es muy extraño si, y eso me deja muy inquieta.
A Madre tranqüiliza-a dizendo que por volta da meia noite Américo Monteiro, um amigo, vem buscá-las. Na sua camioneta nova as levará a Estremoz e aí pegarão o trem para Setúbal. Ali o irmão dela, Afonso Silveira as estará esperando na estação. Ficam alojadas na casa dele até que a sua situação seja resolvida! No horário combinado chega a camioneta para as levar. Na estrada de Campo Maior para Elvas, porém, dois guardas a cavalo agitando uma lanterna, fazem parar a camioneta.
Um deles diz:
– Senhora de Lupa, a sua filha pode seguir viagem, mas você tem de nos acompanhar.
Enquanto beija a filha que está chorando, diz baixinho ao motorista que, por favor, pare mais adiante e espere. A camioneta arranca e ela fica sozinha com os guardas que apeiam dos cavalos.
Um diz:
– Temos a noite toda por nossa conta, primeiro vais nos dar o dinheiro e as jóias que tens contigo.
Ela chorando:
– Aquí tienen todo lo que tengo. Por favor, me dejen ir, si me mandan para España, ellos me matan.
O outro soldado respondeu:
– Se fores gentil conosco tudo se passará bem.. Sabes, uma linda mulher como tu nunca a deixamos ir assim. Para te deixarmos em paz terás que te dar a nós.
Ela:
– Por favor, no me pidan eso, tengan piedad de mí, vengo de perder mi marido y mis hijos.
O outro soldado:
– Bem, se não dás a bem vais dar a mal.
Eles pousam as armas no chão e tentam agarrá-la. Ela os apanhando de surpresa dá um salto para o lado e um dos guardas cai. Logo o outro salta sobre ela. Porém numa fração de segundo ela tira uma navalha de ponta e mola da liga da perna e lhe enterra no coração, enquanto ele cai, tira a navalha do corpo dele. Ágil como uma gazela salta sobre o outro que já se levanta com a arma na mão e crava-lhe a navalha no peito. Enquanto este também cai, ela pega o dinheiro e as jóias e desata a correr estrada fora. Na sua juventude, o seu tio Luiz de Lupa a tinha ensinado a manejar a espada, o punhal e a pistola. E isto não só a salvou de ser estuprada, como também a sua própria vida. Decerto o seu metro e oitenta e os seus oitenta quilos, contaram na sua breve luta com os infames guardas. Um quilômetro mais longe ali está a camioneta parada à sua espera. Ela sobe e Américo arranca na direção de Elvas. A menina está dormindo. No caminho ela pede um lenço ao motorista e começa a limpar as mãos, este nota que ela está limpando sangue. Sem que ela diga palavra, ele entendeu o que se passara mais atrás na estrada. A senhora de Lupa em silêncio pensa que pela primeira vez na vida tem as mãos sujas de sangue humano. Várias vezes durante a sua juventude ela teve de lutar com homens para defender a sua honra, mas nunca tinha causado a morte de ninguém. Isto a incomoda bastante. A sua consciência lhe está pesando devido à sua educação católica. Outra coisa que a incomoda é: Como souberam os guardas da fuga dela? Alguém do convento, decerto a denunciou. Quando chega perto de Estremoz o motorista fala que o melhor é irem diretamente para Setúbal. Ele receia que em Estremoz ela tenha problemas com a guarda. Vão levar varias horas de caminho, pois a estrada está em mau estado, mas é mais seguro. Américo tem uma pequena idéia sobre quem denunciou a fuga. Deve ter sido a estúpida da Maria Armanda aquela órfã protegida da Madre! Ela é a namorada de um dos guardas que os fizeram parar na estrada.
Américo pergunta:
– Você feriu os dois guardas?
A Senhora de Lupa:
– He matado a uno, el otro se quedó con la navaja clavada en el pecho.
Américo:
– A senhora é mesmo uma mulher de armas. Há muito tempo já esses porcos estavam precisando de uma lição.
Ela:
– No he gustado de lo que hizo pero yo no tenia otra solución, eran ellos o yo. Y como en mi juventud he aprendido con mi tío el arte de la lucha me he salido bien.
Ela está preocupada, pois com certeza as suspeitas vão cair sobre ela. Enquanto corria deu pela falta de um brinco, mas não sabe se o deixou no convento ou o perdeu no local da luta. Américo, porém a tranqüiliza dizendo que de todos os modos ela nunca será acusada.
Primeiro: Que desonra para o corpo da guarda uma só mulher ter morto dois deles.
Segundo: Será mais fácil acusar os ciganos que acampam ali mesmo á entrada de Campo Maior; a navalha instrumento do crime certamente pertence a um deles. A guarda se arranjará para acusar um ou mais deles! Aqueles dois guardas serão condecorados por terem sido mortos no exercício do seu dever.
A Senhora de Lupa:
– Si no he matado también el otro cuando este fuera de peligro me va a denunciar.
Américo:
– Não denunciará, isso trará escândalo sobre a GNR e os boatos se confirmarão de que os guardas abusam das espanholas em fuga. A única coisa é que ele se pode vingar da senhora, se te encontrar em algum lugar!
A Senhora de Lupa:
– Tengo miedo no por mí, pero por mi hija. Si me matan quien la va a cuidar? No lo sé que voy hacer de mi vida.
Américo:
– Em Setúbal, peço ao Afonso para ir aos correios ligar para a irmã dele, a Madre Maria Angélica. Assim saberemos ao certo o que se passou com os guardas. Mas estou certo que tudo vai sair pelo melhor.
Senhora de Lupa:
– Espero que tenga muerto a los dos.
Como está esgotada devido aos acontecimentos dos últimos días, ela adormece agarrada à filha. Enquanto dirige, Américo olha com ternura aqueles dois seres adormecidos a quem a vida nada poupou nas ultimas trinta e seis horas.
Naquele tempo, ali na zona de Setúbal, já se desenvolve uma grande atividade agrícola. Os seus solos bem aproveitados, junto com as suas magníficas condições climáticas, produzem grandes quantidades de cereais, legumes, azeite, excelentes vinhos e muita fruta. Em especial as suas afamadas laranjas. Nas franjas costeiras e na própria cidade de Setúbal, o seu porto é um dos mais movimentados do país, desenvolvem-se atividades ligadas ao tráfego marítimo e fluvial. Setúbal também dispõe de uma importante frota pesqueira.
Embora naquela época o regime político do país seja ditatorial e opressivo, ali em Setúbal ninguém dá por isso. Os setubalenses eram e ainda hoje são por natureza acolhedores e hospitaleiros.
Existem já alguns veículos motorizados na cidade, mas o transporte é ainda feito, na maior parte, por tração animal. Sempre que Américo chega na a sua pequena camioneta nova é sempre uma atração para as pessoas muito em especial para a garotada. Ele estaciona junto à célebre praça do Bocage e logo fica rodeado de jovens e de meninos. Ele pede desculpa, mas hoje não traz nenhum presente para eles como é seu hábito. Vem só trazer duas senhoras á loja do Afonso Silveira. As duas estão dormindo profundamente. As olhando com ternura, com delicadeza consegue acordá-las. Em seguida eles dirigem-se para a mais bonita loja da praça. É uma loja de roupas e tecidos que têm duas montras enormes. Afonso não está, foi à estação esperar duas senhoras enviadas pela Madre Angélica. Só está a esposa, Palmira Silveira, a qual entende tudo ao ver quem está acompanhando o Américo. Com certeza que Afonso vai chegar, tanto mais que já é a hora do almoço e ele gosta de almoçar no horário habitual. Como já fora à estação duas vezes, mais uma vez não vendo chegar ninguém decerto voltará logo. Palmira pede a Américo para subir com a senhora e a menina no primeiro andar, está lá a criada preparando o almoço. Meia hora depois chega o Afonso, a Palmira e um jovem de 13 anos de nome Arnaldo, filho adotivo dos Silveira. Durante o almoço a senhora de Lupa conta a história da suas ultimas 48 horas:
Na última segunda feira, passava do meio dia, quando um grupo de revolucionários anarquistas invadiu a nossa propriedade à entrada de Badajoz. Primeiro exigiram todos os valores que possuíamos. Depois foram para a adega onde se embebedaram. Alguns deles tentaram abusar de mim e da minha filha. Meu marido e os meus filhos resistiram e lutaram com os invasores. Enquanto isso minha filha e eu nos escondemos na casa e pegamos dinheiro e jóias escondidas numa caixa. Depois ouvimos vários disparos, meu marido e filhos foram mortos diante dos nossos olhos. Antenea e eu fugimos através dos nossos campos e nos refugiamos num bosque, onde ficamos escondidas até ficar noite escura. Depois, mesmo debaixo de tiroteio, conseguimos fugir para Portugal. Mas os nossos tormentos não acabaram aí. E não sei se eles acabarão algum dia.
Entretanto Arnaldo ligou o rádio. Está decorrendo o noticiário das 13 horas. Num dado momento dado o locutor diz:
– A vila de Campo Maior no Alto Alentejo está em pé de guerra. A GNR cerca um acampamento de ciganos e já se ouviram vários disparos. A confusão principiou quando uns guardas procediam à prisão de dois ciganos. Estes se rebelaram contra os guardas, se barricaram atrás das carruagens e começaram a disparar. Logo chegaram reforços da GNR e o acampamento foi cercado. Tudo começou porque durante a noite dois guardas foram assassinados a menos de um quilômetro do acampamento. As suspeitas caíram imediatamente sobre os ciganos. Uma das vitima tinha uma navalha espanhola cravada no peito. Os dois ciganos suspeitos possuem navalhas do mesmo tipo.
Enquanto escutam Américo e a Senhora de Lupa se entre olham, mas não fazem nenhum comentário.
Porém a pequena Antenea falou:
– Mamita los carabineros portugueses son malos. Ayer te han arrestado en la carretera.
– Hijita olvida eso, ahora estamos en seguridad.
Afonso:
– Já passou tudo menina, vocês são nossas hospedes e esta casa é a vossa enquanto desejarem. Olha o Arnaldo pode te ir mostrar o jardim da cidade.
Antenea:
– Gracias señor pero quiero estar con mi mamita.
Palmira:
– Te entendo querida, depois de tudo o que passaram não queres deixar a tua mamita.
Américo:
– Afonso, o melhor é irmos aos correios ligar à tua irmã, pois deve estar preocupada pela minha demora. E certamente a minha esposa também.
Afonso:
– Vamos lá então, pois tenho de estar de volta porque após a abertura da loja tenho um encontro com um fornecedor.
Ao telefone a Madre está preocupada, devido a esse cerco aos ciganos, alguns guardas foram feridos. Campo Maior está em estado de sitio, um grande numero de moradores estão contra os guardas. Homens armados de fuzis de caça se querem juntar aos ciganos. Vai ser uma carnificina na nossa vila. Depois um dos guardas assassinados era o namorado da Maria Armanda e esta vai pelas ruas dizendo que sejam os ciganos ou outros, ela se vingará. Ela matará o assassino do seu namorado! Ela é bem capaz disso, o pai dela andava sempre metido e zaragatas e na ultima foi morto. A Armanda tem um feitio terrível, ninguém gosta dela. Tem apenas 18 anos, mas parece ser bem mais velha. É conhecida na vila como a mulher-homem. Nunca sai do convento sem levar uma navalha com ela. A Madre já esta arrependida de a ter acolhido no convento à morte do pai. Américo nada conta sobre o que se passara na estrada na noite anterior. Ele tranqüiliza a Madre dizendo que preferiu trazer a senhora e a filha a Setúbal. Embora ainda um pouco assustadas elas estão bem em casa do Afonso. A Madre fica aliviada em saber que elas tinham chegado bem.
Sim, a senhora de Lupa e sua filha Antenea, apenas em alguns meses se adaptam bem à vida na cidade de Setúbal. Elas sentem-se na casa dos Silveira como na sua própria casa. Também pouco a pouco começam a falar português. O português que elas falam é bem gostoso. Carregando no r como todos os setubalenses à mistura com o sotaque espanhol o seu falar cativa as pessoas com quem contatam. Para a pequena Antenea, Arnaldo mostra ser um bom companheiro e amigo. Fazem longas caminhadas, juntos. Em pouco tempo Antenea conhece Setúbal como as suas mãos. Sabendo bem costurar, a senhora de Lupa começa por ter algumas clientes da loja. A cliente traz-lhe o tecido, ela confecciona vestidos, blusas e saias bem acabadas. A pequena Antenea ajuda a mãe a alinhavar e vai entregar os trabalhos acabados às clientes. Dentro de alguns meses já é bem conhecida em Setúbal, de tal modo que Afonso Silveira monta um ateliê de costura na parte de trás da loja. Logo emprega outras costureiras e com a direção da Senhora de Lupa começam a confeccionar roupas em série, que Afonso vende na sua loja. Pode-se dizer a senhora espanhola foi a precursora do pronto a vestir em Portugal. Ela também se tornou especialista em desenhar e confeccionar vestidos de noiva. Em 28 de Março de 1939 a Guerra Civil de Espanha termina com a vitória do general Francisco Franco. Este evento importante com certeza vai-lhe permitir recuperar as suas propriedades. Ela busca os serviços de um advogado galego que oficia em Setúbal, o doutor José Pereyra. Este vai colocar todo o seu profissionalismo ao serviço dela. Certamente ela vai recuperar pelo menos uma parte dos seus bens, se não tudo o que lhe pertencera antes da guerra. Sendo orgulhosa, jurou a si mesma nunca mais voltar na Espanha. Provavelmente a pouca família que possui já não vive mais. Só o seu tio Luiz deve a ainda ser vivo porque antes da guerra tinha sido nomeado Embaixador de Espanha em França. Ela pensa que a sua fuga do 28 de Março de 1938 foi para sempre; jamais voltará na sua Espanha natal.

                                                                            Maria Armanda

Américo Monteiro vai regularmente a Setúbal. Ele faz transportes de mercadorias para diversos clientes e leva sempre os bons legumes criados na horta do convento para os Silveira. Na volta para Campo Maior, traz tecidos e material de costura para as irmãs do convento.
Um dia voltando para casa, na estrada de Elvas vê Maria Armanda fazendo sinal para ele parar. Ele não a suporta, mas como faltam 10 quilômetros para chegar a Campo Maior, ele pára e convida-a a subir na camioneta. Ela é alta, morena, delgada, olhos e cabelos longos e negros. Olhando-a bem, a Madre tem razão, ela parece mais homem que mulher! A um momento dado ela vira-se para Américo. Olhando-o nos olhos diz:
– Eu penso que não foram os ciganos que mataram o meu namorado. Também penso que tu sabes quem foi. Á hora que isso aconteceu tu passaste nesta estrada com a espanhola e a filha. Com certeza deves ter visto algo, pois os corpos estavam caídos à beira da estrada.
Américo falando com cautela:
– Como sabes tu que eu passei aqui nessa noite com as espanholas?
Armanda:
– Ouvi a conversa da Madre com essa de Lupa e contei ao meu namorado que vocês iam passar na estrada por volta da meia noite.
Américo:
– Que achas se a Madre se inteira disso? Como ela ficará decepcionada contigo com certeza te expulsará do convento.
Ela aqui fez um silêncio! Porém, mais longe acrescentou:
– Uma coisa é certa eu decidi vingar o Antônio Ramos e se tu ou essa puta espanhola têm algo a ver com o assassínio dele eu mato-vos. Eu estava grávida dele e fui obrigada a abortar por causa do ou dos assassinos. Estou vindo de Elvas onde uma velha me fez o aborto.
Américo:
– Se a Madre sabe que fizeste aborto, ela te expulsará, disso podes ter a certeza. De todos modos eu não tenho medo das tuas ameaças. Estás a ver isto? [tirando de debaixo do banco uma pistola de guerra] Antes que tu me ataques eu me defenderei e mesmo que sejas mulher não hesitarei em atirar.
Maria Armanda:
– Não tenho medo das tuas ameaças e tem cuidado, se dizes alguma coisa à Madre eu mato a cabra da tua mulher.
Quando ela falou da sua mulher, Américo freou a fundo, parou a camioneta e foi do outro lado abriu a porta agarrou-a por um braço e tirou-a para fora. Deixando-a sentada no chão arrancou em direção à vila.
No convento Américo contou à Madre o encontro com a Maria Armanda e falou das ameaças dela. Só não contou de ela ter informado a Guarda da fuga da senhora espanhola nem de ter feito aborto.
A Madre furiosa diz:
– Como é possível essa malvada ousar ameaçar os meus amigos? Eu recolhi-a quando tinha apenas oito anos. Criei-a com amor eduquei-a nos preceitos da santa madre igreja.
Américo:
– Sei bem o que a Madre fez por ela, mas acho que o namoro dela com o guarda Antônio Ramos a perverteu.
A Madre:
– Sabes Américo quando ela chegar vou ter uma conversa muito séria com ela. Se não aceitar humildemente a minha repreensão, custa-me, pois para mim é como se fosse minha filha, a punirei com severidade.
Américo:
– Acho que a Madre tem mesmo de ser firme com ela. A maneira com se apresenta na vila, armada em valentona é bastante ruim para a reputação do convento. Mesmo durante o namoro com o guarda ela já dava lugar a falatórios.
A Madre:
– Sei disso, hoje mesmo falarei com ela.
No caminho de volta a pé, quando se aproxima do local onde tinham sido encontrados os guardas mortos, Maria Armanda vê algo brilhando no meio dumas ervas secas. Pegando, examina e chega à conclusão que é um brinco típico de espanhola. Guarda-o cuidadosamente no bolso da saia pensando que a dona daquele brinco talvez tenha algo a ver com o assassinato dos guardas. Quando chega ao convento a Madre está à espera dela no escritório.
Disse-lhe:
– Entra, fecha a porta e senta-te.
A outra entra, fecha a porta, mas fica em pé com as mãos na escrivaninha, com atitude de desafio, fazendo face à Madre.
Calmamente a Madre fala:
– Disse-te para te sentares, mas podes ficar de pé. Diz-me lá, quem és tu para ameaçares o Américo e a sua esposa? Como podes estar acusando ele e a senhora espanhola do assassínio dos guardas?
Com ar de desafio Maria Armanda diz:
– E quem é a Madre para me fazer essas perguntas? Fique sabendo que não respondo nada.
A Madre:
– Eu te recolhi quando não tinhas ninguém, te eduquei, te dou comida, cama e vestimenta. Só por isso já tenho o direito de te fazer perguntas. [Tirando um documento da escrivaninha continuou] Este documento assinado pelo Juiz de menores de Elvas diz que eu sou a tutora de Maria Armanda Rodrigues. Portanto até aos teus 21 anos tens que me obedecer e prestar contas.
A moça empalidecendo:
– A Madre nunca me disse que era minha tutora. Acho que não foi sincera comigo.
A Madre:
– Nunca foi preciso te dizer, nem pensava em fazê-lo, mas devido a tua atitude de rebelião te digo agora. Assim ficas sabendo que a partir de hoje não sairás mais do convento sem a minha autorização. E o teu trabalho será na horta, ajudando as irmãs responsáveis, para saberes quanto custa o teu alimento depois de dez anos. E mais, passa para cá a navalha que tens na liga da meia. Cheia de raiva ela tira a navalha, atira-a aos pés da madre e sai do escritório correndo. Fecha-se no seu quarto chora de raiva e jura a ela mesma que a Madre pagará caro as humilhações que lhe está infligindo. Também se vingará do estúpido do Américo. No dia seguinte as irmãs encarregadas da horta puseram-na a trabalhar duro. Enquanto cava um pedaço de campo rumina sobre qual será a melhor maneira de fugir do convento. Mas antes disso terá de se vingar das idiotas das freiras e da Madre em particular. Mas durante alguns meses Armanda não conseguiu escapar à vigilância a que está submetida.
No principio de Setembro de 1939 é a festa das flores em Campo Maior. Os Silveira vêm todos os anos a essa festa, é a ocasião anual de visitar a Madre no convento. Este ano Antenea mãe e filha os acompanham. A festa está linda e bem organizada. As ruas enfeitadas com flores de papel, que durante meses os campomaiorenses confeccionaram de suas próprias mãos, estão lindíssimas. Enquanto os Silveira e a jovem Antenea vão apreciar as ruas a senhora de Lupa fica no convento falando com a madre. A Maria Armanda quando a viu no convento esconde-se atrás de uma porta condenada. Dali pode ouvir tudo o que se fala no escritório da Madre.
Diz a senhora de Lupa:
– Madre, eu não sei como lhe agradecer tudo o que fez por mim. Se não fosse a Madre a minha filha e eu talvez já estaríamos mortas. A Madre foi o nosso anjo protetor.
A Madre:
– Agradeça a Deus minha filha. Foi o Senhor o teu protetor. eu só ajudei um pouquinho. Estou feliz porque vocês se adaptaram bem à vida lá em Setúbal. A minha cunhada é uma jóia de pessoa, mas acho que o meu irmão tem muito mau feitio! Nunca teve problemas com ele?
A senhora espanhola:
– É verdade que às vezes fica encolerizado. Sobretudo com o Arnaldo, mas comigo e a minha Antenea, nunca! Ao contrario nos tem ajudado muito. Sabe a madre que já estamos fornecendo algumas lojas em Lisboa com as confecções do nosso ateliê. E de lá também estão chegando encomendas de vestidos de noiva. Tudo isso graças ao seu irmão.
A Madre:
– Lá isso para ajudar ele é capaz de se sacrificar para cuidar dos outros. Tem um feitio esquisito, mas possui um coração de ouro.
A senhora de Lupa interrompendo:
– Desculpe interromper Madre. Por falar em ouro por acaso não encontraram cá no convento um dos meus brincos em ouro?
A Madre:
– Não minha filha, nós aqui não encontramos nada.
A sua interlocutora:
– Os meus brincos pertenceram à minha avó, ela mos ofereceu antes de falecer, eu tinha quinze anos. Para mim têm um valor inestimável. Já tinham pertencido também á minha bisavó. [A Maria Armanda que estava escutando a conversa pensou: Com certeza ela o perdeu no local do assassinato. Deve ter sido esta puta quem matou o meu noivo] No escritório a conversa continua.
A Madre:
– Pois é minha filha, mas aqui não ficou nada, é uma pena perder-se algo que tem valor sentimental. Diz-me, você não quer ir ver as festas?
– Eu gosto muito das festas de Campo Maior, mas este ano gostaria de ficar aqui com a Madre porque que preciso muito da sua ajuda moral. Devido a tudo o que passei gostaria de abrir meu coração para a Madre. Mas não aqui no seu escritório.
A Madre:
– Está bem minha filha, depois do almoço vamos para o meu quarto e aí te ouvirei.
A seguir ao almoço no quarto da madre a senhora de Lupa vai abrir-se como um livro. Começa por dizer que a Armanda contou aos guardas a sua fuga para Setúbal, por isso não tinha querido falar no escritório. A Madre disse que a Maria Armanda gosta de escutar atrás das portas. Mas aqui ela não ousará vir nem poderá ouvir nada. Aquela senhora de cabeça baixa começou a falar como se estivesse na confissão. Conta que desde menina tem paixão pela luta. O seu tio Luiz lhe ensinou a usar as armas com dextridade, em especial a espada e o punhal. Ela chegou mesmo a ser perita no lançamento da navalha.
Depois com as lágrimas no rosto, baixinho disse:
– Madre, na noite da minha fuga os dois guardas nos fizeram parar. Mandaram seguir o Américo e a minha filha, mas me retiveram à beira da estrada. Logo me pediram o dinheiro e as jóias, no entanto o que eles queriam era que eu me desse a eles, mas como recusei, os dois tentaram me estuprar. Eu me defendi e os matei. Depois disso a minha consciência me atormenta, porque violei o mandamento de Deus: "Não matarás".
Pegando-lhe nas mãos a Madre disse:
– Não é bem assim, o mandamento de Deus é o seguinte: "Não assassinarás" e tu minha filha não assassinaste, apenas te defendeste. No entanto como a vida humana é sagrada para Deus deves pedir perdão a Deus por isso. Terás de fazer muitos atos de contrição.
A senhora de Lupa:
– Isso eu farei mesmo Madre. Também tenho certo receio a propósito da Armanda, pois um deles era namorado dela. O Américo me falou do juramento dela de vingar a morte do namorado!
A Madre:
– Por agora ela não se vingará de ninguém, não. Eu sou a tutora dela e no dia em que fugir do convento mando-a prender. No entanto é preciso estar de olho nela.
Mais tarde enquanto esperava os Silveira e a Antenea para voltarem para Setúbal, Maria Armanda se aproximou dela. Com ar de desafio e mostrando o brinco disse:
– Sei que isto é teu, por isso to dou. Mas fica sabendo que o achei um pouco mais abaixo donde o meu Antônio foi assassinado. Portanto tu deves ter algo a ver com isso. Estou convencida que foste tu que o mataste. Um dia pagarás muito caro por isso.
A espanhola respondeu:
– Devias ter vergonha na cara por escutares atrás das portas as conversas dos outros. Mas fica sabendo de uma coisa, se fui eu, uma simples mulher, que matou os dois guardas, eles não passavam de uns covardes. Ainda mais, se fui capaz de os matar, se tu tentares algo contra mim ou contra a minha filha, também serei capaz de te matar.
A outra:
– Isso é o que veremos, sou eu que te matarei espécie de puta espanhola. Quando menos contares, te pegarei de surpresa.
Nisto chegou a Madre e mais algumas freiras e a Maria Armanda sumiu!
Vendo o brinco na mão a Madre diz:
– Ah minha filha vejo que achou o seu brinco. Onde estava?
A senhora de Lupa chamando a Madre à parte lhe diz baixinho:
– Foi a Armanda que o achou na estrada e mo veio o dar. Ameaçou de me matar, pois pensa que fui eu que matei o namorado dela.
A Madre:
– Isso para você minha filha, não é nada bom. No entanto enquanto ela estiver debaixo da minha tutela não te fará mal algum.
A sua interlocutora:
– Sei madre, fique segura que de todas as maneiras serei vigilante. Ando armada de uma navalha de ponta e mola como sempre. Comprei uma em Setúbal a um pescador espanhol.
– A Madre:
– Sim, mas eu não gosto disso e Deus também não. No entanto, se a tua vida ou a da tua filha estiver em perigo acho que te deves defender.
Entretanto os Silveira e a pequena Antenea chegam da festa. Fazem as despedidas e sobem no carro para a viagem de volta. Por certo vão chegar a Setúbal já noite escura.
Nos dias que se seguem Maria Armanda está mais decidida que nunca a fugir do convento. Enquanto poda os ramos de uma árvore apercebe-se que a parte de fora do muro é mais baixa que a de dentro. Logo pensa que saltando da árvore sobre o muro e pulando do outro lado, pode fugir sem se ferir. Assim começa a planear a sua fuga. Primeiro vai ao escritório da Madre e força a gaveta onde numa caixa ela guarda as economias do convento, depois pela calada da noite salta o muro e foge para Espanha. Alguns dias depois pôs o seu plano à execução. O Américo tinha chegado de Setúbal e entregou um envelope à Madre. Ela sabe que dentro está a contribuição anual do irmão da madre para o funcionamento do convento. A Madre guarda o envelope na caixa e fecha a gaveta à chave. Nessa mesma noite, noite de lua cheia, sem fazer ruído Maria Armanda entra no escritório e utilizando uma faca grande rebenta a fechadura da gaveta e rouba a caixa. Pega a mala com os seus pertences e dirige-se para a horta. Ali sobe na árvore, deixa-se cair sobre o muro, joga a mala e daí pula para fora. Atravessando os campos correndo e tropeçando, aqui e ali, chega à estrada de Espanha. Tem de ter muito cuidado. Por causa do contrabando com Portugal os carabineros espanhóis estão vigilantes mesmo de noite. Enquanto avança através dos campos, de repente vê vários vultos e ouve vozes. Dá para perceber que são carabineros interceptando contrabandistas. Cautelosa, quase se arrastando como uma serpente, sem fazer ruído, vai avançando na noite. Caminha assim talvez durante duas horas. Chega a Badajoz quando já desponta a luz da aurora. Quando se acha em segurança, pára, senta-se sobre a mala, abre a caixa da madre e pega o envelope cheio de notas. Conta o dinheiro. Têm cinqüenta contos, o que constitui uma pequena fortuna. Como fala o espanhol sem sotaque, ela vai-se fazer passar por uma espanhola chegando a Badajoz em busca de emprego.
Dirigindo-se para o centro da cidade pela calle San Pedro d'Alcântara, aí acha uma hospedaria. Vai ficar hospedada ali durante um dia ou dois e depois decidirá o que fazer. O importante é agora estar livre e ter dinheiro suficiente para viver por mais de um ano. Decerto o melhor será arranjar um lugar estável para viver. Terá também de arrumar um emprego. No final do jantar do segundo dia, Maruja Hurtado, a dona da hospedaria falou que se ela quiser trabalhar, tem emprego para ela.
Ela possui uma propriedade na província de Cárceres sendo cuidada pela irmã e o cunhado. E lá estão precisando de alguém para cuidar da casa e fazer a cozinha. Não podem pagar muito, mas sempre tem cama mesa e roupa lavada. Cuidará de cinco pessoas, a irmã o cunhado, dois filhos de 13 e 15 anos e um jovem amnésico de uns 18 anos. No dia seguinte ela parte para o seu novo emprego pegando o trem para Cárceres. Ela pensa que vai começar uma nova vida e se um dia voltar a Portugal será para vingar a morte do Antônio Ramos seu namorado!

                                                              O amnésico

Em Campo Maior no dia seguinte à fuga da Maria Armanda a Madre constata o desaparecimento da caixa do dinheiro. Ela nunca tinha pensado que a sua protegida seria capaz de fazer tal coisa. No entanto embora lhe custe vai ao posto da guarda fazer queixa dela. Um mandado de captura é emitido. Mas conhecendo bem a Armanda a Madre tem a certeza que ela fugiu para Espanha. Em Setúbal quando soube da fuga da Maria Armanda a senhora espanhola redobra de vigilância e não deixa a Antenea sair sozinha!
Entretanto em Cárceres Maria Armanda adapta-se facilmente ao seu trabalho. A sua patroa, Paquita Jimenez. não é exigente, e os filhos são simpáticos. Só o marido Pablo Jimenez é que lhe dá problemas. No início só a olhava muito, depois começou a espiá-la quando ela ia tomar banho e uma noite entrou no quarto dela e tentou beijá-la. Acordando em sobressalto vira-se e o ameaça com a navalha que tem sempre escondida debaixo do travesseiro. Depois disso ele a deixou tranqüila. O membro da família a quem ela se afeiçoa é o jovem amnésico a quem chamam Paco. Segundo Paquita no dia em que tiveram de fugir de Badajoz por causa da guerra, encontraram o jovem caído à beira da estrada com a cabeça ensangüentada. Tinha a roupa toda rasgada, decerto se tinha arrastado para chegar até à estrada. Eles o cuidaram e o trouxeram nesta propriedade. Viram que o ferimento não era grave, mas o jovem não se recordava de nada. Não sabia quem era, não se lembrava da sua família, nem donde vivia antes. Também não se lembrava porque estava ferido. No final da guerra a Paquita levou-o ao hospital, ali o médico apenas disse que o ferimento foi o resultado de uma bala ter roçado o crânio. A amnésia não resultou disso, mas dum forte golpe recebido na cabeça por um objeto contundente. Foi também com ele á Cruz Vermelha para tentar saber algo sobre a família do jovem, mas sem resultado. Paco mostra ser um excelente trabalhador agrícola, isso porque com certeza aprendeu na sua família antes do ferimento. Ele deve ter os seus 18 anos e sabe bem ler e escrever. É alto moreno, olhos e cabelo negro penteado para trás, em suma é um jovem bem parecido. Maria Armanda fala muito com ele, e pela sua maneira de falar, ela chega à conclusão de que ele deve pertencer a uma família culta. Também ela tem a impressão de o conhecer, já o deve ter visto em algum lugar. Talvez de Badajoz, pois quando estava no convento, ia muitas vezes a Badajoz fazer compras para a Madre. Ele conta que não se lembra de nada, no entanto um rosto de mulher aparece sempre nos seus sonhos. Ele diz que se um dia encontrar esse rosto certamente se vai lembrar de tudo. Um domingo de manhã cedo, saíram todos na charrete puxada por dois cavalos, era dia de festa em Badajoz, e dirigem-se para a festa. Antes de entrarem na cidade Pablo mostrou o local exato onde tinham recolhido Paco. Aqui Paco disse que aquelas terras que se vêm ao longe, não lhe são estranhas. As festas da cidade terminam por uma procissão. Armanda e Paco seguem na procissão quando um jovem se aproxima deles. Olhando Paco nos olhos falou:
– Mira, tu no eres Antonio el hijo de la señora de Lupa?
Intrigado Paco respondeu:
– No lo sé, no me acuerdo de nada ni de mi familia.
O outro:
– Perdona pero quizás te he confundido con otra persona.
Ouvindo a conversa Armanda se lembra de onde conhecia Paco. Ele é muito parecido com a pequena Antenea de Lupa. Por causa desta conversa ela fica segura de ele ser Antônio de Lupa Lopez o filho da sua inimiga. Na volta para Cárceres Armanda pergunta a Paquita se ela sabe a quem pertencem àquelas terras que se vêem do local onde Paco foi encontrado. Paquita responde que não sabe, estão abandonadas desde que o proprietário foi assassinado pelas milícias revolucionarias. Nessa noite depois de todos terem ido dormir, Armanda e Paco ficam conversando no quarto dela. Armanda fazendo tudo para que ele se lembrar de algo. Quem estava com ele quando foi ferido? Quantas pessoas compõem a sua família? Senhora de Lupa te diz algo? O nome Antenea não te é estranho? Bombardeado com tanta pergunta Paço ainda fica mais confuso. Acha que a Maria Armanda para fazer todas aquelas perguntas tem algum interesse pessoal nisso. Não é para o ajudar a se lembrar, mas certamente por outro motivo. Portem, quando ela falou em senhora de Lupa e Antenea isso foi como que um choque na sua mente. Durante quase três anos se esforçando para lembrar algo, sem nenhum resultado e ao ouvir pronunciar de Lupa e Antenea era como se uma luz se acendesse no seu cérebro. Lembrou-se que na escola uma vez a sua professora disse que ele tem uma maninha de nome Antenea. Depois já na cama Paco se esforça para se lembrar de mais sobre o seu passado e adormeceu. E sonhou com uma linda mulher alta de cabelos negros trazendo pela mão uma menininha andando na sua direção para o beijar.
Uma semana depois Armanda disse a Paco que como é domingo podem ir passear a cavalo, levam um farnel e almoçam por lá. A Paquita e o marido estão de acordo. Ao principio Paco não quer ir, mas ela lá o convence. Ele pergunta onde irão passear. Irão cavalgando ao acaso onde os cavalos nos levarem, respondeu ela. No principio da tarde Paco se apercebeu que estavam cerca da tal propriedade da qual ele tinha uma vaga idéia. Para o trazer aqui a Armanda tem algo em vista, mas o quê ele não sabe. Do que ele está seguro é que se lembrar de algo concreto não lhe dirá nada! Perto donde ele tinha sido encontrado ferido vê-se um caminho cheio de ervas, isto mostra que já há muito tempo que ninguém passa por ali. Avançam e chegam diante dum um portão ferrugento. Aí apeiam dos cavalos e a Armanda empurra o portão que se abre com alguma dificuldade. Levando os cavalos pela mão penetram na propriedade. Aqui Armanda pergunta se ele se lembra de algo. Ele diz que não. Um pouco mais adiante vêem uma casa queimada, os escombros estão negros. Alguns barrotes calcinados ainda pendem sobre as paredes lá onde tinha sido o telhado. Dão a volta e atrás da casa tem uma outra construção que está intacta. Mas tudo a volta está cheio de ervas altas, cardos e silvas. Diante da porta Armanda com a sua navalha corta algumas silvas e ervas e abre o caminho para poder chegar à porta. Empurrando, esta se abre com dificuldade e os dois entram. É uma adega, mas todas as pipas de vinho foram abertas, pela cor do chão se vê que todo o vinho foi derramado ali. Está tudo poeirento e cheio de teias de aranha. Numa outra dependência ao lado, há um lagar onde se pisam as uvas para se fazer o vinho. Aqui Paco se lembra de algo, ele está seguro de quando menino ter pisado uvas ali. Mas ele nada disse à Armanda. Depois pegam uns bancos que estão ali e os trazem para fora a fim de poderem comer alguma coisa. Depois do almoço ela se chega para Paco e beija-o, ele também a beijou. Logo ela se deita no chão e levantando as saias e diz-lhe para se deitar sobre ela. Ele assim fez, mas quando ela começa a desapertar-lhe o cinto ele salta sobre os seus pés e grita:
– No quiero. Eso no!
Ela surpreendida se levanta e tenta agarrá-lo, mas ele já está pegando a rédea do cavalo e monta o animal. Ela atrapalhada, a custo monta no seu cavalo. Como ele vai a galope e sendo o seu animal o mais forte dos dois, Armanda teve muita dificuldade em alcançá-lo. Entretanto na mente de Paco a cena dele sobre a Armanda e o cinto a ser desapertado, lembrou-lhe outra cena igual que ele tinha visto um dia ali naquele mesmo lugar. Quando ela o consegue alcançar, pergunta porque fizera aquilo, ele respondeu que eles não são casados e não têm o direito de fazer isso. Porém, Paco sabe que não é por isso. De uma coisa está seguro ele já tinha estado naquela propriedade antes. Lembra-se de uma mulher caída no chão e um homem em cima dela tirando o cinto. Ele diz à Armanda para nunca mais o trazer ali. De todas as formas ele não voltará mais, não! Vir ali só serviu para o confundir e perturbar. Ela insiste perguntando se ele se lembrou de algo, mas ele respondeu não se recordar de nada. Nessa mesma noite ele sonhou. Uma senhora está deitada no chão e alguns homens armados a rodeiam, ao lado está uma menina chorando. Sabendo o que pretendem fazer a senhora e à menina, ele salta sobre os homens e provoca uma luta. Logo dois outros homens o vêm ajudar na luta. Isso permite à senhora e à menina de poderem fugir. Em seguida ouve vários disparos e vê os homens que o ajudaram cair. Aí o sonho acabou ele acordou!
No dia seguinte, enquanto se ocupa do trabalho nos campos aquele sonho não lhe sai da sua mente.
Aquilo que vira no sonho ele já tinha visto em real, mas onde? Naquela propriedade que visitaram ontem? Disso Paco estava certo, foi ali mesmo. Os rostos daqueles homens que o tinham ajudado na luta, não lhe eram estranhos. Mas, quem são eles? Como se chama aquele menino que pisara uvas naquele lagar? Não tem resposta a esta pergunta, mas de uma coisa está seguro, o menino é mesmo ele, Paco. Nos dias que se seguiram ele faz tudo para não ficar a sós com a Armanda, ela, porém, vigia-o e ele sente isso. Um dia a Paquita diz a Paco que a Maruja está precisando dele em Badajoz, porque o empregado da hospedaria ficou doente e ela precisa de alguém sabendo bem ler e escrever.
Assim deixando a Armanda cheia de raiva ele pega o trem e vai sozinho para Badajoz. Ele é posto ao corrente do seu trabalho e fica feliz porque é bem diferente do trabalho nos campos. Ao mesmo tempo está aliviado da vigilância da Armanda. Quando às vezes ele vai fazer as compras ao mercado, passa na calle San Juan e ali há uma casa que lhe lembra algo.
Um dia bate à porta dessa casa, mas ninguém abre, parece que está abandonada. Na hospedaria pergunta à Maruja se ela conhece os donos daquela casa. Ela responde que conhece, mas a casa está abandonada depois de um ano ou dois. O dono dela tinha sido embaixador de Espanha em Paris, mas nunca mais se soube nada dele. Seu nome é Luiz de Lupa. Quem, antes da guerra civil, vinha muitas vezes cuidar da casa era uma sobrinha dele, a senhora de Lupa, mas depois do fim da guerra não vêm ninguém. Paco na sua mente se esforça para entender. Porque essa senhora não voltou mais nessa casa? E o dono da casa, pois que a guerra acabou porque não voltou nela? Depois Luiz de Lupa... este nome lhe diz algo. Senhora de Lupa, Antenea, Luiz de Lupa são nomes familiares ele já tinha tido na sua vida contato com tais pessoas.
Algumas semanas mais tarde Paco passando diante da tal casa da calle San Juan vê dois homens bem vestidos tentando abrir a porta. Dirige-se a eles e pergunta quem são. Um é advogado e o outro um notário. Estão inventariando os bens da família de Lupa. Ainda há dois representantes vivos dessa família. O senhor Luiz de Lupa morando em Paris e a senhora Antenea de Lupa que vive em Portugal. Paco então fala que é amnésico que não se lembra quase nada do seu passado, mas tem a certeza de já ter vindo nesta casa. O advogado e o notário o convidam a entrar com eles. Paco então foi explicando aos dois homens como são os cômodos da casa. Na sala de estar Paco fica mudo, ali diante dos seus olhos, pousada em cima do piano, está uma linda moldura com a foto da senhora que lhe aparece nos sonhos. Tem uma dedicatória onde se lê: Para mi tio Luiz con todo mi cariño. Antenea. Paco fica perturbado, mas não deixa que os visitantes se apercebam disso. No fim da visita o advogado lhe perguntou qual é o seu nome, ele diz que o chamam de Paco, mas não sabe qual é o seu nome de família.
Em todo o caso os dois homens ficam admirados como um amnésico se pode lembrar de todos os detalhes daquela casa. O advogado pergunta aonde Paco mora ele falou que trabalha na hospedaria da calle San Pedro d'Alcântara.
Entretanto em Cárceres a Armanda está fazendo tudo para ir a Badajoz. Não está tranqüila, tem medo que Paco se lembre de tudo. Isso arruinaria os seus planos. Ela quer usá-lo para se vingar da senhora de Lupa. Ela tem a certeza que Paco é o filho mais novo que escapou à matança. Terá de arranjar um meio de o arrastar até Setúbal. Ali marca um encontro com a sua inimiga dizendo ter encontrado o filho. Ali quando ela o estiver abraçando, mata os dois com a pistola que comprou a um cigano. Logo se apresenta a ocasião de viajar a Badajoz. Toda a família Jimenez vai passar o Natal na hospedaria de Maruja. Durante a ceia alguém bate à porta da hospedaria. É um senhor idoso, ele foi informado de ali trabalhar um jovem que conhece bem a sua casa. Maruja manda o senhor entrar e pede para esperar no vestíbulo. Depois vai à sala e chama o Paco; a Armanda fica alarmada. Que querem ao Paco? Mas não se pôde levantar, pois está do outro lado da mesa entre os dois filhos da Paquita. No vestíbulo o senhor idoso reconhece em Paco o seu sobrinho Antônio, mas Paco não o reconhece. Ali o homem diz a Paco que gostou de o conhecer, porque o advogado e o notário lhe falaram muito bem dele. Paco simpatiza com a pessoa e pergunta qual o seu nome. Ele respondeu que é Luiz de Lupa. Naquele momento Paco estremece, se lembra da foto que viu naquela casa. Ele fica calado e volta a se sentar à mesa. Maruja também reconhece Luiz de Lupa e lhe pergunta se conhece o Paco, ele diz que sim, é o seu sobrinho neto. Pelo que ele sabe Antônio está dado como morto. Ele pede á Maruja para não falar a ninguém sobre isso, na medida em que o jovem não está preparado para conhecer toda a verdade de um golpe. A sua mãe e a sua irmã estão vivas e moram em Portugal. Ele vai arranjar as coisas de modo a reunir na sua casa toda a família a ver se o jovem tem alguma reação positiva. Entretanto Luiz de Lupa pede por tudo para Maruja guardar o segredo. Deste modo a Maria Armanda fica desconhecendo o que se passa realmente. Naquela noite Paco sonha com ele menino brincando no jardim da casa da calle San Juan. Aquele senhor lhe mostrando como se joga espada e também lhe mostrando como funciona uma pistola.
No dia seguinte Paco anda muito perturbado e a Armanda apercebendo-se disso começa a fazer-lhe perguntas. Quem era a pessoa que veio ontem à noite? Que lhe queria? Ele responde se tratar de um cliente que tinha esquecido uma mala na hospedaria. Pergunta-lhe se ele se tinha lembrado de alguma coisa. Ele respondeu negativamente. Também pergunta se alguém o tinha reconhecido. Ele disse não. Mas ela está segura que ele lhe esconde algo. Como vão ficar ali até à passagem do ano por certo ela vai descobrir o que ele está escondendo dela. Com toda aquela insistência da parte dela, Paco sabe que a Armanda tem algum interesse especial em saber tudo. Mas ele está decidido a não dar a entender nada da confusão sentida no seu íntimo. É verdade que a sua mente está confusa, baralhada, mas alguns lampejos de luz surgem nela. Lembra-se então da pergunta daquele jovem no dia da procissão no verão passado. Esse jovem talvez tivesse razão ele Paco deve ser Antônio o filho da senhora de Lupa. Luiz de Lupa deve ser o seu tio avô. Mas ele não tem nenhuma certeza disso. Apenas está seguro que a foto que viu na casa daquele senhor é da senhora que lhe aparece nos seus sonhos. Se fôr assim Antenea de Lupa é a sua mãe!
No dia antes da Armanda partir ela ia começar a fazer perguntas a Paco; mas ele antecipou-se e disse que hoje é ela que vai responder às perguntas dele. Quem é ela? E os seus pais, quem são? Onde tinha nascido? Porque lhe está fazendo tantas perguntas? Porque se interessa tanto por ele? Ele sabe que ela tem muito dinheiro escondido no quarto lá em Cárceres. Donde vem esse dinheiro? Assustada com tanta pergunta, ela responde com evasivas. Mas descai-se a dizer que é portuguesa. Que não tem família e que foi criada num convento. Mas sobre o dinheiro nada disse. Ora Paco constatou que o dinheiro não era espanhol, mas sim português. Mas não disse nada nem insistiu. Aqui ele tem mais uma razão para desconfiar dela. Antes de partir ela pergunta se ele não gostaria de um dia ir com ela a Portugal. Ele disse que sim, só o que não tem é dinheiro para a viagem. Ela disse que pagará tudo. Ele perguntou aonde irão, Armanda responde que o vai levar a Setúbal, uma linda cidade que fica nas margens do rio Sado, perto do mar.
Passa-se algum tempo e um dia aparece na hospedaria um sujeito português. Ele vem perguntar se ali lhe sabem dizer onde fica a casa dos de Lupa. Maruja responde que fica na rua paralela, a calle San Juan. Paco pergunta se ele conhece o senhor Luiz de Lupa. Ele responde que não, mas conhece muito bem a senhora de Lupa que mora em Setúbal. E ela lhe pediu para quando ele fosse a Badajoz ir ver se a casa está habitada. Ela lhe deu o endereço, mas ele perdeu o papel onde estava anotado. Paco pergunta se essa senhora está casada ou se vive sozinha. Ele responde que ela é viúva e está vivendo com a sua filha de 13 anos. Também pergunta qual o nome da menina. Ele responde: Antenea.
Aqui Paco, muito confuso, pede desculpa e se retira. Mais outra coisa o preocupa, a Armanda o convidou para ir a Setúbal e essa senhora de Lupa vive em Setúbal. Não é isso muito para ser simples coincidência? Tudo isto o está perturbando muito. Ficando sozinha com Américo a Maruja pergunta qual o seu nome, ele responde se chamar Américo Monteiro. Vive em Campo Maior e faz transportes de mercadorias. Ha seis meses ficou viúvo, sua esposa morreu de repente. Depois de um certo tempo ele anda tentando namorar a tal senhora de Lupa. Mas ela se agarra à sua viuvez e à sua filha e não pensa em arranjar homem não. Por gostar muito dela, ele não lhe pode negar nenhum favor. Maruja fala que a casa agora é habitada, o senhor Luiz de Lupa, que também é viúvo, voltou a morar nela.
Américo agradece-lhe e dirige-se àquela casa. Bate à porta e uma criada vem abrir. Ele diz que se chama Américo Monteiro e que deseja falar com o senhor Luiz. Ela manda entrar. Dentro de alguns minutos ele vê chegar um senhor idoso, mas bem conservado. Alto de cabelos brancos.
Diz-lhe em bom português:
– Boas tardes. O senhor Américo disse à criada vir da parte da minha sobrinha. Muito gosto em o conhecer!
Américo:
– O prazer é todo meu, a sua sobrinha fala tanto do senhor, até parece que já o conheço há muitos anos.
Luiz:
– Me diz como está ela e a pequena Antenea? Estão bem?
Américo:
– Sim estão ótimas. A mãe é uma grande costureira e a filha segue-lhe os passos.
Luiz:
– O Américo lhe diz que tudo se está arranjando para que ela recupere as suas terras. O advogado que ela contratou é excelente e em breve ela terá os títulos de propriedade de tudo quanto é dela. Eu voltei há um mês da França e vou saborear os meus velhos dias nesta casa, que também pertence pela metade à minha sobrinha.
Américo:
– Ela vai ficar feliz em saber que o seu tio está em vida. Ela receia que o senhor já tivesse falecido. Está sempre falando nisso. O que é certo é que ela gosta muito do senhor.
Luiz:
– Sabe, a Antenea veio viver nesta casa comigo e minha esposa quando os pais dela faleceram de tifo. Ela tinha 10 anos. Eduquei-a como se fosse o filho que nunca tive. Ela era um pouco uma ”maria-rapaz”. Gostava de subir às arvores e de lutar com os rapazes. Treinei-a na arte da luta. Atira o punhal e a navalha com uma pontaria que nem eu tenho. Isso lhe serviu mais tarde quando veio a ser mulher para se defender de certos homens que quiseram abusar dela. Um dia cravou uma navalha a dois centímetros da cabeça de um homem que levantou calúnias sobre ela.
Américo:
– Eu sei, ela me contou sobre isso. Sabe, quando fugiu de Espanha, em Portugal também lutou pela sua vida e venceu graças às lições do senhor Luiz. Matou dois guardas que a tentavam estuprar. Mas a namorada de um deles jurou vingar-se dela e ameaçou matá-la.
Luiz:
– Seria bom que ela viesse para Badajoz para ficar livre de tal ameaça.
Américo conta então sobre a Maria Armanda ter fugido do convento, roubado o dinheiro e que deve estar em algum lugar na Espanha. Desta forma a sobrinha de Luiz está mais segura em Portugal, tanto mais que há um mandado de captura contra a tal Armanda. Ela não ousará entrar em Portugal. Luiz de Lupa entrega ao Américo Monteiro uma breve carta para a sobrinha, onde diz para Antenea de Lupa vir o mais depressa possível a Badajoz. Ele tem uma surpresa agradável para ela. E que está com muitas saudades dela e da pequena Antenea.
Alguns dias mais tarde ao receber a carta do tio, a senhora de Lupa fica feliz de saber o seu tio em vida e que vai recuperar os seus bens. Mas não fica muito entusiasmada com a idéia de voltar na Espanha. Por um lado quer muito ver e abraçar o seu tio. Também está curiosa de saber que tipo de surpresa o tio Luiz tem em reserva para ela. Por outro lado, porém, tudo o que sofreu em Espanha ainda está bem presente no seu espírito. Depois de se aconselhar com a família Silveira, resolve mesmo ir a Badajoz. O Afonso lhe recomenda o máximo de cuidado, pois a sua inimiga certamente está em Espanha. Ela o tranqüiliza dizendo que redobrará de prudência. Escreveu uma carta ao tio a dizer que vai vê-lo no final de semana seguinte, ficará ali sábado e domingo. Assim uma semana mais tarde, ela e a Antenea pegam o trem para Badajoz.
Entretanto na fazenda da província de Cárceres a Maria Armanda se farta da família Jimenez, briga com a Paquita e despede-se. Volta para a Badajoz e chega na hospedaria da Maruja, mas esta lhe diz que só pode ficar um dia ou dois, pois no final de semana seguinte os quartos estão todos reservados. Mas não é por isso, Maruja não gosta dela e ainda por cima ela deixou a sua irmã sem empregada. A Maria Armanda está decidida a tentar tudo para levar Paco, junto com ela, para Setúbal.
Na noite seguinte ela vai ao quarto dele e passa a noite com ele. Em principio ele não quer isso, mas o desejo é mais forte. Para ela, as relações sexuais são um meio para o controlar e levar a sua vingança até ao fim. No entanto Paco depois que conheceu o dono da casa dos de Lupa já não está interessado em ir a Portugal. O seu instinto lhe diz que em breve ele vai recuperar a memória. Diz à Armanda claramente que não vai com ela para Setúbal. Ela fica furiosa e tenta fazer chantagem com ele usando o sexo, mas a artimanha não pega. Paco lhe diz que não quer mais nada com ela. Então ela tenta agredi-lo, mas ele se defende e prega-lhe duas bofetadas na cara tão fortes que a lançam ao chão. Cheia de raiva ela levanta-se, atirando-se a ele de cabeça, bate-lhe em pleno peito. Com a violência do choque Paco cai para trás e dá com a cabeça na esquina da cômoda, ficando estendido no chão inanimado. Armanda fica aflita e como não sente a respiração de Paco pensa que ele está morto. Vai ao quarto dela pegar a sua bagagem. Como ainda faz escuro, sai da hospedaria sem fazer ruído. Chega ás Puertas de Palma e atravessa a ponte dirigindo-se para a estação do trem. Tinha causado a morte do filho, agora vai matar a mãe. A sua vingança vai ser completa.
Quando Maruja desce fica admirada de não ver Paco no vestíbulo da entrada. Então vai ao quarto dele e fica assustada, vendo tudo em desordem e Paco estendido no chão. Abaixa-se e sente a respiração dele. Graças a Deus ele está vivo! No entanto têm a cabeça cheia de sangue. Logo chama o médico que mora duas casas mais longe. Este examina o ferido, vê uma pequena contusão e que está desmaiado. Com a ajuda da Maruja o médico deita Paco na cama, trata-lhe a ferida e tenta reanimá-lo. Aos poucos Paco volta a si, mas está prostrado e não articula uma só palavra. O médico achando que tudo está bem, diz á Maruja para o deixar repousar.
Entretanto a Armanda chega na estação do trem. Só tem um para Portugal às onze horas. Terá de esperar várias horas. Quando chega o trem dela, na outra linha chega também um vindo de Portugal. Enquanto está buscando um assento ela não vê a sua inimiga descer do outro trem, acompanhada pela filha. E a Armanda tão pouco foi vista pela sua inimiga. Tinham-se desencontrado! A sua determinação de vingança, porém está bem acesa no espírito dessa megera.
Ficando a sós no quarto Paco aos poucos saiu da sua prostração e o filme da sua vida começa a desenrolar-se na sua mente. Ele não está mais amnésico. Ele sabe que em breve vai com certeza reencontrar e abraçar duas pessoas muitas queridas, a sua mãe e a sua irmã.

                                                                     Reencontros

Maruja manda prevenir Luiz do que aconteceu ao sobrinho. Imediatamente ele vem no quarto de Antônio. Quando o viu este se abraça a ele e dizendo: Mi tio... mi tio... As lágrimas correm-lhe pela cara. Emocionado Luiz de Lupa o aperta nos braços com carinho. Depois Antônio conta o que se passou no quarto com a Armanda. Luiz empalidece, essa doida é capaz de tudo.
Aí ele explica a Antônio que essa Armanda se quer vingar da sua mãe, logo ele se levanta e diz a Luiz para irem logo para Portugal. Porém, Luiz o tranqüiliza dizendo que sua mãe não terá problemas, ele está cuidando de tudo.
Enquanto eles estão conversando, alguém chama Luiz no vestíbulo. É a criada dizendo que venha logo. Alguém està esperando por ele lá em casa. Luiz sabe quem é, mas não diz nada a Antônio. Só lhe recomenda para se repousar. Mais tarde virá buscá-lo para jantarem juntos.
Quando chega a casa vendo as suas duas sobrinhas, fica tão emocionado que não pôde reter as lágrimas. Abraçando-se muito forte os três ficam chorando de alegria por este reencontro. Depois de terem almoçado, na sala a senhora de Lupa conta ao tio tudo o que sofreu com a morte do marido e dos filhos. A sua fuga e a luta com os guardas. Fala também da Maria Armanda se querer vingar dela. Um dos guardas era o namorado dela. Luiz, porém, nada diz sobre isso.
Mais tarde a sobrinha pergunta-lhe sobre a surpresa. Ele responde: A surpresa vai chegar á hora do jantar. Quase à noitinha ele sai e vai à hospedaria buscar Antônio. Este já está restabelecido embora a cabeça ainda doa bastante. Quando entram na casa de Luiz, Antônio ouve uma melodia tocada ao piano. É uma bela interpretação da marcha turca de Mozart, emocionado, ele sabe quem está tocando aquela melodia. Olha o tio e este sorri fazendo sinal para ficar calado, pega-o pelo braço e sem fazer ruído se aproxima da sala. Ali Antônio vê a sua mãe de costas para a porta ao piano e sua irmã sentada ao lado dela. Quando ela acaba de tocar os dois homens aplaudem. Voltando-se, primeiro é a surpresa, depois as lágrimas e logo se abraça ao filho. A pequena Antenea também se agarra ao irmão. Choram de alegria. O tio Luiz contempla a cena, emocionado com este reencontro do que resta da família de Lupa. Para ele esta é a melhor coisa que lhe aconteceu nos últimos tempos. Durante o jantar Antônio conta que na luta com os revolucionários embriagados viu o pai e o irmão serem mortos. Ele sentiu um golpe na cabeça e a partir daí foi o buraco negro na sua mente. Só se lembra de ter recuperado os sentidos numa carroça puxada por dois cavalos. Contou como Paquita e Pablo cuidaram dele e depois como a Armanda o levou na propriedade e como ali ele teve alguns lampejos de luz na sua mente. Também que na noite anterior a Armanda queria que ele fosse com ela para Setúbal. Aí ele ficou sabendo que, a razão de todo o interesse da Armanda nele, era para se poder vingar de sua mãe. Ficou sabendo que ela tinha roubado o dinheiro à Madre e que há um mandado de captura contra ela em Portugal. Antônio está seguro de que ela embarcou no primeiro trem para Portugal. Aí a mãe disse que o Américo, sabendo que ela está em Badajoz decerto vai aparecer. Assim ele informará a Madre de que a Armanda estará em Portugal. Por sua vez a Madre avisará as autoridades.
No dia seguinte, sendo domingo, o Américo chega no meio da manhã. Ao almoço Luiz está feliz de poder ter na sua casa tantas pessoas à mesa. Américo, porém não tira os olhos da senhora de Lupa. Com 51 anos ele está verdadeiramente apaixonado por aquela linda mulher de 43 anos. No entanto embora o considere como um bom amigo, a senhora de Lupa não corresponde aos sentimentos dele. Quem gosta muito do Américo é a Antenea, quando ele vai a Setúbal leva sempre algum presente para ela. Também a leva a passear na camioneta e durante os seus passeios conversa muito com ela. Antenea o considera um pouco como seu pai. Como faz um lindo dia eles vão todos no jardim e ali Luiz também conta como ele viveu a Guerra Civil no seu posto como embaixador de Espanha. Não era fácil todo o dia, ora vinham os simpatizantes dos revolucionários ora os dos franquistas, muitas vezes teve de solicitar a intervenção das autoridades francesas. Porém, a morte da sua querida esposa Mari Ángela foi o que mais o fez sofrer. Aqui a senhora de Lupa lembrou que Mari Ángela tinha sido para ela uma segunda mãe. Antenea ainda se lembra dela e diz que era uma linda tia. Antônio também se lembra de quando ele era menino. A tia foi muito amiga dele durante o período em que ele viveu naquela casa. Américo aqui interveio na conversa para falar também da morte de sua esposa. E como é difícil para ele viver sozinho, pois não tem filhos. Luiz disse então que embora não tivesse tido filhos, no entanto a sua sobrinha e os seus sobrinhos netos lhe deram muitas alegrias. Claro ele não falou nem de Manolo nem de Miguel por respeito à sua sobrinha. Foi Antenea que falou dizendo que tinha saudade do pai e do irmão Miguel. Aqui se fez um silêncio e a senhora de Lupa digna disse:
– Meus queridos, sabem, já fiz o luto dos meus mortos. Durante dois anos cada dia a sua memória me fazia sofrer, sabendo que foi para nos defender que eles foram mortos. Aos poucos a ferida foi fechando e agora já passo melhor, e agora sabendo o meu filho Antônio vivo, ainda vai ser mais fácil para eu poder suportar essa dor. – fazendo um silêncio continuou – Tio, por acaso você não sabe nada da família do Manolo?
Luiz:
– O teu cunhado também foi assassinado pelos revolucionários e a tua sogra faleceu no fim do ano passado. A única herdeira é uma sobrinha dela que vive em Plasencia. Mas acho que a parte de Manolo deve vir por direito à nossa Antenea. Já falei com o advogado e o notário eles estão a tratar do assunto.
A senhora de Lupa:
– Eles tinham algumas propriedades em Cárceres e Plasencia, como o meu cunhado nunca casou é lógico que a herdeira universal é a Antenea, que é neta da proprietária falecida. Claro como estávamos desaparecidas é natural que pensaram na sobrinha. A meu ver a única herdeira de tudo é a minha filha.
Luiz:
– Vendo as coisas desse ponto de vista acho que tens razão. Amanhã irei ver o notário para tentar regularizar a situação. Quanto a tudo o que te pertencia bem como a Manolo está praticamente tudo arranjado. Resta apenas esta casa que como sabes pertence à nossa família por mais de cem anos. Como somos os únicos membros vivos a metade dela é tua e a outra metade minha.
A sobrinha sorrindo:
– Querido tio enquanto o senhor viver esta casa é só sua, sempre viveu aqui; portanto fale com o notário, para que ele prepare documentos em como você tem o pleno usufruto desta casa enquanto viver. De todas as maneiras eu estou vivendo em Setúbal, tenho lá o meu trabalho e a Antenea o colégio e os seus amigos. Não penso voltar a Badajoz tão cedo.
Enquanto os outros ficaram conversando ela chamou o Américo à parte.
Calmamente falou assim:
– Américo, eu sei que o senhor gosta muito de mim e quer refazer a sua vida comigo. Agradeço-lhe toda a bondade que me tem demonstrado. Depois que nos conhecemos você tem sido incansável em nos ajudar a Antenea e a mim. No entanto, sem o querer magoar, tenho de lhe dizer uma vez mais não poder corresponder aos seus sentimentos.
Américo decepcionado:
– A senhora sempre foi muito direta neste assunto e lhe agradeço por isso; mas quando me pediu para falarmos à parte pensei que talvez tivesse alguma boa noticia para mim.
Ela um pouco envergonhada:
– Simplesmente quis ser clara com o senhor, sei que você gostaria de uma resposta afirmativa da minha parte, mas por agora não posso lhe ser agradável. No entanto, se um dia mudar de idéia e se o senhor ainda estiver livre, eu falarei consigo.
Américo:
– Ao menos tem uma coisa boa, a senhora é muito sincera e honesta comigo. Mas saiba algo, esperarei até a senhora mudar de idéia. Não me casarei com ninguém. Quando os seus sentimentos mudarem, quero estar livre para me casar com você.
Depois se juntaram aos outros e ali falaram de Antônio. A mãe acha que ele deve vir com ela para Setúbal. Ele, porém, tinha decidido continuar a trabalhar na hospedaria. Se o tio Luiz estiver de acordo, ele ficará morando nesta casa. Claro que o tio está feliz de poder ter o sobrinho com ele. Logo chegou a hora da partida. O Américo ofereceu-se para deixar a mãe e a filha na estação. Despediram-se, mas o Luiz assegurou as sobrinhas que em breve Antônio e ele vão visitá-las a Setúbal.
Entretanto em Setúbal a Maria Armanda mora numa pensão. Como uma sombra, ela roda na Praça do Bocage. Espia a família Silveira e aos poucos começa a conhecer os hábitos da casa. Um dia a pequena Antenea passa tão perto dela que esteve quase para a raptar, mas não ousou, estavam várias pessoas na praça. Apercebeu a sua inimiga algumas vezes, mas nunca se pôde aproximar. No entanto a sede vingança está bem acesa dentro dela. Em breve vai pôr o seu plano à execução.
Um dia por volta do meio dia Américo está chegando a Setúbal pela estrada das Praias do Sado e avista a Maria Armanda num terreno vago, perto de um navio ancorado. Mais adiante em direção ao descampado vê a sua amada de passo apressado, caminhando estrada acima. Que loucura! Pensa Américo. Então acelera, onde pôde vira à esquerda. Nisto vê Armanda tirar do bolso da saia uma pistola quando a sua amada está já bem na mira dela. Ele não pensa nem uma nem duas, acelera ainda mais e avança a toda a velocidade, aos solavancos, em direção da malvada. Esta quando viu a camioneta vir sobre ela, atira nela varias balas. O pára-brisa explode com os impactos. A camioneta não pára e o choque é tremendo. A Armanda vai pelos os ares e tomba vinte metros mais longe. A camioneta se imobiliza. A senhora de Lupa corre em direção ao veículo, abre a porta e vê Américo inanimado caído sobre o banco, sangrando muito dum braço. Á primeira vista é a única ferida. Usando um lenço, ela faz um garrote bem apertado. Sai e avista vários guardas chegando no local. Olha a Maria Armanda, aproxima-se dela para ajudá-la e vê-a levantar a mão de pistola em punho, apontando na sua direção. Então num ápice tira a navalha da liga, lança-a acertando em cheio no pescoço. A sua inimiga se imobiliza, está morta!
Logo Américo é socorrido. Ele e a senhora de Lupa em estado de choque são conduzidos ao pequeno hospital da cidade. Ainda naquele dia tiveram de ir ao posto da guarda prestar declarações. Tanto a senhora de Lupa como Américo podem ficar presos. No entanto Afonso Silveira mostra ao comandante um papel escrito pela Maria Armanda onde ela marca encontro com a senhora naquele local. Indo ao ateliê de costura ele vê o papel e chama as autoridades. Dizia assim: Querida amiga, embora penses que sou tua inimiga, não sou não. Venho-te trazer noticias que vão alegrar o teu coração de mãe. Teu filho Antônio está vivo. Vem pelo meio dia de amanhã, perto do navio atracado à entrada das Praias do Sado, ali te darei todos os detalhes de como o podes encontrar, na medida em que ele está amnésico. Tua amiga Maria Armanda.
Assim em vista dos acontecimentos o comandante viu que se tratava de uma infame armadilha para matar a senhora de Lupa. Neste caso o assunto será arquivado!
Já em casa dos Silveira Américo disse:
– Acho que foi muita inconsciência da sua parte ir nesse local, mesmo sabendo você o seu filho bem e onde está.
A senhora de Lupa:
– Meu amigo eu fui porque queria encerrar este assunto de uma vez para sempre. Eu sabia que à navalha ela não teria nenhuma chance comigo...
Interrompendo Américo disse:
– Mas uma navalha contra uma pistola você não teria salvação possível.
Ela:
– Pois aí tem razão e se não fosse o Américo a esta hora eu estaria morta.
Américo:
– Quando a vi de pistola em punho não hesitei e estou feliz por o caso ter ficado resolvido, nem os nossos nomes foram citados.
O Silveira:
– Espero que no futuro me ponha ao corrente sem demora, cada vez que haja um assunto importante com a senhora. Não gostei nada da sua atitude, embora compreenda os seus motivos.
Diz ela:
– O senhor Afonso tem razão, acho que fui uma inconsciente, não só arrisquei a minha vida como a do Américo. Poderíamos mesmo ter sido presos, se não fosse a maneira como o comandante arranjou o processo. Peço perdão a vocês pela maneira como agi.
No dia seguinte o Jornal de Setúbal relatava o ocorrido:
Por volta do meio dia de ontem uma mulher contra quem havia um mandado de captura, foi abatida pela GNR. Passou-se no descampado à entrada da cidade, vários disparos foram ouvidos no local. A criminosa estava armada de uma pistola. Os guardas agiram em estado de legitima defesa. Ela se chamava Maria Armanda Rodrigues e era natural de Campo Maior.
O reencontro das duas inimigas foi dramático, mas uma era de paz e felicidade está enfim à vista para a senhora de Lupa e sua filha Antenea. Mas seria também a felicidade para Américo?

                                      A mocinha Antenea

Um domingo, algum tempo depois, Américo passa o dia em Setúbal e pela tarde vai passear com a sua amada no jardim da vila. È já no fim da primavera o jardim está lindo, cheio de flores coloridas e o dia ameno propenso ao romantismo. O casal de mão dada aparenta estar feliz. Mais adiante uma surpresa os espera. Antenea e Arnaldo estão conversando junto ao pequeno lago do jardim. Quando ela apercebe a sua mãe de mão dada com Américo, corre e abraça-se aos dois. Diz:
– Não sabem quanta felicidade me dão vê-los assim juntinho. Gosto muito da minha mãe, mas sempre considerei o Américo como um pai.
Américo
– Não te entusiasmes muito pequena, a tua mãe ainda não me deu o sim.
A mãe:
– Isso é verdade, mas depois de tudo o que estivemos conversando ele já entendeu que é sim.
Antenea:
– Mamita como estou feliz. Sei que a senhora fez a boa escolha. Agora temos de preparar a boda o mais rápido possível.
– Tudo no seu tempo minha filha. Tudo no seu tempo. – diz a mãe.
Mais tarde na casa dos Silveira, ao jantar, eles fazem o anuncio oficial do seu noivado. Afonso desce á cave buscar uma garrafa de champanhe em reserva para as boas ocasiões. Desta forma festejam aquela excelente noticia.
Seis meses mais tarde, o casamento realiza-se na Igreja Matriz de Campo Maior. Os Silveira sendo os padrinhos de Américo, o tio Luiz e a mocinha Antenea os padrinhos da noiva. A Madre Superiora organiza a festa de casamento na grande sala de jantar do convento. Antenea e Antônio estão muito felizes por ver a sua querida mãe enfim feliz.
Os noivos não ficam a viver em Campo Maior na casa de Américo. Devido ao trabalho da senhora de Lupa eles resolvem alugar uma casa em Setúbal o que foi muito difícil.
Por causa da guerra grassando na Europa a situação em Portugal é má. O governo português fornece o abastecimento alimentar as tropas alemãs e o povo no país passa fome. As vergonhosas senhas de racionamento são concedidas ás famílias ao conta-gotas. Em poucas horas os estoques de alimentos nas lojas se esgotam. Mesmo para se encontrar lugar para viver não é fácil. Devido à situação as pessoas raramente mudam de casa. Afonso, porém, com os seus conhecimentos, consegue uma casa bonita com quintal para os seus amigos recém casados morarem. Os anos de 1943 até meados de 1945 são negros para o povo português, o desemprego e a fome grassam no país. O trabalho é escasso. O comércio e a indústria estão parados, no entanto as famílias Silveira e Monteiro nunca passaram mal.
Depois de terminar a guerra a atividade comercial e industrial retoma aos poucos o seu curso normal. Arnaldo e Antenea após terminarem a sua instrução primária passaram a freqüentar o Liceu de Setúbal, ou seja, a Escola Secundária de Bocage. No dia em que Antenea festejou os seus 17 anos, eles vão á praia do Portinho da Arrábida. Esta era naquele tempo, uma praia calma, romântica e propicia ao amor. Ali Arnaldo pede-lhe namoro. Mas seguindo os conselhos de sua mãe, ela disse-lhe ser ainda muito nova para namorar, talvez dali a um ano ou dois. No entanto Arnaldo não aceita bem a resposta e deixa de lhe falar. Quando o pai se deu conta disso teve uma longa conversa com Arnaldo. Primeiro ele respondeu que ele não era o seu verdadeiro pai e que não se devia meter no assunto. Logo pede desculpas ao pai e aceita os conselhos dados. Depois disso as relações entre os dois adolescentes melhoram.
No inicio de 1946 Arnaldo vai prestar o seu serviço militar no quartel de Queluz perto de Lisboa. Foi aí que Antenea se dá conta do que ele representa para ela. Como ela sente a falta dele! Quando ele vem a casa uma vez por mês ela fica toda vermelha cada vez que ele a aperta nos braços. Dois anos passam!
O seu serviço militar cumprido Arnaldo parte de novo, mas desta vez para Coimbra a fim de se formar em direito. Antenea uma vez mais sofre pela sua ausência.
No fim do ano escolar tendo resultados excelentes, Afonso o pai, tem de novo uma conversa com ele. È talvez tempo de resolver a vida dele com Antenea. Porém, Arnaldo confessa ao pai ter uma namorada em Coimbra. O pai não gosta da notícia, mas como o filho já é de maior idade, ele não o censura, mas diz que Antenea gosta dele e o está esperando. Mas nada a fazer ele está apaixonado pela moça. Ela também é estudante na universidade. Para ele Antenea é apenas como uma irmã.
Quando Antenea soube disso, para ela foi o seu primeiro desgosto de amor! Falando com a mãe, a acusa de a ter desencorajado de aceitar a proposta dele e agora ele tem outra. Tendo muita experiência da vida a senhora de Lupa se abraça à filha e diz que ela só tem 20 anos e que os amores de estudante são efêmeros. Que tivesse confiança, com toda a certeza ela ainda vai ser muito feliz. Para Antenea os braços de sua mãe e suas palavras carinhosas têm o condão de a acalmar e deixar segura de si. No seu quarto, olhando-se no espelho, a imagem refletida é a de uma bela moça de cabelos negros longos, de pele clara, olhos negros e lábios carnudos. Decerto a namorada de Arnaldo não é tão linda quanto ela. Ali decide partir à conquista do seu amor. Ela herdou de sua mãe o espírito de luta pela vida e não é uma qualquer que vai impedi-la de ser feliz com o homem amado. Como terminou os estudos secundários naquele ano, foi ter com a mãe à sala, tendo o seu diploma na mão.
Decidida falou:
– Mamita, você vai perder uma costureira, mas vai ganhar uma advogada. Está decidido, se estiver de acordo, vou para Coimbra prosseguir meus estudos.
A mãe:
– Pensas que me enganas. Eu já fui jovem como tu e sei que o teu objetivo principal não é ser advogada, mas reconquistar o Arnaldo.
Antenea corada disse:
– Sabe que nunca te engano e você me conhece bem. Uma coisa é certa se puder atrair o meu amado e ao mesmo tempo me formar em direito, isso será juntar o útil ao agradável.
A mãe:
– Acho que tens razão eu estou de acordo e como do ponto de vista financeiro não temos problemas, no próximo ano escolar irás para a Universidade de Coimbra.
Ao principio não foi fácil para Antenea se adaptar à vida estudantil. Uma das razões disso é que apenas uma dúzia de moças freqüenta a Universidade. No inicio dos anos cinqüenta a mulher ainda é considerada um ser inferior e os colegas masculinos não têm por elas o respeito devido. Mesmo uma boa parte dos professores não acredita que mulheres se possam formar. No entanto aos poucos aquela pequena minoria de alunas mostra ser em alguns casos, mais aplicadas nos estudos do que os rapazes. E os resultados escolares mostram a mesma coisa.
Antenea chegou a ser uma das melhores alunas, isso começou a merecer o devido respeito por parte da gente masculina da Universidade. E logo alguns colegas começam a cortejá-la. Mas ela não dá muita importância a isso. O seu objetivo é reconquistar o Arnaldo; mas ele raramente fica falando com os colegas. No fim das aulas parte de braço dado com a sua noiva Arlete Martins. Embora não seja amiga dela, Antenea simpatiza com a noiva de Arnaldo Ela por sinal, também é uma aluna inteligente e aplicada nos estudos. Aos poucos elas começam a se confiar uma à outra. Assim Antenea soube que Arlete não pensa prosseguir o namoro com o Arnaldo depois se formar no final do ano. Ela tem projetos internacionais e não quer casar já. Em França vive um tio dela que lhe vai dar a oportunidade de ocupar um cargo importante numa grande empresa francesa. Antenea pergunta o que Arnaldo pensa disso. Arlete respondeu que já tinham falado no assunto e que ele está fazendo tudo para a guardar, mas ela está disposta a terminar tudo já, só não o quer fazer sofrer. Antenea nada disse sobre o seu segredo em relação ao Arnaldo.
Um dia há uma festa estudantil que prossegue até tarde da noite. Aí um dos rapazes participante da festa, cantando lindos fados de Coimbra, se aproxima de Antenea. Como bebeu demais começa a ser indelicado com ela. Para evitar problemas ela se retira, mas o rapaz vai atrás dela. Arnaldo que assiste à cena, quando vê o outro seguindo Antenea, chega junto dele e diz para ficar quieto e não incomodar mais a moça que é sua meia irmã. Aqui Arlete que está junto, fica surpreendida, pois ele nunca lhe falou sobre isso. Entretanto o outro rapaz que não gosta da intervenção de Arnaldo, o soca no estômago. Arnaldo se defende e aí começa um tumulto uns defendem Arnaldo e outros o embriagado. Antenea que assiste à cena junto com Arlete se enerva.
Com voz forte brada:
– Por favor, parem com isso! Eu não preciso que me defendam, na minha família as mulheres sempre souberam defender a sua honra sozinhas.
Arlete:
– Mas Arnaldo só está a defender a sua meia-irmã.
Antenea:
– De todos modos não quero lutas por minha causa. Fiquem quietos e portem-se como homens!
Devido à sua voz forte e autoritária os ânimos aclamam e a festa continua. Com passo apressado Antenea dirige-se para o seu alojamento, porém, sente alguém atrás dela, é a Arlete. Seguem juntas e Arlete, surpreendida, fala sobre Antenea ser meia irmã de Arnaldo. Aí Antenea conta toda a verdade à Arlete, mesmo sobre estar enamorada dele depois de menina. A partir dessa noite elas começam a ser amigas de verdade. Quem não está gostando disso é o Arnaldo. Como Antenea está granjeando o respeito de todos os alunos, tanto os do sexo masculino com os do feminino, ele quase não lhe fala.
No fim do ano, em Setúbal, juntos eles puderam ter uma grande conversa. Antenea está muito decepcionada com Arnaldo devido não só a ter mentido sobre ser sua meia-irmã, bem como provocar uma zaragata para a defender. Arnaldo, no entanto reconhece os seus erros e as relações entre ambos melhoram.
Como se inaugura uma nova sala de cinema em Setúbal com o filme português "Capas Negras", eles foram juntos. Tal filme trata da vida estudantil em Coimbra. Eles riram bastante, pois a vida deles na Universidade é mesmo como se passa no filme. No caminho de casa Arnaldo confia que Arlete tinha terminado o namoro. Mas que ele estava ainda muito apegado a ela, porque durante algum tempo até tinham vivido juntos. Devido aos pais dela tiveram de se separar. E depois ela veio com o projeto de ir para França e isso acabou de arruinar a relação deles. Antenea fala que está ao corrente de tudo isso. Arlete tinha contado para ela. O importante para ele agora é apegar-se aos estudos com afinco. O próximo ano vai ser decisivo, ele se formará em direito. Ela, porém, ainda terá de fazer mais dois anos. Após a formatura, ela vai fazer um estagio no gabinete do advogado da mãe o doutor José Pereyra.
No ano seguinte em Coimbra, os dois jovens ficam mais próximos um do outro. Tomam refeições, estudam e passeiam juntos. Lá pelo final do ano vão passear no choupal, nas margens do rio Mondego, aí agarradinhos um ao outro se beijam com muita ternura. Arnaldo queria que ela passasse aquela noite com ele, Antenea, porém disse que por respeito pelos pais dele e pela mãe dela não devem fazer isso. Embora ele não goste disso, no entanto acha que ela tem razão.
Um dia em Setúbal, estando as duas famílias juntas almoçando, Arnaldo anuncia o seu noivado com Antenea. Todos os felicitam. A senhora de Lupa aperta a filha nos braços e a beija muito. Fixando sua mãe nos olhos é como se lhe estivesse dizendo:
Mamita, você tinha razão.
No verão daquele ano as famílias de Lupa e Silveira se reuniram em Badajoz para festejar a formatura do Arnaldo. A partir de agora, ele é o doutor advogado Arnaldo Silveira. Nesta qualidade ele solenemente anuncia o casamento com Antenea para o verão seguinte. Foi uma alegria para todos. Antenea está radiante. A mãe ainda mais. Antônio aproveita para anunciar o seu namoro com uma moça de Mérida. O tio Luiz vai à cave buscar umas garrafas guardadas para quando há festa. A mãe se senta ao piano e toca alguns tangos e pasos dobles. Naquele dia a calle de San Juan vibra com o ambiente de festa na casa dos de Lupa.
No entanto Américo parece preocupado, vê-se que não está feliz como os outros. Mas ninguém dá por isso. Ele tinha aumentado a sua pequena empresa de transportes. Já possui duas camionetas e emprega dois motoristas. Também comprou um carro e ensinou a esposa a dirigir e a obter sua carteira de motorista. Muitas vezes ele se ausenta sem dizer aonde vai. Tem períodos que nem dorme em casa. Embora Antenea de Lupa tenha confiança nele por vezes acha estranhas as suas ausências. Ele diz que está tratando dos seus negócios. Como a clientela está aumentando ele tem de trabalhar mais até poder comprar outra camioneta. Ela lhe diz que como uma das suas propriedades foi vendida ele poderá utilizar esse dinheiro para a compra. Ele responde que não, quer aumentar a sua empresa por ele mesmo, sem a ajuda dela. Ela acha que ele está sendo muito orgulhoso.
No verão de 1954 teve lugar o casamento de Antenea e Arnaldo, foi uma linda cerimônia religiosa em Setúbal e mais de 200 convidados compareceram á festa numa fazenda em Palmela. A noiva está lindíssima de vestido branco de cauda confeccionado por sua mãe. Antônio apresenta sua noiva a todos os convivas. Chama-se Angelines Ferrero, tem 24 anos e é uma linda moça alta de cabelos castanhos. A senhora de Lupa está feliz embora esteja preocupada com o tio Luiz Depois de algum tempo ele não se está sentindo bem. A viagem de Badajoz a Setúbal e a festa de casamento cansam-no muito. Pede para o levarem ao hospital, pois se sente indisposto. Embora simplesmente tivesse sido o cansaço que o pôs assim, o médico recomenda para fazer alguns exames. Ele acha que o coração de Luiz está batendo irregularmente e com 80 anos é necessário fazer atenção à sua saúde. Os recém casados instalam-se numa linda casa à entrada de Setúbal, presente de casamento dos Silveira e os de Lupa. Foi interessante como eles preparam a surpresa.
Os noivos estiveram buscando alugar um apartamento e como não encontraram tinham decidido ficar a morar provisoriamente com os Silveira. A surpresa foi quando no fim da festa, eles pedem ao Afonso para os levar a casa. Em vez de parar na praça do Bocage, Afonso continua até ao Bonfim e pára diante duma casa acabada de construir. No outro carro vem Américo a esposa, Antônio e Angelines.
Afonso sai do carro e abre a porta da casa dizendo aos noivos:
– Pediram para os trazer a casa, bem esta é a vossa casa. Antenea e Arnaldo não sabem o que dizer. Ao entrarem deparam com uma linda decoração e móveis novos. O quarto está mobiliado todo em branco. Cortinas brancas e reposteiros cor de rosa discreto. Tudo arrumado com muito bom gosto. Os noivos ficam felicíssimos com este seu ninho de amor! Todos se abraçam e Antenea só diz:
– Obrigada, obrigada, obrigada!
Nesse ano ela já não vai para Coimbra, continuar os estudos. Por esse motivo nunca se chegou a formar em direito, mas vai trabalhar como secretária no gabinete do doutor José Pereyra que a aprecia muito. Ela é muito eficaz e competente no seu trabalho. Arnaldo trabalha em Lisboa num grande gabinete de advogados. Durante um ano eles vivem uma verdadeira lua de mel. E têm projetos de aumentar a família. Mas aos poucos o casal se dá conta de que algo não está bem com Antenea. Os vários exames médicos mostram que Antenea é estéril. Isto constitui uma enorme decepção para ambos. A partir daí Arnaldo começa a mudar de comportamento em relação à esposa. Aquele homem carinhoso do principio de casados dá lugar a alguém distante e frio. Antenea sofre muito com isso. Mas não baixa os braços. Numa clinica particular de Lisboa há um médico ginecologista que está aplicando um novo método americano de fertilização artificial. Durante vários meses ela segue esse tratamento. O doutor lhe garante que com o tempo ela ficará grávida. Numa noite em que Arnaldo está de bom humor, eles falam do assunto e a partir daí as coisas melhoram. E algum tempo depois ela anuncia a sua gravidez. Arnaldo fica feliz e passa a ser muito carinhoso com ela. Aos quatro meses da gestação ela sentiu-se mal e foi levada ao hospital de urgência. Ali dá à luz um prematuro do sexo masculino que não sobrevive. Isto é um golpe terrível para ela. E para Arnaldo é ainda pior. No entanto as famílias estão lá para os apoiar. Antenea tem na sua mãe o braço forte onde se pode amparar.
Porém, de novo Arnaldo está frio e distante. Nem sequer tem relações sexuais com ela. Com o tempo Antenea chega à conclusão que com certeza Arnaldo tem por aí alguma amante. No entanto ela prefere guardar isso para ela. Durante um ano as coisas não melhoram entre eles. Uma tarde, dado que a sentiu cansada, o Doutor Pereyra a deixa sair mais cedo. Ao chegar a casa estranha ver o carro do marido diante da porta. Entra e na sala não há ninguém. Porém, ouve sons estranhos vindos do quarto, aproxima-se sem fazer ruído. A porta está entreaberta. Empurrando-a suavemente vê o marido e a antiga noiva Arlete Martins a terem relações sexuais na sua própria cama. O sangue ferve-lhe nas veias, agarra na roupa da outra e puxando-a por um braço, a arrasta até à porta, a põe na rua completamente nua e atira-lhe a roupa e os sapatos à cara. Ao Arnaldo não fez nenhuma cena, só lhe disse:
– Estou certa que depois que ela veio da França é tua amante. Mas vir fazer isso na minha cama é imperdoável.
A partir daí não lhe dirige mais a palavra. Mais tarde sai e vai á casa da sua mãe lavada em lágrimas. Lá uma vez mais obtém o reconforto e o carinho necessários.
Perguntou:
– Mamita que devo fazer? Devo deixá-lo? Comigo não tem relações e veio tê-las na minha própria cama com ela. Que fazer?
A mãe:
– Sabes querida como casaste pela Igreja nunca te poderás divorciar. A situação é muito difícil só o Vaticano poderá anular o teu casamento, mas isso leva anos e ainda por cima custa muito dinheiro.
Antenea:
– Mamita, é justo eu ser obrigada a viver toda a minha vida com um homem que me fez uma afronta dessas?
A mãe:
– A lei está assim feita. Portugal fez uma concordata com o Vaticano onde o assunto do divórcio é bem claro. Quem casa pela Igreja não se poderá divorciar nunca!
Antenea:
– Sei disso, também conheço a essa lei. Sabe o que vou fazer? Quando chegue a casa vou pôr tudo o que é dele no quarto dos amigos e não dormirá mais comigo. Nem sequer lhe falo mais.
A mãe:
– Não sei se é a melhor solução, mas assim talvez ele chegue a reconhecer o mal que te fez. Mas tem coragem continua a luta pela tua vida e quem sabe se mais tarde ou mais cedo vocês ainda voltarão a ser felizes.
Antenea assim fez e durante seis meses não falou ao Arnaldo, nem lhe preparava as refeições. Entretanto a Senhora de Lupa também se inquieta acerca do Américo. Em certas noites não dorme em casa e quando volta dorme durante um dia ou dois. Quando pergunta algo sobre isso ele responde: Os meus negócios. Ela então pensa se ele não terá também uma amante como o genro; mas logo se diz que isso não é possível, como ele envelheceu muito nos últimos dois anos, certamente não será fácil arranjar amantes. Então o que passa com ele? Que negócios são esses? Porque fica fora de casa? A resposta ás suas preocupações obteve-a uns dias mais tarde. Fazia já três dias que Américo não vinha dormir. Pela tarde veio no Ateliê um agente da Policia de Segurança Pública falar com ela. Perguntou se ela era a senhora Antenea de Lupa Monteiro e se o marido dela era bem Américo Monteiro. Estranhando essas perguntas ela respondeu que sim. O agente, sem nenhum tato, disse:
– O seu marido foi assassinado na noite de ontem num lugar chamado a Bica da Costa no Pendão entre Amadora e Belas. Não se sabe muito sobre isso, mas um de seus amigos chamado Ramiro Novais está preso.
Empalidecendo e se segurando à parede para não cair ela respondeu:
– Não é possível, o meu marido não fazia mal a ninguém. Era uma excelente pessoa.
O agente:
– Olhe minha senhora eu não estou autorizado a lhe revelar o caso. Mas como amanhã a senhora tem de ir ao necrotério do hospital de S. José reconhecer o corpo, decerto a Policia Judiciária a porá ao corrente do ocorrido.
Em Lisboa perto do hospital, na banca dos jornais, ela vê que "O Século" traz estampado na primeira página o titulo: Um traficante de falsos dólares assassinado na Bica da Costa.
Compra o jornal e lê o seguinte:
Na madrugada de ontem por volta das duas horas, alguns homens estiveram reunidos no lugar chamado Bica da Costa perto do Pendão.
Segundo a Policia Judiciária trata-se de um caso de tráfico de falsos dólares. Dois desses homens parecem ser brasileiros.
Os outros dois são portugueses, um tal Ramiro Novais, alcunhado "o Ministro", individuo bem conhecido da justiça por vários tráficos ilegais e Américo Monteiro proprietário de uma empresa de transportes de Setúbal. No decorrer dessa reunião, Américo Monteiro recebeu duas balas no tórax. Quando Ramiro Novais se apresentou no hospital de S. José transportando o ferido no próprio carro deste, foi preso imediatamente. O ferido faleceu duas horas depois na sala das operações. A Policia prossegue as investigações.
Depois de ter reconhecido o corpo, ela se apresenta na Polícia Judiciária. Aí o comissário a pôs ao corrente de tudo. Há já dois anos que uns ex-emigrantes brasileiros nos Estados Unidos, residindo atualmente no Brasil, organizaram uma rede internacional de tráfico de falsos dólares. O tal "Ministro" estava encarregado do tráfico em Portugal e como era amigo do Américo conseguiu arrastá-lo para esse negócio sujo. Foram encontradas em todo o país muitas notas falsas de $100 dólares, no valor de mais de 200.000 contos. Parece que o Américo foi assassinado porque queria se retirar do tráfico. Segundo afirma o "Ministro", Américo achava que já tinha ido longe de mais. Então um dos bandidos atirou nele. Que ela ficasse descansada, o assassino do Américo será preso e pagará por esse crime. Mas Antenea de Lupa está segura de que o assassino nunca será encontrado, as máfias do tráfico ilegal nunca permitirão isso. Já no trem de volta para casa ela se admira de nem sequer ter derramado uma lágrima. Tal como no caso do seu primeiro marido os seus olhos ficam secos. Terá ela um coração de pedra? Mas no seu intimo a tristeza é imensa, pois ela chegou a amar verdadeiramente o Américo. Quem sofreu muito com essa morte foi a moça Antenea. Durante dois dias chorou amargamente, ela o amava como a um pai!
O funeral teve lugar oito dias depois no cemitério de Campo Maior, quase todos os habitantes da vila, inclusive a madre Maria Angélica estão presentes, bem como Luiz e Antônio de Lupa e toda a família de Setúbal. A Senhora de Lupa, e Antenea viajam juntas no carro de Arnaldo. Depois do funeral estiveram no convento falando com a Madre, esta bondosamente os reconfortou e aconselhou o jovem casal a ficar junto e tentar salvar seu casamento. A senhora de Lupa agradeceu à Madre a bondade com que sempre a tratou, bem como a sua filha.
Depois desse dia a até à morte das duas, Antenea mãe e filha, nunca deixaram de se vestir de preto. A partir deste evento trágico as coisas melhoram entre Antenea e Arnaldo e retomam a vida de casal normal. Antenea, de novo, voltou a fazer o tratamento contra a esterilidade, mas não consegue engravidar. Arnaldo já aceita isso melhor. Porém algo incomoda a Senhora de Lupa. O seu marido fora assassinado e ela estava ali impassível sem fazer nada. A polícia certamente nada fará. O seu caráter decidido a impele a fazer algo, mas o quê?


                                                                     A Pista

Depois de recuperar o carro de Américo na polícia judiciária, pensou ir ao local onde se tinha dado o crime. Junto com os documentos do carro ela encontra um minúsculo papel onde está escrito: “Niterói”. Deve ser a parte rasgada dum endereço. Mas a letra não é do Américo. Pelos vistos a polícia não deu importância a esse papel. Para ela, isso é uma pista. Niterói fica onde? Na América? Na Europa? Ela vai descobrir isso. A primeira coisa a fazer é ir ao local onde Américo foi assassinado. Ela chegou ali um dia pela hora do almoço, alguns homens estão almoçando á sombra das árvores. São uns ceifeiros que estão nos campos, ali perto, ceifando o trigo. É verão e na Bica da Costa está fresco, ela saúda os presentes e com as mãos tenta beber água da bica. Um dos homens então lhe estende um copo, que ela aceita de bom grado. É um sujeito baixinho que se apresenta pelo nome de Fernando. Ela o acha simpático e se apresenta como sendo a esposa de Américo Monteiro que umas semanas antes fora assassinado ali. Ela vem ali para ver exatamente o local aonde esse fato triste aconteceu. O homem disse admirar a coragem dela e comenta que no fim dos anos trinta tinha acontecido ali um fato semelhante, mas que envolvia um ex-imigrante americano que vive ainda. Por sinal é o dono da casa aonde o Fernando mora. O seu nome é Albino, ele é o proprietário da Villa Albino no Pendão. A senhora de Lupa então pergunta se também estavam envolvidos falsos dólares. Ele responde que sim e acrescenta ter feito conhecimento com o Albino em prisão, na Colônia Penal de Sintra. E ainda disse que com certeza seria a pessoa indicada para lhe dar algumas informações sobre isso. Ela pergunta se Niterói lhe diz alguma coisa. Fernando falou que não sabe, só o que lhe pode dizer que não é em Portugal. Mas acha que deve ser nas Américas. Talvez no Brasil. Agradecendo as informações ela seguiu caminho dirigindo-se para o Pendão, lá achou a tal villa Albino.
Uma tabuleta em azulejos diz: "Villa Albino". É um lugar agradável, tem várias casas e um pequeno jardim com lindas flores. Em frente da casa mais bonita daquela villa, está um senhor idoso de óculos sentado numa cadeira de recosto á sombra de um toldo. Pela descrição feita pelo Fernando, é mesmo o Albino.
Sorridente ela falou:
– Boa tarde senhor Albino, eu me chamo Antenea e sou a esposa de Américo Monteiro que foi assassinado há duas semanas na Bica da Costa. Disseram-me que o senhor talvez me pudesse ajudar a encontrar uma pista que me leve ao assassino do meu marido.
Albino respondeu:
– A senhora está bem informada sobre a minha pessoa. Eu acho que só a policia pode encontrar quem matou o seu marido.
Ela:
– Que nada! Eu não tenho confiança nem polícia, nem na justiça dum Estado totalitário e opressivo, estando mais interessado em caçar os opositores ao regime, que pegar os verdadeiros criminosos. Eu mesma descobrirei e cuidarei que o homem que matou o meu marido pague pelo seu crime.
Albino:
– Tenha cuidado! A senhora está metendo o dedo numa engrenagem muito perigosa. Já ouviu falar da máfia?
Antenea de Lupa:
– Na minha vida já corri muitos riscos, este será mais um, mas lhe asseguro que não descansarei enquanto não descubra quem assassinou o meu Américo.
Albino:
– Admiro a sua coragem. Sabe, acompanhei o caso pelos jornais. Eu estive envolvido num caso parecido há uns vinte anos atrás. Um homem também foi morto no mesmo local, era um vigarista americano. Embora não fosse eu que o matasse, ainda assim peguei três anos de prisão. No caso do seu marido parece que foi um brasileiro.
Ela:
– A polícia me disse que são dois brasileiros que fazem parte de uma organização internacional criminosa. Ela tem ramificações na Itália, França, nos Estados Unidos da América e também no Brasil.
Ele:
– Bem, aqui perto, em Queluz, há o Café Brasil onde se joga bilhar e segundo me disseram vários brasileiros se reúnem regularmente ali. Talvez lá a senhora possa obter algumas informações. Mas tenha cuidado essa gente pode ser muito perigosa para você.
Antenea de Lupa:
– Lhe agradeço toda a atenção dispensada e fique descansado que serei prudente. Mas só mais uma coisa. Encontrei nos papeis do meu marido um papel rasgado onde se podia ler Niterói. O senhor Albino me sabe dizer algo sobre isso?
Ele:
– Sim dona Antenea. Niterói é um município do Rio de Janeiro, para se chegar lá é preciso pegar o ferry-boat. É como para atravessar o rio Tejo em Lisboa. Na minha viagem ao Brasil em 1930, eu estive em Niterói.
Ela:
– Sabe, se Niterói revelar ser uma boa pista irei ao Brasil. O importante para mim é encontrar o criminoso.
Albino:
– Mais uma vez lhe recomendo, tenha cuidado, o Rio de Janeiro embora seja uma das cidades mais lindas do mundo, é também uma das mais inseguras do mundo. As suas favelas são verdadeiros redutos de marginalidade e criminalidade.
Agradecendo ao Albino as informações recebidas ela despediu-se e seguiu para Queluz.
Nessa localidade, perto da estação, aluga um quarto numa pensão. Liga para Setúbal avisando que fica um dia ou dois ali em Queluz, tem uns assuntos de Américo a tratar. Á noite dirige-se ao café Brasil. As mesas de bilhar estão todas ocupadas. Ela aproxima-se do balcão e pede um café. Sente que está sendo o alvo de todos os olhares, ela é a única mulher presente. Situações como essas, ela já enfrentou algumas durante a sua vida. É verdade que aos 58 anos ainda atrai os olhares masculinos. Entretanto um homem de mais ou menos da idade dela se aproxima, e pergunta se lhe pode oferecer uma bebida. Ela aceita e ambos se sentam a uma mesa. Ela fala ser de origem espanhola, mas morando há muitos anos em Setúbal. Também se apresenta pelo seu nome Antenea.
Ele se apresenta como Manuel António Patrão e está aposentado da função pública. Antenea diz saber jogar bilhar, embora já não jogue há bastantes anos. Assim que uma mesa foi liberada, vão jogar umas partidas. No início ela esteve perdendo, mas logo acaba ganhando. Ela joga de tal modo que desperta o interesse dos jogadores nas outras mesas. No final da noite ela sente ter ganhado a simpatia dos freqüentadores do Café Brasil. No entanto entre eles não está nenhum brasileiro.
Ela volta na noite seguinte. Senta-se á mesa de Manuel Antônio e depois de alguns minutos de conversação, lhe pergunta se o dono do café é mesmo brasileiro. Ele responde que não, mas de vez em quando, alguns brasileiros se vêm encontrar ali. Alguns minutos depois entram dois homens, altos de estatura, devem ter entre vinte cinco e trinta e cinco anos. Manuel António diz baixinho:
– Estes dois são brasileiros, o mais novo deles joga futebol no Sporting Clube de Portugal. O outro parece ser o proprietário duma empresa de importação-exportação.
Antenea:
– São os únicos brasileiros a freqüentar este café?
Ele:
– Normalmente são quatro que ficam jogando bilhar até tarde, mas depois de duas semanas só vêm estes dois.
Ela:
– Você não pode arranjar maneira de nós jogarmos bilhar com eles?
Manuel Antônio:
– Acho que não vai ser difícil, aliás, já uma vez joguei com eles.
Jogam algumas partidas e os dois homens ficam impressionados com Antenea, não só pelo modo de jogar, mas também pela simpatia dela. No final se sentam a uma mesa e durante a conversa, fazendo perguntas, ela fica sabendo muitas coisas sobre aqueles brasileiros. Um deles chama-se Edivaldo da Silva tem 25 anos, é natural de Santos e foi transferido do Santos para o Sporting no ano anterior. O outro, André da Cruz, tem 32 anos, é natural de Salvador da Bahia e é empresário. André tem um irmão que teve de voltar precipitadamente ao Brasil na semana anterior. Atualmente está no Rio de Janeiro. André está preocupado, pois seu irmão mais velho, Jorge da Cruz, tem um amigo pouco recomendável que também voltou precipitadamente ao Brasil junto com ele. Ela pergunta se esse amigo do irmão reside no Rio de Janeiro. Ele responde que não sabe ao certo, mas parece que vive no Rio. Também pergunta se eles conhecem Niterói. Nem um nem o outro estiveram lá, mas sabem que é do outro lado da baia de Guanabara no Rio de Janeiro. Edivaldo pergunta para ela porque razão ela está fazendo tantas perguntas. Ela respondeu que talvez um dia vá de férias ao Brasil. Depois eles se despediram e saíram.
Manuel Antônio:
– Estou impressionado, a senhora parecia um policial interrogando uns suspeitos. Quantas coisas você ficou sabendo em poucos minutos.
Ela:
– Se um dia me chegar a conhecer melhor não ficará tão impressionado assim. Enquanto falava com eles estive observando você e acho que o Manuel Antônio não é um simples funcionário aposentado.
Ele:
– Acho que posso confiar em você, por isso vou te dizer algo. Embora esteja aposentado, trabalho como detetive para uma companhia de seguros. O brasileiro amigo do irmão de André extorquiu á companhia de seguros algumas centenas de contos. Agora que me abri com você espero que também se abra comigo.
Antenea:
– Fique descansado, eu não sou detetive nem policial, simplesmente quero descobrir e fazer com que o assassino de meu marido seja punido. Mas sei que não vai ser tarefa fácil, a própria Policia Judiciária é impotente face ao crime organizado em Portugal.
Ele baixando a voz:
– Fale mais baixo. Está a ver aquele homem vestido de preto ao balcão? É um agente da PIDE. Quanto menos tivermos a ver com eles é melhor para nós.
Ela olhando de revés em direção do balcão:
– É o que eu digo essa polícia secreta fazia melhor em buscar os criminosos do que caçar os comunistas.
Manuel Antônio e Antenea de Lupa combinam se encontrar no jardim de Queluz no dia seguinte, afim de melhor se conhecerem. Talvez até possam trabalhar juntos. Durante esse encontro Manuel Antônio disse a Antenea que o amigo do irmão de André se chama Clarival Pratas, tem 38 anos e é natural de Niterói no Rio de Janeiro. Mas segundo lhe disseram de manhã na companhia de seguros é possível que o passaporte dele seja falso. Ela então falou que suspeita que os dois brasileiros da reunião da Bica da Costa sejam o irmão do André e esse Clarival. É muita coincidência junta terem sumido os dois logo a seguir ao assassinato de Américo Monteiro. Manuel António disse ser possível a companhia de seguros lhe pagar a viagem ao Brasil para descobrir o tal Clarival Pratas e o entregar á policia brasileira.
Antenea terá de voltar para casa, em Setúbal têm o Ateliê á espera dela. Mas trocam os números de telefone. Durante cinco meses Manuel Antônio não dá sinal de vida.
No princípio do mês de dezembro Manuel António enfim ligou, têm boas notícias, a companhia de seguros o encarregou de ir ao Brasil descobrir tudo sobre o tal Clarival Pratas. Aí Antenea disse se ele não se importa, ela gostaria de o acompanhar. Embora Manuel António prefira trabalhar sozinho, a companhia de uma mulher bonita e inteligente, poderá ser bastante útil e ao mesmo tempo agradável! Trabalhar junto com uma linda mulher é sempre agradável.
Decidida a viajar, ela confiou a direção do Ateliê a uma das suas costureiras. Disse a Afonso que teria de se ausentar durante um tempo para tratar de assuntos que Américo deixou pendentes. Terá de viajar ao estrangeiro. Desta maneira Antenea e Manuel Antônio embarcam para o Brasil num avião da TAP no dia 15 de dezembro de 1959.
No Rio de Janeiro, Antenea de Lupa fica alojada num hotel de Copacabana. Ela fica encantada com a maravilhosa praia que se avista do balcão no seu quarto de hotel. Nada a ver com as praias da zona de Setúbal e Arrábida. Por questão de estratégia Manuel Antônio fica num outro hotel de Copacabana. Porém, combinam encontrar-se com regularidade num restaurante português situado a meio caminho entre os dois hotéis. Ambos estão conscientes que encontrar Clarivaldo Pratas no Rio de Janeiro é como buscar agulha num palheiro. Manuel António traz o endereço de um advogado contratado pela companhia de seguros portuguesa. Usando os meios legais este advogado consegue saber que os
Clarivaldo Pratas, nascidos em Niterói nunca solicitaram passaporte. Com esta informação,
eles estão no ponto de partida.
No dia seguinte, Antenea compra o Jornal O Dia que traz a seguinte manchete: Tiroteio na Rocinha faz uma vítima. O artigo diz:
Esta noite pelas 22 horas estalou uma troca de tiros entre policiais e uma quadrilha de traficantes. Encurralados pelos malfeitores os policiais pediram reforços. Logo acorreram ao local várias viaturas de policia. Após o tiroteio os traficantes sumiram na favela. Três policiais ficaram feridos e um dos traficantes foi morto. Trata-se Jorge da Cruz o braço direito de José Silva Rainho ou Clarival Pratas, mais conhecido por "Zé da Ilha". Lembramos que este perigoso facínora é procurado por todas as polícias das Américas e da Europa. Jorge Cruz tinha 38 anos e era natural de Salvador da Bahia.
Ela liga diretamente a Manuel António que também leu o artigo. Enfim têm algo a que se apegar. Mas ambos estão cônscios que se atacar a tal personagem é muito perigoso.
Cada vez que vai á praia, Antenea passa por um homem idoso vendendo chapéus e bolas de praia. Simpatizando com ele, logo conversam muito juntos. Um dia ela pediu para ele lhe falar do Rio de Janeiro e das favelas. Ele explicou que quando era novo viveu no morro da Mangueira um dos piores lugares no que diz respeito ao crime. Ele mesmo participou nisso e esteve preso durante alguns anos. Seu nome é Fausto Faria, mas foi e ainda é conhecido como o: "Carne Seca". Quando saiu do presídio, uma das suas filhas o recebeu em casa, ele abandonou o crime e nunca mais voltou no morro da Mangueira.
Antenea perguntou:
– Já ouviu falar do "Zé da Ilha?" Quais são as atividades dele no meio do crime organizado do Rio de Janeiro? Li um artigo no jornal que falava dele. Parece que é perigoso.
Carne Seca:
– Minha senhora, esse indivíduo tem ligações com as máfias do mundo inteiro. Aqui no Rio podemos dizer que é o inimigo público numero um. Tráfico de moeda falsa, tráfico de carros roubados, raptos e seqüestros de meninas menores para prostituição etc. Também é procurado por vários assassinatos, entre eles de alguns policiais.
Ela:
– Perigoso mesmo! [baixando a voz] E o Esquadrão da Morte não faz nada contra ele?
Carne Seca:
Antenea:
– Senhor Fausto, eu vou-lhe fazer uma confidência. Estou convencida que foi ele quem matou o meu marido em Portugal. O senhor já o viu alguma vez? Sabe onde ele mora?
Carne Seca:
– Quer um conselho minha senhora? Se estiver investigando sobre ele, pare já! Se ele sabe, você é uma mulher morta. Ele tem dezenas de homens sob das suas ordens. Não ande por aí fazendo perguntas sobre ele. Segundo dizem ele tem mesmo muita influência nesse meio. Os dólares verdadeiros e até os falsos fazem milagres nesta cidade. Aqui no Rio pelos tempos que correm o que é mais parecido com um bandido é um policial.
Antenea:
– Senhor Fausto, eu vou-lhe fazer uma confidência. Estou convencida que foi ele quem matou o meu marido em Portugal. O senhor já o viu alguma vez? Sabe onde ele mora?
Carne Seca:
– Quer um conselho minha senhora? Se estiver investigando sobre ele, pare já! Se ele sabe, você é uma mulher morta. Ele tem dezenas de homens sob das suas ordens. Não ande por aí fazendo perguntas sobre ele.
Antenea:
– Confio em você, algo me diz que posso fazê-lo. Preciso saber onde o poderei encontrar. O senhor, por favor, não me poderá ajudar em algo? Sabe Fausto, durante a minha vida eu já matei. Em legítima defesa, mas matei.
Carne Seca:
– Uma vez mais lhe digo: Pára! Ele é perigoso demais. Não pense que poderá fazer algo contra ele. Se tiver amor á vida pegue o avião e volte imediatamente no seu País.
Ela:
– Só te peço, me dá uma pista. Por favor. Ninguém saberá que o senhor me deu informação.
Carne Seca:
– A senhora é muito teimosa. Ganhou! Vou te dizer algo: Dizem que ele tem um bar de prostitutas na Lapa. É tudo o que te posso dizer. Mas tenha cuidado.
Antenea:
– Amigo, te fico muito agradecida pela pista.. Prometo que terei muito cuidado.
Em seguida subiu ao quarto do hotel e ligou ao Manuel Antônio. Ele tinha saído. Ela deixou recado para ele ligar logo que chegue; mas ele não ligou naquela noite nem no dia seguinte. Ela começa a se inquietar. Então decide ir ao hotel dele. Ali não têm noticias dele depois de três días; mas deixou um envelope dirigido a ela. Tinha os seguintes dizeres: Antenea abra somente se me acontecer alguma coisa. Antenea de Lupa esteve quase para abrir o sobrescrito, mas respeitou as palavras escritas por fora.
Ao café da manhã do dia seguinte, lhe trouxeram o Jornal do Brasil. No interior lê a seguinte manchete: Português assassinado na Lapa. O artigo diz:
Antenea:
– Senhor Fausto, eu vou-lhe fazer uma confidência. Estou convencida que foi ele quem matou o meu marido em Portugal. O senhor já o viu alguma vez? Sabe onde ele mora?
Carne Seca:
– Quer um conselho minha senhora? Se estiver investigando sobre ele, pare já! Se ele sabe, você é uma mulher morta. Ele tem dezenas de homens sob das suas ordens. Não ande por aí fazendo perguntas sobre ele.
Antenea:
– Confio em você, algo me diz que posso fazê-lo. Preciso saber onde o poderei encontrar. O senhor, por favor, não me poderá ajudar em algo? Sabe Fausto, durante a minha vida eu já matei. Em legítima defesa, mas matei.
Carne Seca:
– Uma vez mais lhe digo: Pára! Ele é perigoso demais. Não pense que poderá fazer algo contra ele. Se tiver amor á vida pegue o avião e volte imediatamente no seu País.
Ela:
– Só te peço, me dá uma pista. Por favor. Ninguém saberá que o senhor me deu informação.
Carne Seca:
– A senhora é muito teimosa. Ganhou! Vou te dizer algo: Dizem que ele tem um bar de prostitutas na Lapa. É tudo o que te posso dizer. Mas tenha cuidado.
Antenea:
– Amigo, te fico muito agradecida pela pista.. Prometo que terei muito cuidado.
Em seguida subiu ao quarto do hotel e ligou ao Manuel Antônio. Ele tinha saído. Ela deixou recado para ele ligar logo que chegue; mas ele não ligou naquela noite nem no dia seguinte. Ela começa a se inquietar. Então decide ir ao hotel dele. Ali não têm noticias dele depois de três días; mas deixou um envelope dirigido a ela. Tinha os seguintes dizeres: Antenea abra somente se me acontecer alguma coisa. Antenea de Lupa esteve quase para abrir o sobrescrito, mas respeitou as palavras escritas por fora.
Ao café da manhã do dia seguinte, lhe trouxeram o Jornal do Brasil. No interior lê a seguinte manchete: Português assassinado na Lapa. O artigo diz:
Antenea:

 – Senhor Fausto, eu vou-lhe fazer uma confidência. Estou convencida que foi ele quem matou o meu marido em Portugal. O senhor já o viu alguma vez? Sabe onde ele mora?

Carne Seca:

 – Quer um conselho minha senhora? Se estiver investigando sobre ele, pare já! Se ele sabe, você é uma mulher morta. Ele tem dezenas de homens sob das suas ordens. Não ande por aí fazendo perguntas sobre ele.

Antenea:

 – Confio em você, algo me diz que posso fazê-lo. Preciso saber onde o poderei encontrar. O senhor, por favor, não me poderá ajudar em algo? Sabe Fausto, durante a minha vida eu já matei. Em legítima defesa, mas matei.

Carne Seca:

 – Uma vez mais lhe digo: Pára! Ele é perigoso demais. Não pense que poderá fazer algo contra ele. Se tiver amor á vida pegue o avião e volte imediatamente no seu País.

Ela:

– Só te peço, me dá uma pista. Por favor. Ninguém saberá que o senhor me deu informação.

Carne Seca:

 – A senhora é muito teimosa. Ganhou! Vou te dizer algo: Dizem que ele tem um bar de prostitutas na Lapa. É tudo o que te posso dizer. Mas tenha cuidado.

Antenea:

– Amigo, te fico muito agradecida pela pista.. Prometo que terei muito cuidado.

Em seguida subiu ao quarto do hotel e ligou ao Manuel Antônio. Ele tinha saído. Ela deixou recado para ele ligar logo que chegue; mas ele não ligou naquela noite nem no dia seguinte. Ela começa a se inquietar. Então decide ir ao hotel dele. Ali não têm noticias dele depois de três días; mas deixou um envelope dirigido a ela. Tinha os seguintes dizeres: Antenea abra somente se me acontecer alguma coisa. Antenea de Lupa esteve quase para abrir o sobrescrito, mas respeitou as palavras escritas por fora.

Ao café da manhã do dia seguinte, lhe trouxeram o Jornal do Brasil. No interior lê a seguinte manchete: Português assassinado na Lapa. O artigo diz:

Na madrugada de ontem foi encontrado na ladeira de Santa Teresa, o corpo de um português de 59 anos. Segundo os seus documentos trata-se de Manuel Antônio Patrão, natural de Lisboa. O porta-voz da polícia informou que a vítima levou várias facadas no abdômen. A investigação continua.
Esta noticia a arrasa completamente. Pela primeira vez na vida ela sente medo. Mas por outro lado ela não vai desistir. O assassinato deste amigo terá de ser punido. Mas como fazer? Sozinha contra uma quadrilha de bandidos bem organizada, ela terá alguma chance? É bem grave a situação. Aí pensou nas palavras do Carne Seca: Se tiver amor á vida pegue o avião e volte no seu país. Porém, não está na sua natureza abandonar tão perto do alvo. Aí se lembrou do envelope que trouxera do hotel de Manuel Antônio. Abriu e leu:
Querida Antenea, eu estou seguro de que quando ler estas linhas eu já não estarei em vida. Você vai-me certamente reprovar de não te ter informado do que descobri. Nem de não te ter pedido ajuda. Minha querida durante este tempo que estivemos juntos aqui no Brasil, eu aprendi a te amar. Por isso não quis arriscar a sua vida. Não continue investigando, volte para Portugal. O Zé da Ilha e a quadrilha dele são gente muito perigosa, muito mais perigosa do que eu pensei. Para sua segurança prefiro não revelar o que descobri sobre estes malfeitores. Adeus minha querida.
Manuel Antônio.
Quando termina a leitura, pela primeira vez depois de muitos anos, as lágrimas correm-lhe cara abaixo. Está arrasada. Confusa. Desesperada. Pede na recepção para não a incomodarem e dorme até á noitinha.
Ao acordar, senta-se na beira da cama e mentalmente faz o ponto da situação. O homem de quem ela começara também a gostar foi assassinado. Para que não lhe acontecesse nada a ela, ele não a preveniu. Não lhe deixou nenhuma pista e ainda por cima a aconselha a desistir. Dilema. Não está no seu caráter desistir assim. Ela irá até ao fim, nada tem a perder. Pode perder a vida, no entanto se puder punir um bandido, um assassino, ela está disposta a arriscar. Se não o fizer nunca mais poderá dormir em paz.
Entra no banheiro, lava-se com água fria, veste-se, coloca a navalha na liga da meia e sai. No restaurante português ao final do jantar, para ganhar coragem, toma dois copos de aguardente e vai embora. É já noite escura. Pega um ônibus e desce perto da ladeira de Santa Teresa. Caminhando chega no local e vê que têm construções irregulares, mal acabadas e becos escuros. Certamente foi num destes que mataram o seu Manuel Antônio. Continua a caminhada pelas ruelas mal iluminadas até que chega numa rua mais larga onde existem vários bares. Algumas mulheres com roupas sugestivas, muito maquiadas, entram e saem sozinhas ou acompanhadas. Prostitutas sem dúvida! Antenea se esconde num canto de um beco e espera. De negro vestida como é seu hábito, ninguém dá por sua presença ali. Do seu posto de observação pode ver a movimentação naquela rua. Fica ali até ao amanhecer, mas nada acontece. Na noite seguinte ela volta ao mesmo posto de observação, mas nada. Já desesperava quando na noite do sábado seguinte, a sua tenacidade é recompensada. Por volta da meia noite chega um carro enorme e estaciona diante do bar "O Papagaio". Dois homens descem e entram no bar; mas o motorista e um outro homem ficam na viatura. Alguns minutos depois os homens voltam trazendo uma mulher de força. De onde Antenea está pôde ver que o homem que ficara no banco de trás, e que parece ser o chefe, bate na mulher. Depois o carro arranca. Antenea faz parar um táxi e pede ao motorista para seguir aquele carro á distância. Em principio ele não quer, mas duas notas de cem dólares americanos, bem verdadeiros o convencem. Ele mostra ser eficiente e embora estivesse sempre bem distante, não perde o carrão de vista. Logo chegam num local isolado chamado o Cais do Porto. O enorme carro para perto da única lâmpada acesa do local. A uns cem metros de lá ela diz ao motorista para parar e esperar ali. Escondida na sombra, caminhando por entre uns arbustos, ela se aproxima sem fazer ruído e vê os homens saírem todos do carro. Decerto vão matar a mulher neste lugar lúgubre.
Aquele que parecia ser o chefe começa a bater fortemente na mulher com a coronha duma pistola. Esta grita:
– Socorro! Socorro! O Zé da Ilha está me matando.
Os golpes sucedem-se e a mulher gritando; por fim ela cai. Ninguém a ouvirá neste local deserto. Antenea aproximou-se ainda mais, sem fazer ruído. Está a uns vinte metros escondida na sombra de um pilar. De repente baixa o braço, faz um gesto brusco, algo zumbiu no ar e o homem tomba com um ruído surdo. Ao verem seu chefe cair, olhando atônitos em redor, os outros sobem no carro e somem do local. Quando não sente mais perigo ela se aproxima, pula por cima do cadáver que sangra abundantemente do pescoço. Levanta a mulher caída no chão. Reanima-a e com dificuldade trá-la até ao táxi que está esperando. Deixa a mulher no atendimento do hospital mais próximo. Pega outro táxi e volta ao seu hotel em Copacabana.
Dois días mais tarde, ela toma lugar no avião da TAP para Lisboa. Quando o aparelho descolou, ela pegou um jornal. Na primeira página uma manchete em caixa alta, ocupava toda a largura da página: ZÉ DA ILHA O INIMIGO PÚBLICO N° 1 MORTO POR UMA MULHER. Após a foto do facínora o artigo diz:
Ontem de madrugada no Cais do Porto uma desconhecida, tendo sotaque português e que vestia de negro, escondida na sombra cravou uma navalha espanhola na carótida do inimigo público número um. O que durante anos as polícias do mundo inteiro não puderam fazer, uma mulher o fez. A razão porque o fez, ninguém sabe, nem mesmo a policia...
Ela pousa o jornal, não tem vontade de ler mais, encosta-se na poltrona para enfim poder dormir.
Embora tenha mais uma morte na sua consciência pode enfim descansar, o assassino de seu marido e do seu amigo já pagou pelos seus crimes. A sociedade corrupta não poderá mais colaborar nos crimes desse infame "Zé Da Ilha".
Antenea, a Senhora de Lupa acha ter feito bem em seguir aquela pista. No fundo o que a deixou mais triste nesta aventura, foi o assassinato de Manuel Antônio. Ela chegara a gostar mesmo dele.

A senhora de Lupa então fica a viver definitivamente na casa de Badajoz à cabeça de uma considerável fortuna. O seu tio deixou-lhe muitos bens em títulos e ações em vários bancos e empresas espanholas. As suas propriedades foram vendidas bem como a empresa de transportes do Américo. Possuindo imensos recursos ela resolve criar uma fundação para ajudar as crianças pobres a terem uma escolaridade normal. O nome que escolheu foi: "Fundación Los de Lupa". O escritório e a escola funcionam num complexo imobiliário mesmo no centro da cidade.
Com 38 anos, em 1966, Antenea ficou grávida e em Janeiro de 1967 nasceu uma linda menina. Que nome eles vão dar à recém nascida? Arnaldo achava de devia ser Antenea como a avó e a mãe. Antenea estava de acordo. Mas seria mesmo Antenea?
Quando foram ao cartório do Registro Civil para registrar a criança, a funcionária responde que Antenea é um nome espanhol e por esse motivo não podem dar tal nome à menina. Naqueles anos as relações entre Portugal e Espanha não eram as melhores. E alguns servidores do Estado são influenciados por isso. Este é o caso desta funcionária. Os pais ficam decepcionados. A mãe pergunta qual é o nome correspondente em português a antipática funcionária diz que pode ser Antineia. Assim a menina veio a chamar-se Antineia de Lupa Silveira. Por ocasião do batismo de Antineia toda a família se reúne em Setúbal na casa dos Silveira. A avó Antenea está radiante de poder ter nos seus braços aquela linda criancinha. É a sua terceira netinha, pois a Antônio e Angelines já tinham nascido uma menina e um menino. Têm agora cinco e três anos. Todos os anos a família ao completo se junta, ora em Setúbal ora em Badajoz. Antenea não teve mais filhos, mas Angelines ainda teve mais um menino e uma menina. A avó quase com 70 anos fica felicíssima. As suas atividades de beneficência bem como a felicidade que reina na sua família lhe dá coragem para continuar a viver. Embora em idade avançada ela não aparenta tal idade. Ainda é uma senhora bem conservada. Só o vestir-se de negro é que está destoando, mas ela sempre diz::
– Ocorreram várias mortes durante a minha vida e o meu coração está de luto. E isso se verificará para sempre no meu modo de vestir.
E ninguém ousa fazer mais comentários sobre isso.
Em 25 de abril de 1974 ocorre uma revolução em Portugal e muitas coisas mudam no país. Devido á abertura democrática Antenea e Arnaldo tornam-se membros ativos do Partido Popular Democrático. Também nesse ano em outubro, Antineia entra para a escola primária. Quatro anos depois Antineia completa os estudos primários com excelentes notas. Ela é o orgulho dos seus pais. Faz seus estudos secundários no mesmo liceu outrora freqüentado por seus pais, ou seja, a Escola Secundária de Bocage Sendo verdadeiramente uma excelente escola, e ela uma excelente aluna, nunca perdeu um ano. Quando completou 18 anos, terminou seus estudos secundários com notas bastante altas.
No ano seguinte vai para a Universidade de Coimbra a fim se formar em direito como o seu pai. Aplicada como é nos estudos recusa todos os pedidos de namoro. Como é uma jovem bem linda, não lhe faltam pretendentes. Algo vem obscurecer os estudos dela. Em 1989 um drama terrível se passa na família. Antenea e Arnaldo regressam de uma reunião importante do partido quando se dá um horrível acidente de carro na reta de Pegões, uma das estradas mais mortíferas de Portugal. Um louco não respeita a proibição de ultrapassagem. O choque frontal é terrível o automóvel de Arnaldo fica desfeito. O casal morreu na hora. O motorista louco do outro carro também morreu. Chegou-se a suspeitar que tinha sido um atentado político, mas isso nunca foi provado. Ora isto é um golpe terrível tanto para Antineia como para sua avó Antenea de Lupa. Para os Silveira é também horroroso. Palmira morre de desgosto seis meses depois e Afonso vende seu negócio e vai viver para o convento de Campo Maior.
No entanto a vida continua e com todo o apoio, primeiro dos pais e depois da avó Antineia se formou e aos 25 anos já é a doutora Antineia de Lupa Silveira. Após a formatura ele se instala no gabinete do doutor José Pereyra que já bem velho se aposentara.
Antineia é uma linda mulher tal como sua avó e sua mãe. Alta, esbelta, cabelos e olhos negros, mas de pele muito branca. Tal como a sua mãe e avó, ela veste sempre de negro não por luto, mas sim por gostar da cor. O negro contrasta bem com o branco da sua pele. E gosta também de vestir curto o que deixa ver umas lindas pernas brancas bem torneadas. Tal como as suas predecessoras, Antineia é uma mulher batalhadora e nunca baixa os braços diante das dificuldades. Mesmo nos tribunais quando tem de defender uma causa ela luta até ao fim. E obtém ganho de causa em quase todos os processos.
Em pouco tempo torna-se uma advogada bem solicitada no sul de Portugal. Durante o julgamento de um homem acusado de fraude por vários milhares de contos ela consegue provar a inocência de seu cliente. Este foi absolvido.
Um homem de 30 anos, testemunha de defesa do seu cliente fica verdadeiramente maravilhado pela maneira como Antineia dirigiu a defesa do seu amigo. No fim do processo vai felicitá-la e ela sente-se lisonjeada pelas palavras dele. Seu nome é Manuel Ribeiro, um homem alto e bem parecido cabelos e olhos castanhos. Engenheiro de profissão no domínio da construção de barragens. Como até ali ela não teve o tempo nem a ocasião de dar lugar ao amor, ficou surpreendida pela atração que sente por aquele homem. Antes ela nunca quis namorar, porque deu sempre prioridade aos estudos. Não queria ficar, como sua mãe, sem diploma universitário. Mas para ela neste caso é amor à primeira vista. Já fora do tribunal, eles trocam algumas palavras e ele disse que gostava de a encontrar. Ela aceitou de bom grado.
No domingo seguinte se encontram num café da Praça do Bocage em Setúbal, ele mora em Azeitão uma vila não muito longe dali. E aí começa o namoro.
A primeira zanga deles é devido ao cumprimento das roupas dela. Manuel exige que Antineia abaixe o comprimento das saias e vestidos e que passe a se vestir de outra cor. Antineia é firme dizendo que sempre vestiu assim e não é agora que vai mudar por causa dele. Não aceita as suas exigências. Se não está contente que a deixe e vá namorar outra. Mulher de caráter, como as suas predecessoras, ela mostrou ser na verdade uma Antenea de Lupa! Ele fica furioso, mas não acaba o namoro, no fundo ele gosta de a ver vestida daquele jeito.
Este incidente aumenta o respeito que ele já tem por ela. Quando passeiam juntos na rua, ele remarca que a sua noiva não passa despercebida aos olhos dos outros homens. Manuel Ribeiro se sente orgulhoso de namorar uma mulher que todos os outros homens desejam. Mas isso por outro lado o irrita. E algumas vezes teve de se impor contra alguns que pensam poder abusar da sua noiva.
Um ano depois casam no cartório do Registro Civil em Azeitão. Sua avó Antenea de Lupa fez questão de fazer para ela um lindo vestido de noiva e foi a testemunha de casamento dela. Como Manuel Ribeiro era órfão tal como ela, a testemunha dele foi um colega de trabalho, engenheiro como ele. A festa teve lugar em Azeitão no restaurante dum parente afastado de Manuel. Depois de passarem a lua de mel nas praias de Copacabana no Rio de Janeiro, ficam a morar em Setúbal na casa do Bonfim. Ele trabalha para um departamento do Ministério das Obras Publicas em Lisboa, num novo projeto de barragem sobre o rio Guadiana. O amor faz maravilhas e eles se entendem bem, eles são um verdadeiro complemento um do outro.
E dois anos mais tarde ela dá à luz um menino a quem deu o nome de Arnaldo de Lupa Ribeiro. Arnaldo em memória do avô falecido. Mas estava decidido se tiverem uma menina será Antenea! Mas como diz o ditado: "O homem põe e Deus dispõe" eles nunca teriam uma menina. Em 1997 Antineia começa a ter hemorragias e os médicos descobrem vários fibromas no interior do útero. Resolvem então fazer a ablação do útero. Isto é um desgosto enorme para o casal. Antineia fica muito abalada e deixa o seu trabalho de advogada. Entretanto como o seu marido terá de ir para Vila Viçosa perto do lugar onde está a ser construída a barragem algo terá que mudar. Fazer a viagem duas vezes por dia torna-se muito cansativo para ele. Assim de acordo com a avó decidem ir viver para Badajoz na casa da Calle San Juan, que fica bem mais perto do seu local de trabalho. Tanto mais que Antônio e Angelines tendo casa própria e já não habitam mais ali. Isto é benéfico para todos mesmo para o Arnaldinho que gosta muito da avó Lupa. Antenea de Lupa acaba de completar 97 anos e sente que já não se pode ocupar das suas obras de beneficência Está feliz de poder passar toda a responsabilidade para as mãos da neta. Antineia mostra estar à altura da confiança que sua avó deposita nela. No fim de 1999 Antenea de Lupa se enerva muito por causa de Antônio. Este se intromete nos assuntos da Fundação, dizendo que ele poderia dirigir melhor a Fundação do que a sobrinha-neta Antineia. Também quer a sua parte da herança para poder comprar uma casa para um dos netos que vai casar. Angelines, sua esposa o pica constantemente dizendo:
– A tua mãe tem de te dar parte da herança e tu tens que lhe pedir isso.
Um conselho de família é organizado lá em casa. Ouvindo os argumentos do filho, bastante lúcida para a sua idade, Antenea de Lupa acha que este não está no direito de solicitar nada. Com quase 80 anos como poderia Antônio, dirigir melhor a Fundação que Antineia? Indigno da parte dele também, reclamar parte da herança.
Ela então se pôs de pé e nervosamente fala:
– A minha vida foi uma luta constante. Nunca parei de trabalhar, mesmo na adversidade. Arrisquei muitas vezes a minha vida para defender o meu padrão de vida e a minha honra. No Rio de Janeiro, ataquei-me a uma perigosa quadrilha de bandidos para defender a memória do meu marido. De todos modos o vosso tio Luiz e eu lutamos uma vida inteira para defender e aumentar o patrimônio da nossa família. Somos uma das famílias mais ricas de Espanha. E não será nenhum dos meus descendentes que arruinará tal patrimônio.
Antineia interrompendo:
– Por favor, avó fale com calma não se enerve. Lembre-se do que disse o médico.
– Está descansada Antineia eu não me vou enervar. A nossa Fundação está fazendo uma obra extraordinária. Eu não tolerarei nunca que causem dano a ela. (Levantando a voz) fala energicamente:
– Na Bíblia lemos o seguinte: Os dias do homem serão como os dias da árvore...
Batendo com a bengala no chão bradou:
– Eu digo: As árvores morrem de pé e eu ainda não estou morta!
Diante de tal energia os presentes tiveram de se render à evidência, a avó ainda é o chefe da família de Lupa. Para a senhora idosa, porém, aquele enervamento é um rude golpe e os dias que se seguem são muito penosos para ela.
Antineia com todo o carinho cuida da sua avó que passa os dias na cama e que enfraquece dia após dia.
Em 31 de dezembro de 1999, dia do aniversário dos seus cem anos, a senhora Antenea de Lupa expira nos braços de sua neta Antineia. Isto é um golpe enorme para a jovem Antineia. Os seres queridos que lhe davam forças e coragem para lutar não estão mais com ela, a sua mãe e a sua avó. Ela chorou bastante durante vários dias. O funeral da senhora de Lupa foi acompanhado por mais de 500 pessoas, sobretudo as crianças da fundação levam uma bandeira com a menção: Gracias Madre de los Pobres. O alcalde de Badajoz faz um lindo discurso onde salienta tudo que a falecida tinha feito pelos pobres da sua cidade.
Dias depois à leitura do testamento Antônio de 79 anos de idade reconhece toda a bondade de sua mãe. Os bens alheios à fundação tinham sido distribuídos em partes iguais aos netos. Antineia recebe todos os fundos necessários ao funcionamento da Fundação. E é a nova diretora geral daquele estabelecimento escolar.
Com o aparecimento da Internet a vida dela passou a ser mais facilitada e isso lhe dá mais tempo para cuidar do Arnaldinho de sete anos. Entretanto Manuel comprou um computador para a família e Antineia rapidamente se fez um nome nos bate papos espanhóis. Ela colocou uma linda foto dela vestida de mini vestido negro, isso cria desejo nos homens e ciúme nas mulheres. Como mostra ser uma excelente amiga, à medida que o tempo passa, ela chega a ter imensos amigos e amigas na net. Alguns deles enviam mesmo dons financeiros á Fundação de Lupa. Desta forma Antineia de Lupa chega a ser conhecida em toda a Espanha. Mesmo em Badajoz é amada, pois à parte da fundação ela por vezes ainda dá ajuda financeira a pessoas com problemas. O ano 2002 é excepcional, a Fundação amplia as suas instalações e mais classes são abertas. Mais alunos da classe pobre são admitidos. Em meados deste ano ela começa a sentir dores no ventre no local da cirurgia, mas diz que é por causa da mudança de tempo. Manuel fala para ela consultar um médico. Teimosa como é e ainda por cima detestando os médicos, nunca foi consultar nem fazer exames. Ás vezes as dores são muito fortes, mas como depois passam, não se cuida. Entretanto Manuel é nomeado pelo governo Português diretor geral das barragens do Sul Portugal. Esta nomeação é festejada na casa da calle San Juan com o restante da família presente. Antônio e Angelines, os filhos e as noras e os nove netos estão presentes. Antineia está feliz por poder compartilhar a sua alegria com a família.
Principio de 2003, Antineia como o português não tem segredos para ela, começa a entrar nos bate papos brasileiros. Aí é muito mal recebida. De novo o desejo dos homens e o ciúme das mulheres lhe criam problemas. Algumas internautas até chegam a injuriá-la. Por outro lado ganhou bons amigos e amigas. Antineia de Lupa é o seu sobrenome nos bate papos e o seu nome na vida real.

Ao chegar a Setúbal retoma as suas atividades. Dois anos passam. Antenea filha e Arnaldo estão felizes, embora não tenham filhos. Entretanto o tio Luiz de Lupa fica muito mal e a Senhora de Lupa deixa o Ateliê e a sua casa de Setúbal e vai para Badajoz cuidar do tio. Ali tem uma surpresa Antônio e Angelines estão morando também naquela casa. Tinham decidido não se casar. Vivem juntos ali e são felizes. Ao fim de dois anos de sofrimento Luiz de Lupa faleceu durante o sono com 85 anos! Foi um golpe rude para a família. E mais uma vez estão todos reunidos para um funeral. Sendo muito estimado naquela cidade, um mar de gente comparece para o acompanhar á sua última morada. A senhora de Lupa então fica a viver definitivamente na casa de Badajoz à cabeça de uma considerável fortuna. O seu tio deixou-lhe muitos bens em títulos e ações em vários bancos e empresas espanholas. As suas propriedades foram vendidas bem como a empresa de transportes do Américo. Possuindo imensos recursos ela resolve criar uma fundação para ajudar as crianças pobres a terem uma escolaridade normal. O nome que escolheu foi: "Fundación Los de Lupa". O escritório e a escola funcionam num complexo imobiliário mesmo no centro da cidade.
Com 38 anos, em 1966, Antenea ficou grávida e em Janeiro de 1967 nasceu uma linda menina. Que nome eles vão dar à recém nascida? Arnaldo achava de devia ser Antenea como a avó e a mãe. Antenea estava de acordo. Mas seria mesmo Antenea?
Quando foram ao cartório do Registro Civil para registrar a criança, a funcionária responde que Antenea é um nome espanhol e por esse motivo não podem dar tal nome à menina. Naqueles anos as relações entre Portugal e Espanha não eram as melhores. E alguns servidores do Estado são influenciados por isso. Este é o caso desta funcionária. Os pais ficam decepcionados. A mãe pergunta qual é o nome correspondente em português a antipática funcionária diz que pode ser Antineia. Assim a menina veio a chamar-se Antineia de Lupa Silveira. Por ocasião do batismo de Antineia toda a família se reúne em Setúbal na casa dos Silveira. A avó Antenea está radiante de poder ter nos seus braços aquela linda criancinha. É a sua terceira netinha, pois a Antônio e Angelines já tinham nascido uma menina e um menino. Têm agora cinco e três anos. Todos os anos a família ao completo se junta, ora em Setúbal ora em Badajoz. Antenea não teve mais filhos, mas Angelines ainda teve mais um menino e uma menina. A avó quase com 70 anos fica felicíssima. As suas atividades de beneficência bem como a felicidade que reina na sua família lhe dá coragem para continuar a viver. Embora em idade avançada ela não aparenta tal idade. Ainda é uma senhora bem conservada. Só o vestir-se de negro é que está destoando, mas ela sempre diz::
– Ocorreram várias mortes durante a minha vida e o meu coração está de luto. E isso se verificará para sempre no meu modo de vestir.
E ninguém ousa fazer mais comentários sobre isso.
Em 25 de abril de 1974 ocorre uma revolução em Portugal e muitas coisas mudam no país. Devido á abertura democrática Antenea e Arnaldo tornam-se membros ativos do Partido Popular Democrático. Também nesse ano em outubro, Antineia entra para a escola primária. Quatro anos depois Antineia completa os estudos primários com excelentes notas. Ela é o orgulho dos seus pais. Faz seus estudos secundários no mesmo liceu outrora freqüentado por seus pais, ou seja, a Escola Secundária de Bocage Sendo verdadeiramente uma excelente escola, e ela uma excelente aluna, nunca perdeu um ano. Quando completou 18 anos, terminou seus estudos secundários com notas bastante altas.
No ano seguinte vai para a Universidade de Coimbra a fim se formar em direito como o seu pai. Aplicada como é nos estudos recusa todos os pedidos de namoro. Como é uma jovem bem linda, não lhe faltam pretendentes. Algo vem obscurecer os estudos dela. Em 1989 um drama terrível se passa na família. Antenea e Arnaldo regressam de uma reunião importante do partido quando se dá um horrível acidente de carro na reta de Pegões, uma das estradas mais mortíferas de Portugal. Um louco não respeita a proibição de ultrapassagem. O choque frontal é terrível o automóvel de Arnaldo fica desfeito. O casal morreu na hora. O motorista louco do outro carro também morreu. Chegou-se a suspeitar que tinha sido um atentado político, mas isso nunca foi provado. Ora isto é um golpe terrível tanto para Antineia como para sua avó Antenea de Lupa. Para os Silveira é também horroroso. Palmira morre de desgosto seis meses depois e Afonso vende seu negócio e vai viver para o convento de Campo Maior.
No entanto a vida continua e com todo o apoio, primeiro dos pais e depois da avó Antineia se formou e aos 25 anos já é a doutora Antineia de Lupa Silveira. Após a formatura ele se instala no gabinete do doutor José Pereyra que já bem velho se aposentara.
Antineia é uma linda mulher tal como sua avó e sua mãe. Alta, esbelta, cabelos e olhos negros, mas de pele muito branca. Tal como a sua mãe e avó, ela veste sempre de negro não por luto, mas sim por gostar da cor. O negro contrasta bem com o branco da sua pele. E gosta também de vestir curto o que deixa ver umas lindas pernas brancas bem torneadas. Tal como as suas predecessoras, Antineia é uma mulher batalhadora e nunca baixa os braços diante das dificuldades. Mesmo nos tribunais quando tem de defender uma causa ela luta até ao fim. E obtém ganho de causa em quase todos os processos.
Em pouco tempo torna-se uma advogada bem solicitada no sul de Portugal. Durante o julgamento de um homem acusado de fraude por vários milhares de contos ela consegue provar a inocência de seu cliente. Este foi absolvido.
Um homem de 30 anos, testemunha de defesa do seu cliente fica verdadeiramente maravilhado pela maneira como Antineia dirigiu a defesa do seu amigo. No fim do processo vai felicitá-la e ela sente-se lisonjeada pelas palavras dele. Seu nome é Manuel Ribeiro, um homem alto e bem parecido cabelos e olhos castanhos. Engenheiro de profissão no domínio da construção de barragens. Como até ali ela não teve o tempo nem a ocasião de dar lugar ao amor, ficou surpreendida pela atração que sente por aquele homem. Antes ela nunca quis namorar, porque deu sempre prioridade aos estudos. Não queria ficar, como sua mãe, sem diploma universitário. Mas para ela neste caso é amor à primeira vista. Já fora do tribunal, eles trocam algumas palavras e ele disse que gostava de a encontrar. Ela aceitou de bom grado.
No domingo seguinte se encontram num café da Praça do Bocage em Setúbal, ele mora em Azeitão uma vila não muito longe dali. E aí começa o namoro.
A primeira zanga deles é devido ao cumprimento das roupas dela. Manuel exige que Antineia abaixe o comprimento das saias e vestidos e que passe a se vestir de outra cor. Antineia é firme dizendo que sempre vestiu assim e não é agora que vai mudar por causa dele. Não aceita as suas exigências. Se não está contente que a deixe e vá namorar outra. Mulher de caráter, como as suas predecessoras, ela mostrou ser na verdade uma Antenea de Lupa! Ele fica furioso, mas não acaba o namoro, no fundo ele gosta de a ver vestida daquele jeito.
Este incidente aumenta o respeito que ele já tem por ela. Quando passeiam juntos na rua, ele remarca que a sua noiva não passa despercebida aos olhos dos outros homens. Manuel Ribeiro se sente orgulhoso de namorar uma mulher que todos os outros homens desejam. Mas isso por outro lado o irrita. E algumas vezes teve de se impor contra alguns que pensam poder abusar da sua noiva.
Um ano depois casam no cartório do Registro Civil em Azeitão. Sua avó Antenea de Lupa fez questão de fazer para ela um lindo vestido de noiva e foi a testemunha de casamento dela. Como Manuel Ribeiro era órfão tal como ela, a testemunha dele foi um colega de trabalho, engenheiro como ele. A festa teve lugar em Azeitão no restaurante dum parente afastado de Manuel. Depois de passarem a lua de mel nas praias de Copacabana no Rio de Janeiro, ficam a morar em Setúbal na casa do Bonfim. Ele trabalha para um departamento do Ministério das Obras Publicas em Lisboa, num novo projeto de barragem sobre o rio Guadiana. O amor faz maravilhas e eles se entendem bem, eles são um verdadeiro complemento um do outro.
E dois anos mais tarde ela dá à luz um menino a quem deu o nome de Arnaldo de Lupa Ribeiro. Arnaldo em memória do avô falecido. Mas estava decidido se tiverem uma menina será Antenea! Mas como diz o ditado: "O homem põe e Deus dispõe" eles nunca teriam uma menina. Em 1997 Antineia começa a ter hemorragias e os médicos descobrem vários fibromas no interior do útero. Resolvem então fazer a ablação do útero. Isto é um desgosto enorme para o casal. Antineia fica muito abalada e deixa o seu trabalho de advogada. Entretanto como o seu marido terá de ir para Vila Viçosa perto do lugar onde está a ser construída a barragem algo terá que mudar. Fazer a viagem duas vezes por dia torna-se muito cansativo para ele. Assim de acordo com a avó decidem ir viver para Badajoz na casa da Calle San Juan, que fica bem mais perto do seu local de trabalho. Tanto mais que Antônio e Angelines tendo casa própria e já não habitam mais ali. Isto é benéfico para todos mesmo para o Arnaldinho que gosta muito da avó Lupa. Antenea de Lupa acaba de completar 97 anos e sente que já não se pode ocupar das suas obras de beneficência Está feliz de poder passar toda a responsabilidade para as mãos da neta. Antineia mostra estar à altura da confiança que sua avó deposita nela. No fim de 1999 Antenea de Lupa se enerva muito por causa de Antônio. Este se intromete nos assuntos da Fundação, dizendo que ele poderia dirigir melhor a Fundação do que a sobrinha-neta Antineia. Também quer a sua parte da herança para poder comprar uma casa para um dos netos que vai casar. Angelines, sua esposa o pica constantemente dizendo:
– A tua mãe tem de te dar parte da herança e tu tens que lhe pedir isso.
Um conselho de família é organizado lá em casa. Ouvindo os argumentos do filho, bastante lúcida para a sua idade, Antenea de Lupa acha que este não está no direito de solicitar nada. Com quase 80 anos como poderia Antônio, dirigir melhor a Fundação que Antineia? Indigno da parte dele também, reclamar parte da herança.
Ela então se pôs de pé e nervosamente fala:
– A minha vida foi uma luta constante. Nunca parei de trabalhar, mesmo na adversidade. Arrisquei muitas vezes a minha vida para defender o meu padrão de vida e a minha honra. No Rio de Janeiro, ataquei-me a uma perigosa quadrilha de bandidos para defender a memória do meu marido. De todos modos o vosso tio Luiz e eu lutamos uma vida inteira para defender e aumentar o patrimônio da nossa família. Somos uma das famílias mais ricas de Espanha. E não será nenhum dos meus descendentes que arruinará tal patrimônio.
Antineia interrompendo:
– Por favor, avó fale com calma não se enerve. Lembre-se do que disse o médico.
– Está descansada Antineia eu não me vou enervar. A nossa Fundação está fazendo uma obra extraordinária. Eu não tolerarei nunca que causem dano a ela. (Levantando a voz) fala energicamente:
– Na Bíblia lemos o seguinte: Os dias do homem serão como os dias da árvore...
Batendo com a bengala no chão bradou:
– Eu digo: As árvores morrem de pé e eu ainda não estou morta!
Diante de tal energia os presentes tiveram de se render à evidência, a avó ainda é o chefe da família de Lupa. Para a senhora idosa, porém, aquele enervamento é um rude golpe e os dias que se seguem são muito penosos para ela.
Antineia com todo o carinho cuida da sua avó que passa os dias na cama e que enfraquece dia após dia.
Em 31 de dezembro de 1999, dia do aniversário dos seus cem anos, a senhora Antenea de Lupa expira nos braços de sua neta Antineia. Isto é um golpe enorme para a jovem Antineia. Os seres queridos que lhe davam forças e coragem para lutar não estão mais com ela, a sua mãe e a sua avó. Ela chorou bastante durante vários dias. O funeral da senhora de Lupa foi acompanhado por mais de 500 pessoas, sobretudo as crianças da fundação levam uma bandeira com a menção: Gracias Madre de los Pobres. O alcalde de Badajoz faz um lindo discurso onde salienta tudo que a falecida tinha feito pelos pobres da sua cidade.
Dias depois à leitura do testamento Antônio de 79 anos de idade reconhece toda a bondade de sua mãe. Os bens alheios à fundação tinham sido distribuídos em partes iguais aos netos. Antineia recebe todos os fundos necessários ao funcionamento da Fundação. E é a nova diretora geral daquele estabelecimento escolar.
Com o aparecimento da Internet a vida dela passou a ser mais facilitada e isso lhe dá mais tempo para cuidar do Arnaldinho de sete anos. Entretanto Manuel comprou um computador para a família e Antineia rapidamente se fez um nome nos bate papos espanhóis. Ela colocou uma linda foto dela vestida de mini vestido negro, isso cria desejo nos homens e ciúme nas mulheres. Como mostra ser uma excelente amiga, à medida que o tempo passa, ela chega a ter imensos amigos e amigas na net. Alguns deles enviam mesmo dons financeiros á Fundação de Lupa. Desta forma Antineia de Lupa chega a ser conhecida em toda a Espanha. Mesmo em Badajoz é amada, pois à parte da fundação ela por vezes ainda dá ajuda financeira a pessoas com problemas. O ano 2002 é excepcional, a Fundação amplia as suas instalações e mais classes são abertas. Mais alunos da classe pobre são admitidos. Em meados deste ano ela começa a sentir dores no ventre no local da cirurgia, mas diz que é por causa da mudança de tempo. Manuel fala para ela consultar um médico. Teimosa como é e ainda por cima detestando os médicos, nunca foi consultar nem fazer exames. Ás vezes as dores são muito fortes, mas como depois passam, não se cuida. Entretanto Manuel é nomeado pelo governo Português diretor geral das barragens do Sul Portugal. Esta nomeação é festejada na casa da calle San Juan com o restante da família presente. Antônio e Angelines, os filhos e as noras e os nove netos estão presentes. Antineia está feliz por poder compartilhar a sua alegria com a família.
Principio de 2003, Antineia como o português não tem segredos para ela, começa a entrar nos bate papos brasileiros. Aí é muito mal recebida. De novo o desejo dos homens e o ciúme das mulheres lhe criam problemas. Algumas internautas até chegam a injuriá-la. Por outro lado ganhou bons amigos e amigas. Antineia de Lupa é o seu sobrenome nos bate papos e o seu nome na vida real.


                                                                     Epílogo

 

Numa tarde de Março 2003, quando o marido chega a casa encontra Antineia caída desmaiada ao lado do computador. Imediatamente a conduz ao hospital civil de Badajoz; depois de ser examinada a guardam nos tratamentos intensivos Em casa quando o pai chegou o Arnaldinho chora perguntando pela mamita. O pai explica que a mamita está enferma e que em breve volta para casa. Mas mal sabia ele que não voltaria mais! No dia seguinte quando a foi visitar, os médicos dizem que ela deve ir sem falta a Madri para o hospital de Oncologia. Devido aos seus conhecimentos Manuel pode requisitar um helicóptero para a levar a Madri. Ali fica um mês. Os médicos ainda tentam levá-la para os Estados Unidos a fim de poder receber um novo tratamento contra o câncer. Quando viu os exames praticados, o cirurgião americano, diz que já é tarde de mais. O diretor da clinica então chama Manuel no seu gabinete e fala não haver mais nada a fazer, o câncer está generalizado. Ela só tem algumas semanas de vida. Para não chocar o Arnaldinho, o pai resolve levá-la para o hospital de Badajoz a fim de falecer ali e não em casa. Três semanas depois ela se apagou em horríveis sofrimentos. Ainda não tinha completado os seus 36 anos!
Quando Manuel a vai ver já na urna, fica horrorizado. A sua amada não é mais branca, mas amarela e já não tem mais carne, é praticamente só osso. O funeral se realiza numa sexta feira de tarde. Sai da Fundação no centro da cidade. A praça está cheia de pessoas, gente de toda a Espanha vem prestar-lhe a ultima homenagem. Calcula-se que mais de mil pessoas assistem ao funeral.
No domingo 20 de Setembro de 2003 uma nova rua é inaugurada em Badajoz á qual deram o nome de calle Antenea de Lupa.
Manuel Ribeiro e Arnaldinho estão presentes. Um português protegido da fundação, de 20 anos de idade, entrega este poema ao Arnaldinho:

 

Antenea e Antineia
Duas mulheres duas vidas
Dedicadas a fazer o bem.
Muitas crianças perdidas,
Puderam achar felicidade
Graças á generosidade,
Que nem toda a gente tem.

Tua avó e tua querida mãe
Muitas crianças ajudaram
No decorrer da sua vida.
Alguns, mesmo estudaram.
E hoje são alguém na vida.
Gratos pra sempre estarão
Por tal bondade tamanha,
Que aos pobres mostraram
A grandeza de seu coração.
Essas de Lupa, neta e avó.
Que para sempre serão
Para mim, e não só,
As mais nobres de Espanha.

 

Esta história mostra vários aspectos importantes da vida:
Contrário ao que muita gente pensa a Mulher é um ser forte, um verdadeiro complemento do homem. A única coisa que a diferencia do homem é o sexo. Mesmo a Bíblia a chama de homem-fêmeo. Simplesmente o Homem durante milênios não reconheceu isso.
A vida não é fácil tem altos e baixos e muitas vezes mais baixos que altos.
Também embora se possa ter uma relativa felicidade esta nunca será completa. A razão principal disso é a morte. Quando pensamos estarmos verdadeiramente realizados na vida, a morte nos ceifa na flor da juventude, como no caso da Antineia.
Mas tenhamos esperança. Como disse Antenea de Lupa, a Bíblia diz que ainda: Os dias do homem serão como os da árvore...
Assim como existem árvores que são eternas, assim o homem talvez um dia ainda poderá vir a ter vida eterna.
Por conseguinte a verdadeira felicidade!

 

                                                                   FIM


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domingo, março 27, 2011 - 21:04

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