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OS GÉMEOS - 17 - Madeleine

.

 

(continuação)

 

Estava sentado no canto mais sombrio do quarto, completamente imóvel, a olhar esquecido o ondear branco da coberta amarrotada pelos movimentos do corpo inquieto de Madeleine.

Não queria permitir que a angústia o enervasse, e por isso esforçava-se por manter o espírito ocupado com preocupações distantes dali, tão distantes que ficavam a milhares de quilómetros, lá, no seu arrozal, donde estava ausente há já uma eternidade, parecia-lhe. Na verdade, eram cuidados de que não devia ter-se alheado, porque agora teriam de ser considerados com objectividade, e sendo assim ele precisaria de já ter reflectido bastante sobre alguns deles.

A qualquer instante Jimmy poderia chegar e dar uma volta à sua vida, e, apesar de por sua parte não sentir desejo de se opor a nada do que o irmão viesse a sugerir para ele, havia que contar que, muito embora por sua iniciativa, poderia vir a estar em causa o futuro de diversas pessoas envolvidas na sua existência. Competia-lhe por isso antever as perspectivas mais inconvenientes da situação, para poder alertar James. Claro que podia estar a ser pessimista, mas o estado de Madeleine não lhe inspirava confiança.

Contudo não conseguia encadear os seus pensamentos. Aqueles momentos eram cruciais para Madeleine, e ele não sabia como aquietar-lhe a angústia.

— Willy?... — gemeu Madeleine, em voz sumida. — Willy... — repetiu ela, ante o silêncio distraído de William. — Eu sei que estás aí... Por favor, não estejas tão preocupado...

— Desculpa-me, Madeleine... Desculpa-me. Julguei que tivesses adormecido e por momentos passou-me pela cabeça o meu arrozal. Ainda te dói?... muito?...

— Dói-me mais a tua tristeza...

— Ora!... Como é que podes notar isso?... Naturalmente que estou preocupado, mas...

— Vale-me que não posso chorar!... porque cada palavra que dizes toca-me com a tua íntima amargura...

— Madeleine?... Posso dizer-te uma coisa que guardei para este momento?...

— Eu sei o que vais dizer!... mas diz...

— Gosto muito de ti.

— Isso dá-me ânimo... Obrigada. É tão penoso este negrume!...

— Vai passar... Verás!

— Não sei... Vou magoar a tua sensibilidade com o pedido que te vou fazer, Willy... não te quero aqui... Sai, quando eles vierem.. Volta apenas quando eu puder chorar...

— Madeleine!...

— Estou preparada para tudo. Se precisar da tua ajuda, por favor, não a negues...

— Desgostas-me, Madeleine!

— Não serão as cicatrizes que me hão-de perturbar. As pessoas habituam-se. Mas... em cegueira... assim não quererei viver... Por favor...
— Madeleine, isso é tolice... Vais ver! O Doutor Joshua está confiante.

— Promete! Por piedade... terás de me ajudar...

— Está bem, Madeleine. Prometo ajudar-te em tudo que quiseres. Em tudo, mesmo... Mas não vai ser preciso...

— Willy? Podias encostar a porta... e vires para aqui abraçar-me por instantes?... Não. É melhor não... Que escândalo!... Se nos encontrasse assim, como reagiria o teu irmão?... Compreenderia?

— Decerto que sim, Madeleine... ele adora-te, Madeleine.

— Eu também gosto muito dele... Tu sabes. Mas não gostaria de ter de partir... sem antes te abraçar...

— Estes momentos finais, desse penso e dessa venda a esconderem-te o olhar, estão a ser responsáveis por alguma tolice nossa...

— Passei mais de duas semanas a detestar e a amaldiçoar estes trapos de gaze... agora quase desejo não os retirar. Segura a minha mão, por favor... Olha, vêm aí... sinto-o... Vai, agora vai-te embora, Willy. Por favor!...

Assim que o irmão e o doutor Brent transpuseram a porta do quarto, William fez-lhes um aceno de despedida e saiu sem pronunciar uma palavra. Não precisava de dizer o que quer que fosse para que Madeleine soubesse que ele fora embora. Na escuridão implacável em que ela estava a viver era natural que reconhecesse os mais pequenos ruídos, e portanto os seus passos a afastarem-se, suspensos de temor. E quanto ao irmão e ao médico, que ele nem encarara, também poderiam compreender o seu silêncio. Que é que valeria afirmar a esperança ou mostrar a comunhão da sua contristada sensibilidade, depois do que prometera a Madeleine e que deveria guardar para si? Jimmy sabia que estavam todos unidos na mesma agonia íntima, o doutor Brent teria agora ainda mais estampada na cara a dúvida que na última semana lhe enrugava o olhar e lhe arrepanhava os cantos da boca quando examinava Madeleine, e a enfermeira que vinha atrás deles, a empurrar um carrinho atestado de maquiavélicos instrumentos de pequena cirurgia, continuaria a revelar a sua fria eficiência.

“— Madeleine. Não nos desiludas, por favor... Aguenta-te! Não queiras abandonar-nos... Não podes! Jimmy precisa de ti... E eu também...” — disse, a falar sozinho, já na sala de espera.

Puxou de um cigarro, olhou-o pensativo, hesitou, esfarelou-o entre os dedos, com nervosismo, deitou a porcaria no cinzeiro, a torcer o nariz, pelo seu típico horror a sujidade, mas voltou a tirar outro do maço e acendeu-o. Era uma asneira, no entanto agora fumava com frequência! Apesar do acidente estúpido em que Madeleine se ferira... Se bem que o autêntico causador do desastroso acaso tivesse sido a imprevidência de acender um isqueiro numa atitude distraída. O calor intenso libertado numa chama anormalmente grande cegara-a de um golpe e ainda lhe chamuscara a fronte. Porquê, e como se desregulara tanto o dispositivo doseador da chama? As horas desastrosas na vida de uma pessoa são de uma contingência sombria!

Lembrou-se da aflição de Jimmy, ao telefone:

— William, por favor, mete-te no próximo avião e regressa. Preciso de ti com urgência!

— Sim mano... Que é que foi, desta vez? Porque é que não vens tu antes para cá? Se agires com cautela, aqui terão muita dificuldade em dar contigo...

— Não, não é nada disso. Aconteceu um horrível acidente... com Madeleine... Ah! Tu não a conheces... Não importa agora, vem, preciso de ti aqui!

 


 
(continua)

Escrito de acordo com a Antiga Ortografia

 

.
 

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quarta-feira, abril 24, 2013 - 10:30

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Nuno Lago

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