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Spinoza e o Panteísmo - Parte VI - O Progresso do Intelecto


 
Logo no inicio, Spinoza expõe as razões que o le-varam a se dedicar devotadamente ao estudo e, principalmente, à prática da Filosofia. Em suas pa-lavras:
“Depois que a experiência me ensinou que tudo aquilo que acontece na vida comum são coisas vãs e fúteis, e quando percebi que todas as coisas que eu temia e que me temiam nada tinham de bom ou mau, a não ser o grau em que a mente era por elas afetada, decidi, por fim, investigar se havia alguma coisa que pudesse ser verdadeiramente boa e capaz de comunicar a sua bondade e pela qual a mente pudesse ser afetada a ponto de excluir todas as outras coisas; decidi investigar se podia descobrir e obter a faculdade de gozar, por toda a eternidade, uma contínua felicidade suprema. (...) Eu conhecia as muitas vantagens adquiridas com a honra e a riqueza, e sabia que seria impedido de adquiri-las se quisesse investigar seriamente uma nova ques-tão. (...) Mas quanto mais se possui qualquer uma das duas, mais aumenta o prazer e, em consequência, mais se é estimu-lado a aumentá-las; ao passo que, em qualquer momento que nossa esperança é frustrada, surge em nós a mais profunda dor. A fama também tem uma grande deficiência, a de que se a perseguirmos teremos que dirigir nossa vida de maneira a agradar às concepções arbitrárias dos homens, evitando aquilo de que eles não gostam e procurando o que os agrada. (...) Mas só o amor para com uma coisa eterna e infinita alimenta a mente com um prazer a salvo de todo o sofrimento. (...) O maior bem é o conhecimento da união da mente com toda a natureza. (...) Quanto mais a gente sabe, melhor ela compreende suas forças e a ordem da natureza; quanto mais compreende suas forças ou seu poder, melhor será capaz de dirigir a si mesma e estabelecer as leis para si mesma; e quanto mais compreender a ordem da natureza, mais facilmente terá condições de libertar-se de coisas inúteis; o método é este”.
Na sequência, Spinoza afirma que no decorrer desse processo de estudo e aprendizagem contínuos e infindos, o “amigo do saber” deve levar a vida de modo exemplar enquanto pessoa e cidadão, deven-do, para tanto, seguir as seguintes regras:
Falar de maneira compreensível ao povo e fazer por ele tudo aquilo que não nos impeça de atingir os nossos fins (...).
Gozar apenas daqueles prazeres que sejam neces-sários à preservação da saúde.
Por fim, procurar apenas (o) dinheiro (...) necessá-rio à manutenção de nossa vida e de nossa saúde...
São premissas que dificilmente encontrarão oposi-tores entre aqueles que se dedicam à Filosofia, pois elas condensam uma prática consagrada pelos tem-pos. E são, também, facilmente compreendidas por serem lineares, sem margem para questionamentos. Porém, a partir de certo ponto ele propõe as seguin-tes questões:
1) Como saber se o “Saber” é realmente sa-ber?
2) Como saber se os Sentidos (tato, visão, audi-ção, paladar e olfato) são confiáveis enquanto coletores e transmissores de informações?
3) Como saber se o Raciocínio, a Razão, é confiável em suas conclusões?
Três questões que frequentam assiduamente as filo-sofias dos grandes epistemologistas como Kant, que se dedicou a investigar qual o real limite e a real confiabilidade e potência da Razão; ou Hume, que após seus estudos, concluiu que todo Saber humano provém daquilo que os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) captam etc.
Spinoza, como se disse alhures, bebeu com os cita-dos pensadores na fonte do Racionalismo cartesia-no, mas, ao contrário deles, não se interessou pela Epistemologia e dessa forma, quando as três ques-tões acima lhe chegaram, ele teve que buscar outro tipo de resposta, certo da necessidade imperiosa de se “melhorar o Saber”. Em seus termos:
“Deve-se criar um meio para melhorar e esclarecer o intelec-to”.
E para tanto, segundo ele, é indispensável distinguir as várias formas de Conhecimento e confiar apenas naquelas que se configurem válidas e verdadeiras. Assim sendo, é possível comparar os seguintes ti-pos:
1) O “Conhecimento por ouvir dizer”, com o qual se sabe, por exemplo, a data do próprio nascimento.
2) A “Experiência Superficial” ou o “Conhe-cimento Empírico (no mau sentido)”, com o qual, por exemplo, um médico baseia-se a-penas em uma impressão de que certo tra-tamento será eficaz, sem qualquer cuidado de embasar a sua decisão em estudos cientí-ficos mais apurados.
3) A “Dedução Imediata, a Percepção Direta” que, a rigor, é o Conhecimento obtido atra-vés do Raciocínio, como sucede quando se conclui que o Sol é gigantesco, porque se percebeu racionalmente a relação existente entre a distância e o tamanho do objeto ou quando se vê de imediato que “o todo é maior que a parte”; ou que número 6 (seis) é o que falta na seguinte ordem: 2, 4, 8, 10...
Obviamente que o terceiro tipo de Conhecimento é superior aos outros dois, mas, ainda assim, é precá-rio e estará sempre sujeito a ser refutado por expe-rimentos diretos, como aconteceu, por exemplo, com o “saber racional e cientifico” sobre o éter, que por gerações manteve-se inabalado até que pesqui-sas científicas demonstraram a impropriedade da-quela teoria. Ademais, Spinoza também reconhecia que esse conhecimento seria limitado, pois suas qua-lidades só se aplicam quando se trata de coisas físicas, concretas, e desse modo seria preciso avan-çar ainda mais em busca do “melhor conhecimen-to”.
Assim, sem uma definição definitiva, ele condensou em apenas uma, as duas primeiras formas de Conhecimento e chamou o “Conhecimento Intuiti-vo” de “Percepção das Coisas em seus Aspectos e Relações Eternos”, ou, resumidamente, Sciencia Intuitiva, cujo objetivo seria ultrapassar as barreiras do raciocínio voltado apenas para o material, físico e encontrar por trás dos aspectos superficiais e per-ceptíveis das coisas e dos eventos as suas Leis e as suas Relações eternas. Encontrar a “coisa em si” de Kant ou a “Ideia” de Platão.
E foi essa premissa que lhe serviu como base para a sua teoria, cuja base é a diferenciação entre a ordem temporal; ou seja, o mundo dos fenômenos e a or-dem eterna, constituída pelo universo das Leis e da Estrutura. Em suas palavras:
“Deve-se observar, aqui, que não entendo por série de causas e de verdadeiras entidades uma série de coisas mutáveis, individuais, mas, sim, a série de coisas fixas e eternas. Porque seria impossível a fraqueza humana acompanhar a série de coisas mutáveis individuais, não só porque a quantidade dessas ultrapassa qualquer contagem, mas devido a muitas circunstâncias, em uma única e mesma coisa, cada uma das quais podendo ser a causa da existência da coisa. Porque, realmente, a existência de determinadas coisas não tem liga-ção alguma com a sua essência, e não é uma verdade eterna. No entanto, não é necessário compreendermos a série de coisas utáveis individuais, porque sua essência (...) só se en-contra em coisas fixas e eternas, e nas leis inscritas nessas coisas como seus verdadeiros códigos*, segundo os quais todas as coisas individuais são feitas e arrumadas; não, essas coisas individuais e mutáveis dependem tão intima e essenci-almente dessas fixas, que sem elas não podem existir nem ser concebidas”.
Esse arrazoado, além de sintetizar o seu Sistema filosófico, bem demonstra o apreço de Spinoza pela doutrina de Platão, já que nele o holandês quase que transcreve na integra a concepção da “ideia platônica”. Assim, aconselha-se ao leitor de “Ética” conservar na mente essa admiração que Spinoza sentia, pois com esse recurso será possível atenuar a decantada complexidade da obra, que será o objeto de nossas considerações no capitulo seguinte.

Nota do Autor – a admiração e a aceitação que Spinoza demonstrou pela obra de Platão é igual à da maioria dos Pensadores, fazendo com que se veja com bons olhos a cita-ção de que: “após Platão, tudo que se escreveu sobre Filoso-fia não passa de nota de rodapé”.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.

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sábado, agosto 2, 2014 - 21:06

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