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Rótulo Vencido
Para os Conservadores, um “antro de perdição”. Para os Liberais (tanto os autênticos quanto os oportunistas) um espaço que definem usando o mais puro “Politicamente Correto” e repetindo os lugares-comuns que as televisões lhes ensinam. E fazem com tanta veemência que é possível que se acredite em suas sinceridades quando chamam o local de “POINT” das pessoas “de orientação sexual heterodoxa”.
E essas pessoas, após cumprirem tudo que a vida lhes exige; ali, na praça, exercem o sagrado direito de praticarem o lazer que é comum a todos. Heteros ou Homossexuais. E entre alguma música, alguma bebida e algum cigarro (que é fumado bem longe de todos, pois “DURA LEX, SEDE LEX”) expõem suas idiossincrasias, afetos, alegrias, mágoas etc. E tudo se resume nisto. Não se tem noticia de que ali exista maior criminalidade, perturbação excessiva ou qualquer outro motivo real que pudesse embasar a “má fama” do local. E, no entanto, a “má fama” persiste. Ou persistia?
Após comprar cigarros (que provocam câncer) e tomar o habitual café, começo o caminho de volta para casa, justamente na praça. Cronistas antigos e conservadores a chamariam de “Logradouro do Pecado”, mas como eu sou só Antigo, pouco me incomoda o que se imagina que lá ocorre e que eu nunca vi. E me bastaram alguns passos, em tal logradouro, para que eu ouvisse dois jovens ao meu lado comentarem com a eloqüência própria da idade: - cara! Olha o maluco, lá!
E de fato, à frente, um rapaz seminu, com um saco de lixo cobrindo as partes (atenção cronistas de antanho) pudendas, um saco de papel a guisa de capuz e sacolas de Supermercados no lugar dos sapatos. Declamava frases desconexas, mas talvez de temáticas complexas e, certamente, atinentes à aventura do Homem nesse ponto azul que nos foi dado habitar. Junto dele, uma jovem de meias-pretas e vestido bordô dançava ao som de sinos (sim, carrilhões) e em sua coreografia expunha a dor e a delicia embutidas no ato de viver.
Não me peçam para comentar performances, textos ou mensagens. A falta de um equipamento de som para os atores e de melhor audição para esse escrevinhador, impediram-me de ouvir e entender o teatro que ali se fez. E na verdade, pouco me interessava textos e mensagens. O meu interesse estava na platéia, que então já se compunha de mães com suas pequenas crias, homens sisudos (sérios?) e “por trás dos óculos1” e senhores e senhoras que dividem comigo essa meia ou mais idade. Gente que a natureza, ao impor algumas restrições físicas, induz ao Conservadorismo como tática de não se expor a riscos que já não se suportaria. E foi essa mescla entre Conservadores, Liberais, Heteros, Homossexuais, Crianças, Idosos e mais um punhado de pessoas de todos os tipos que me chamou atenção.
Foi esse pacto tácito entre todos no momento de viver Cultura que me despertou, ou melhor, renovou minha esperança nesse bicho estranho que chamamos de Humanos. Foi bom ouvir que todos recompensaram a jovem atriz, que simulara uma queda, com um generoso suspiro de alivio ao lhe ver salva por um cabo de segurança.
Por aproximadamente sessenta minutos aquela trupe reviveu o singelo, mas esplêndido teatro de rua. O mais puro teatro de rua. Revimos uma Commedia dela’arte. Por aproximadamente uma hora aqueles jovens fizeram que todos se esquecessem que o lugar era “maldito”, “mal afamado”. Fizeram com que não fosse mais “maldito”. A praça tinha voltado “a ser do povo2”.
Saí antes do fim. Menos por desinteresse e mais pelo temor de que junto com o final da apresentação voltassem a existir os Muros que nos cercam em Guetos estanques. Foi-me preciso deixar a praça daquele jeito. Generosa como toda praça deveria ser e que abrigasse e relevasse as superficiais diferenças que não sobrevivem à igualdade de nossas Essências.
Quero, enfim, deixar um beijo com muita gratidão àqueles jovens que tão despretensiosamente resgataram o que somos: somos pessoas! Os rótulos? Estão com o prazo de validade vencido.
Dedicado ao "Grupo Teatral do Trecho"
1 – da poética de Carlos Drummond de Andrade
2 – da poética de Castro Alves.
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