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Por ti Seguirei... (10º episódio)

(continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/47017.html)

Sekia situava-se numa zona de quase terra de ninguém, entre os territórios celtiberos, governados pelos Aravecos, a partir de Numância, e os domínios dos Iacetani, povo que adoptara os Montes Pirenaicos para sedentarizar.
Apesar dessa espécie de orfandade de pátria, Sekia sempre fora um entreposto de muitas culturas e encruzilhada de muitos destinos. Tinha agora os Romanos a fazer-lhes sombra.
A mescla civilizacional estava bem exposta na cidadela. Os motivos e construções orientais interagiam espontaneamente com a cultura grega e romana e tudo “esculpido” sobre o cenário autóctone, ibero. Pelo mesmo diapasão, as gentes também não escondiam os seus traços de origem. Quem diria, um lugarejo daqueles, perdido na geografia das potências da Terra, tinha a capacidade de atrair tão eclética presença humana.
O povoado era simples, composto sobretudo por áreas habitacionais, espaços de pequenas lojas e tabernas, locais religiosos e demonstrava pouca inspiração militar.
A zona comercial era particularmente movimentada e colorida, sobretudo pelos rabiscos engenhosos e jocosos, de sátira objectiva, que despontavam nas paredes, como heras e arbustos da época. Bem curtida pelo Sol, patenteava a confusão de aromas misturados de comidas exóticas e perfumes orientais, carregava a acuidade visual com a sobreposição de criativas e muito ilustradas tabuletas publicitárias. Os metais brilhavam descaradamente, ofuscando os olhares mais interessados. As mais belas armas da Ibéria, sobretudo, e de todas as partes, em geral, reluziam na imaginação dos aventureiros que passavam. As tabernas vendiam jarros de convívio e canecas de boa disposição, ainda mais acalentadas por uns belos nacos de veado assado ou javali cozido. O pão de farinha de bolota era rei por aquelas mesas e meigo às mãos de todos. Muitos dos negócios aí se concretizavam, entre duas goladas e um aperto de mão.
Foi numa destas vendas que parou o nosso grupo. Num recanto exterior, sentaram-se e pediram cerveja, para refrescar.
- “Nunca tinha visto nada assim. Isto parece outro mundo!”, disse um dos Vacceus de Gurri.
- “Shiuuu! Mantenham-se distraídos e naturais. Vêm aí os Romanos…”, sussurrou Zimio, ele que estava sempre vigilante como um falcão.
Eram sete. Talvez fosse uma patrulha que, ao passar próximo da civitas, resolvera escapulir-se ao serviço para acomodar a virtuosa fome e a excelsa sede.
Sentaram-se na mesa imediata, grasnantes e ansiosos por serem servidos: -“Ó taberneiro, seu imundo, isto é tábula que se apresente a clientes tão ilustres?! Vem cá pôr isto em ordem e asseado”, gritou, enquanto lançava um olhar sobranceiro e escarnecedor para a mesa de Alépio e dos seus. – “Vem servir Maxílio e a nata mais fina das gloriosas legiões da magnífica Roma!” Insistiu no olhar…
Já enjoava os Celtas. A vontade era cortar-lhe a garganta…- “Quietos, ninguém se mexe sem que eu diga tal”, impôs Alépio, numa movimentação suave dos lábios.
Quando se aproximou o taberneiro, o Romano esqueceu a mesa do lado e concentrou a sua azia naquele: -“Isto parece uma pocilga. Até a cloaca de Roma está mais limpa do que esta tábua onde serves as vitualhas. Pergunto-me como será a tua comida! Anda lá, passa esse pano untuoso e traz-nos vinho… do bom, senão sentirás as garras da águia!”.
Devido à crescente presença romana, o vinho começava a entrar nas vias mercantis da Ibéria e a aparecer nos estabelecimentos de comidas e bebidas do Nordeste.
Mesmo ainda sem os efeitos potenciadores de desregramento do álcool, Maxílio era inveteradamente desmedido no comportamento e na verbalização, sem se preocupar com o que dizia e com quem o ouvia.
-“Tenho de me desfazer dos objectos de ouro que extorqui aos prisioneiros – aqueles cães púnicos! – antes que alguém dê com a língua nos dentes e o optione descubra o que se passou. Hehehehe, alguns gemeram bem para me entregarem os bens! Sobretudo aqueles que tinham os anéis muito apertados. Mas deram-me trabalho: depois de lhes cortar os dedos, tive de lavar o sangue daquelas preciosidades, malditos!” Soltaram todos uma audível e prolongada gargalhada.
O espírito de comerciante de Rubínia tomou-a num ápice. Viu ali a grande oportunidade por que aguardavam. Com os próprios companheiros perplexos e sem reacção, deixou tombar ruidosamente - num gesto simuladamente inadvertido e ingénuo -, a trouxa onde carregava os objectos metálicos, espalhando-os sobre a mesa e remexendo ostensivamente sobre os de ouro, enquanto os embrulhava novamente, de forma precipitada.
De seguida e deixando escapar algum (falso) nervosismo, pela forma enleada e demorada com que abriu uma generosa bolsa, onde se podia apreciar uma avultada maquia em moedas de grande quilate do mesmo metal, solicitou em voz clara: - “Taberneiro quanto é a nossa conta? Temos de seguir caminho. Temos negócios a realizar ainda hoje…”.
Os companheiros entreolhavam-se admirados: ainda não tinham acabado a bebida e não tinham planos para seguirem… Mas, logo perceberam o que motivava Rubínia.
Maxílio, velha raposa, não perdera um só momento do que se havia passado na mesa ao lado. Arreganhou os dentes, como se acendesse a lucerna das ideias. Levantou-se abrupto e dirigiu-se ao grupo: - “Então Celtas, sois comerciantes? Que artigos transaccionais? Será Ouro?”.
Rubínia, com a mão pelas costas, segurou a espada de Zímio dentro da bainha. Ia falar, porém, Gurri, entendendo agora o objectivo da mulher e para manter a farsa bem montada, assumiu o papel de líder viril da caravana. Ergueu-se rapidamente, em simultâneo que puxava o braço a Rubínia e a orientava para que se sentasse: - “Sim Romano, somos comerciantes Vacceus. Cambiamos sobretudo ouro em moedas por ouro em peças de ornamentação. Pareces interessado: queres comprar ou vender?”
Maxílio fez uma careta de desconfiança. Por uns segundos pensou que urgia realmente libertar-se dos bens que havia roubado. – “Sentemo-nos”, disse.
Completamente alheado da possibilidade da sua conversa anterior com os camaradas ter sido escutada, retomou num tom, para si incaracterístico, de quase segredo: -“Digamos que poderei ter alguns objectos valiosos. Legado de guerra, retirado àqueles que se atreveram desafiar as águias de Roma e que, por isso, tombaram nos braços da morte. Pagais bem?”
- “Se os objectos que afirmas que poderás ter forem de qualidade e boa arte, avaliaremos e pagaremos bem o espólio.”
- “Muito bem Celtas. Vou dar-vos algum crédito. Porém, se houver alguma trapaça, pagareis ainda mais caro… E para que não haja dúvidas, amanhã, tu e a mulher, devereis ir ao nosso campo militar, que fica a alguns centos de passos deste lugar. Aí chegados, avisai as sentinelas que quereis falar com Maxílio. Se vos perguntarem o que vos leva à minha procura, direis que vindes do porto de Óstia e tendes notícias dos meus familiares. Levai bom dinheiro, porque será necessário. Ave!”
- “Vamos, seus calões, toca a levantar! Temos uma patrulha para concluir! O Centurião e o optione ainda aparecem por aí à nossa procura e depois temos de lhes pagar umas ânforas de vinho!” Nova gargalhada acompanhou o movimento alvoroçado de arranque dos legionários.
Alépio e os demais mantiveram-se quietos e relaxados, com a satisfação estampada no rosto: com a mestria de Rubínia, tinham acabado de conseguir um salvo-conduto para o interior do campo romano…

(continua…)

Andarilhus
IV : VIII : MMX

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quarta-feira, agosto 4, 2010 - 17:19

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