CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

O Terceiro Condenado

O Terceiro Condenado Lúcio Sarmento
Era um ladrão. Roubava para viver. Vivia para roubar. Sua pobre família era sustentada por seus furtos. Não escolhia vítima. Em toda a Judéia seu nome era pronunciado seguido por maldições; como uma praga aviltante.
Os romanos e os judeus o odiavam. Soldados perderam soldos inteiros para o facínora. Templos foram saqueados. Assim, romanos e judeus tinham finalmente algo em comum: o ódio pelo ladrão do deserto.
Caçado em toda a região, não lhe restou outro esconderijo, a não ser o deserto. Seus alvos principais passaram a ser as caravanas. Atacava na calada da noite e afanava o que estivesse a sua frente.
Enquanto isso, sua família, perseguida pelas autoridades, sumiu de sua vida. O bandido ficou só, no mundo.
Por muito tempo vagou sem rumo certo.
Certo dia, quando dilacerava suas entranhas terrível fome, às margens do rio Jordão, viu uma multidão que ouvia atentamente um homem chamado João Batista, o Profeta do Deserto.
- Venham todos! O tempo é agora! Convertam-se, pois é chegado o dia da vinda do Filho do Homem!
Do alto de uma rocha, o ladrão via o Batista receber presentes que logo eram recusados. Muitos eram batizados por ele, que os mergulhava nas águas do Jordão, para que seus pecados fossem lavados.
Pacientemente, esperou o momento certo para atacar. Já o sol se escondia, quando o frio e a fome o obrigaram a descer o monte.
O Batista estava de costas para ele. Sua adaga brilhou sob a luz das estrelas. Quando sua mão armada já descrevia uma curva no ar, uma estranha força o arremessara para trás. Ele estatelou-se no chão. Zonzo, ergueu-se
Pág. 52
penosamente. João aproximou-se e falou com mansidão.
- Se queres abrigo, levante-se.
- Nada quero como esmolas! – irritou-se o ladrão.
- Venha se sentar ao calor da fogueira.
- Não! Logo patrulhas romanas surgirão na curva. Não temes o inimigo?
- Não há mal que possam me fazer.
- Pois, a mim, há.
- Então, por que não deixa a senda do crime, meu amigo?
- Nada de amigo! Nunca tive amigos e nunca terei. Prefiro assim. Gosto de ser solitário. Tudo o que quero, tiro.
- Por quê?
- Porque posso. Para matar a fome. Isso não lhe diz nada?
- Diz, muito. A vida inteira eu senti fome. Ela sempre voltará, não importando a quantidade de alimento que devores. Mas a maior de todas, a do espírito, essa foi aplacada para sempre, assim que a verdade se revelou para mim.
- Que verdade?
- A que me trouxe até aqui. Sei que a verdade virá até mim.
- Isso é alguma feitiçaria? Ensine-me como usá-la, para que nunca mais volte a ter fome.
- Não. Não é nenhuma feitiçaria. Agora não entendes. Mas, cedo ou tarde, todos entenderão o que digo. Até tu.
- Hipocrisia! Tolo sonhador! Aconselho-te a sair do sol, pois a solidão e o calor do deserto fazem mal à cabeça. Alucinações, entende? Eu mesmo já tive muitas. Agora, devo partir.
Pág. 53
Recolhendo algumas das oferendas recusadas pelo Batista, o ladrão desaparece na escuridão.
Recomeça sua saga. Sempre fugindo, cruzou a Judéia como um arauto da desgraça. Ágil e esperto, burlava as ciladas preparadas pelos seus perseguidores. Chegou até mesmo a alistar-se na frente de resistência judaica, que fazia ataques surpresas às guarnições romanas das fronteiras. Porém, a desvantagem numérica dos revoltosos e a organização militar dos invasores colocaram fim na sua carreira de revolucionário.
Cansado, tornou-se uma presa fácil. Uma noite, enquanto dormia numa estalagem, foi surpreendido por uma patrulha romana. Fraco, não opôs resistência. O oficial aproximou-se dele com um sorriso nos lábios.
- Em nome do imperador, estás preso! Hás de maldizer o dia em que nasceste! Tu e tua corja que ousaram desafiar o poder de Roma!
O ladrão foi atirado no calabouço. Lugar fétido, onde o sol nunca batia. Perdeu a noção do tempo. Somente o ódio lhe emprestara forças para manter a sanidade. Quando sentiu que fugir era praticamente impossível, deixou-se ficar num canto à espera da morte.
O tempo passou. Um dia, que não sabia qual era ao certo, a porta da prisão se abriu. O carcereiro e alguns soldados entraram. Um deles se aproximou e disse:
- Venha! Está na hora de receber a misericórdia romana!
Arrastado para fora, sentiu a claridade do dia ferir seus olhos. Ouviu gritos ao seu redor. Algo lhe dizia que o pior estaria por vir. Por um momento, percebeu que o esqueceram, até que outro preso foi colocado próximo a ele.
- Vamos morrer! – gemeu o homem.
- Sim. Mas, toda essa algazarra é por nossa causa?

Pág. 54
- Abutres!
Os guardas chegaram e passaram a amarrar pesadas vigas aos seus ombros. O outro não parava de reclamar, enquanto os soldados debochavam:
- Malditos abutres! Vão nos crucificar!
O homem começou a chorar. Naquele momento, o ladrão percebeu o motivo para tanta agitação: havia um terceiro condenado.
Parecia alguém importante. A presença das autoridades romanas e dos sacerdotes judeus indicava que ele foi julgado e, pelo jeito, condenado. Sua aparência estava horrenda. Fora duramente flagelado e colocaram um estranho capacete em sua cabeça. Parecia espinhoso. Os soldados romanos escarneceram dele e colocaram uma pesada cruz ao seu ombro. A multidão o arrastou pela rua.
- O que ele fez? – perguntou, enquanto era amarrado na sua viga.
- O pior de todos os crimes: enfureceu os poderosos. – disse o soldado.
Ao ser empurrado para a morte, ouviu seu companheiro de infortúnio implorar por uma espada. A morte pelo aço seria menos dolorosa do que aquela que os esperava. Aquilo, no entanto, nem se comparava ao sofrimento que era imposto ao terceiro condenado. Humilhação, chibatadas, tudo era muito cruel.
Porém, de tudo o que estava presenciando, uma coisa chamava sua atenção e cravava um profundo golpe em sua alma. Ele, em meio às tapas e látegos, permanecia impassível; duro; forte. Parecia estar acima de tudo e de todos. O ladrão, diante daquele homem, se sentiu muito pequeno.
O aviltante trajeto terminou finalmente. Olhou o Gólgota e sentiu medo pela primeira vez. A tortura pela qual passariam seria algo de inexplicável. Gritou ao ter seus membros fixados por pregos ao madeiro.
Pág. 55

Ao ser erguido na cruz, lembrou-se do homem que sofria a mesma
pena brutal. Olhou para o lado. Sua alma dilacerou-se mais ainda ao vê-lo. Estava irreconhecível. Acompanhou o diálogo que seus algozes trocavam com ele. Apesar da fraqueza, suas palavras soavam ameaçadoras. Sentiu medo. Lembrou-se das palavras do profeta João, que esperava ouvir a verdade às margens de um rio. Será que ele ouviu?- pensou.
Aquele homem, o Cristo, como o chamavam, estava dizendo a verdade? De repente, o outro condenado começou a insultá-lo:
- Ei! Tu não és o Cristo? Por que, então, não te salvas e a nós também?
O ladrão indignou-se:
- Cala-te! Não vês que este homem é inocente? Nós bem merecemos estar aqui.
E completou:
- Cristo, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino!
Sua dor amenizou um pouco, ao ouvir as palavras daquele desconhecido:
- Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no paraíso!
O Batista estava certo. Sua alma estava estranhamente saciada. Nem as dores causadas pelos cravos traspassando seus membros eram maiores do que a paz que o envolvera naquele momento.
Tudo aconteceu muito rápido. O céu escureceu e seus olhos sem visão conheceram a noite eterna. Sentiu-se só, num vazio absoluto. Então, era assim estar morto? Assim pensava, quando ouviu um chamado. Alguém pronunciava seu nome. Olhou para baixo e viu um homem parado ao pé da cruz. Estava resplandecente. Fechou os olhos entristecido. Sabia tratar-se de uma ilusão. O sol inclemente estava lhe causando alucinações, como muitas vezes aconteceu no deserto.
Pág. 56
Abriu novamente os olhos e, para sua surpresa, o homem continuava ali. Era o Cristo.
- Desça! – ordenou.
Só neste momento percebeu que suas mãos estavam livres dos pregos. Nenhum osso estava quebrado. O ladrão obedeceu.
- És mesmo o Messias! O Filho de Deus! – exultou ao pisar o solo.
- Tu, no teu sofrimento, creste. Bendito o que crê, mesmo sem ver!
- Não sou merecedor dessa dádiva. Sou um ladrão.
- Não és, mais. Li em teu coração o desejo ardente de mudar. Eu cumprirei a promessa que te fiz.
Subitamente, abriu-se um portal à frente dele. O ex-ladrão não conseguia descrever o que seus olhos presenciavam.
- É o Paraíso! – concluiu.
Dois anjos aproximaram-se dele e o conduziram para dentro. Ele se virou para perguntar:
- E o Senhor? Não vem?
- Não, ainda. Em três dias cumprirei minha missão e retornarei à casa de meu pai.
Um último aceno. O ladrão do deserto conhecera a verdade. Nunca mais tornará a ter sede, nem fome. Nunca mais.
FIM

Pág. 57

Submited by

quinta-feira, fevereiro 4, 2010 - 02:43

Prosas :

No votes yet

lucio

imagem de lucio
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 4 semanas 4 dias
Membro desde: 05/14/2009
Conteúdos:
Pontos: 866

Comentários

imagem de RobertoEstevesdaFonseca

Re: O Terceiro Condenado

Parabéns pelo belo texto.

Um abraço,
Roberto

imagem de lucio

Re: O Terceiro Condenado

Olá, Roberto,
Teu incentivo tem sido muito importante para mim.
Fico feliz em saber que estás lendo minhas obras.Um grande abraço.

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of lucio

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Dedicado Aos Mestres 1 1.556 09/23/2019 - 11:43 Português
Fotos/Espectáculos Semana Santa 4 2.206 05/29/2019 - 11:50 Português
Poesia/Amor Mãe 3 1.236 05/21/2019 - 03:15 Português
Poesia/Geral A Fogueira da Saudade 3 1.541 03/26/2019 - 19:46 Português
Poesia/Amor Na Lira Plangente 6 1.613 01/13/2019 - 23:06 Português
Fotos/ - lucio sarmento 3 3.420 03/06/2018 - 20:49 Português
Poesia/Comédia O Mendigo 2 2.271 03/06/2018 - 15:18 Português
Poesia/Canção A Canção do Guia 1 2.145 03/06/2018 - 15:17 Português
Poesia/Aforismo Nau Frágil é o Coração 4 1.427 03/06/2018 - 15:16 Português
Poesia/Amor Anjo 1 1.585 03/06/2018 - 15:13 Português
Poesia/Geral Aos Vencedores 1 1.253 03/06/2018 - 15:04 Português
Poesia/Geral Trovas Novas 3 1.509 12/02/2017 - 16:40 Português
Poesia/Geral Mais Trovas 4 1.502 11/28/2017 - 13:34 Português
Poesia/Geral Trovas 2 1.327 11/24/2017 - 01:51 Português
Poesia/Amor Canção Para Ela 0 1.215 04/13/2015 - 23:30 Português
Poesia/Dedicado Bodas 0 1.460 04/13/2015 - 23:14 Português
Poesia/Amor Inocentemente 0 1.634 04/12/2015 - 16:50 Português
Poesia/Amor Mega Soneto Para Ela 0 1.649 03/31/2015 - 23:35 Português
Poesia/Dedicado Gerundismos 0 1.691 03/31/2015 - 23:20 Português
Poesia/Amor A Linguagem do Amor 0 1.446 03/11/2015 - 23:45 Português
Poesia/Amor Sex Shop 1 1.673 03/11/2015 - 23:18 Português
Poesia/Amor O Tempo e Ela 1 1.489 03/08/2015 - 01:16 Português
Poesia/Amor Destinos 1 1.514 03/08/2015 - 00:46 Português
Poesia/Amor Destinos 1 1.707 03/08/2015 - 00:32 Português
Poesia/Geral Andarilho 2 2.190 03/22/2012 - 22:28 Português