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A Verdade Sufocada

Paulo Monteiro
Passo Fundo, meados da década de 1970. A Juventude do extinto Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) organizou uma reunião para defender anistia, fim do AI 5, do Decreto-Lei 477 e outras propostas oposicionistas daqueles tempos. Não sei por que cargas d'água a reunião acabou repercutindo até no Centro do País. No dia do encontro cinco personagens estranhos, cabelos cortados à escovinha, um deles com sotaque paulista, pasta James Bond, espalharam-se pelo plenário da antiga Câmara de Vereadores.
Dos líderes peemedebistas da cidade, apenas o vereador Delmo Alves Xavier se fez presente. Escafederam-se os demais cabeças da oposição. Até mesmo Dino Rosa, o representante dos comunistas no legislativo municipal, desapareceu.
Terminada a reunião, onde se falou nas mortes de Vladmir Herzog e de Manuel Fiel Filho, o homem da pasta preta, veio nos procurar. Não éramos os terroristas que esperava encontrar. Éramos "inocentes úteis", como ele mesmo nos rotulou. E, referindo-se às mortes do jornalista e do operário, usou uma frase que jamais esquecerei: "Não é porque um sargento boçal mate um prisioneiro que se vai culpar todo o Exército".
Sobre esse período acabo de ler um livro que está gerando polêmica: A Verdade Sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça (Brasília: Editora Ser, 2006). Algumas livrarias têm se negado a vender a obra. Um de meus melhores amigos, quando eu lhe disse que estava lendo e iria escrever sobre o livro de Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército Brasileiro, perguntou-me: "Será que vale a pena escrever sobre isso?!"
Vale a pena ler e escrever sobre o livro do Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI/CODI/II Exército, de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974, um dos períodos de maior confronto entre as forças de segurança e as organizações guerrilheiras, bem como de repressão à oposição política. Tornou-se verdadeiro personagem público em agosto de 1985, quando era adido militar do Brasil no Uruguai. A então deputada Bete Mendes, que tinha sido expulsa do PT por apoiar o governo Sarney, acompanhou o chefe do executivo em sua viagem ao país platino. Ali reconheceu, no adido do Exército Brasileiro, o chefe dos militares que a teriam torturado quando esteve presa, em 1970.
Carlos Alberto Brilhante Ustra amargou o silêncio que lhe impunha a disciplina militar. Foi defendido por seus superiores hierárquicos e, em 1987, com o principal objetivo de desmentir Bete Mendes, publicou Rompendo o Silêncio, que se tornou best-seller e provocou muita discussão. Seu livro "teve três edições - num total de 10000 exemplares - e foi muito comentado em manchetes nos jornais, revistas e TV. A primeira edição, de 3000 exemplares, esgotou-se em uma semana. Em menos de três meses as três edições se esgotaram. Assim, a divulgação foi bastante acentuada", conta em sua segunda última obra, à página 460. Rompendo o Silêncio tem uma espécie de continuidade, agora, em A Verdade Sufocada, obra polêmica, a começar pela censura que está chamando sobre si.
Em 31 de março de 1964 o Brasil vivia um processo revolucionário. As reformas de base, preconizadas por homens tão distantes ideologicamente entre si, como o senador trabalhista Alberto Pasqualini e o líder comunista Luis Carlos Prestes, dividiam o país, entre aqueles que com elas concordavam e os que a elas se opunham. Carlos Alberto Brilhante Ustra, anticomunista convicto, formava entre o segundo grupo, e participou ativamente do processo contra-revolucionário. Pode-se acusá-lo de tudo quanto se possa acusar um homem que comandou a famosa ou "famigerada" OBAN - Operação Bandeirantes, menos de incoerente.
Ao definir como revolucionário o processo político que se aprofundava durante o governo de João Goulart (1961/1964) e como de contra-revolução ao que se lhe seguiu está sociologicamente correto. Representavam duas verdades diferentes. Para que uma triunfasse era preciso que a outra fosse sufocada. "A guerra é a continuação da política com outros meios", escreveu certa vez Karl von Clausewitz.
A revolução brasileira implicaria numa guerra, da qual os "grupos dos 11" e as "ligas camponesas" eram a vanguarda. Antes que essa revolução social chegasse às últimas conseqüências houve o "golpe de 64", deflagrou-se o processo contra-revolucionário. E, diante do estágio em que se encontravam as forças oponentes, a guerra era inevitável. Foi o que aconteceu.
Carlos Alberto Brilhante Ustra comandou um dos exércitos mais eficientes das armas contra-revolucionárias. E o "doutor Tibiriçá", como passou para a história, na voz de seus adversários, foi eficiente.
"Nada como um dia depois do outro", assegura a sabedoria popular. Ustra participou da sufocação militar de uma certa verdade. A História, que deveria ser a mestra de todos os homens, ensina que a cada vitória militar corresponde uma derrota política. Hoje, aquela verdade que triunfou pelas armas, é sufocada pela Política. Se antes, em Passo Fundo, até um cabo do Exército, conhecido pelo codinome de Bugio, seguia os oposicionistas e, em plena via pública, tomava jornais censurados, agora o "consenso social" retira de circulação o livro de Carlos Alberto Brilhante Ustra.
A Verdade Sufocada começa com uma rápida biografia juvenil do autor. Sua ojeriza às forças de esquerda se deve à desilusão de seu pai, Célio Martins Ustra, que ao lado do irmão, Lupes Ustra, que eram militares, aderiu à Coluna Prestes. Lupes morreu em combate. Luis Carlos Prestes acabou abraçando o comunismo, no que sempre foi reprovado por Célio. Assim, Carlos Alberto cresceu e continua anticomunista. Coerência inteira.
Depois, ainda nos primeiros capítulos, resume a ação do Partido Comunista Brasileiro, destacando a "Intentona Comunista", os "justiçamentos" - assassinatos de militantes considerados traidores da causa - e as "agitações" anteriores à contra-revolução de 1964. Para nós, gaúchos, interessam particularmente as informações que presta sobre a precedência de Leonel Brizola sobre os movimentos guerrilheiros, na década de 60.
Carlos Alberto Brilhante Ustra nega o apoio norte-americano à contra-revolução; nega o financiamento de empresários à repressão contra-revolucionária e nega a tortura e o assassinato de opositores ao regime autoritário. "Combatendo com as mesmas armas" (p. 295) é um inter título do livro. Quem combate "terroristas", "com as mesmas armas" destes, decerto não os abate com pétalas de rosa e interroga borrifando perfume francês. A Verdade Sufocada acaba reconhecendo isso em passagens como esta (p. 317):
"Guerra é guerra. Terrorismo é terrorismo.
Em nenhum lugar do mundo, terrorismo se combate com flores".
Se os revolucionários recebiam dinheiro de Cuba por que os contra-revolucionários não poderiam ser financiados pelos Estados Unidos? Se os terroristas assaltavam bancos e usavam recursos para fins pessoais por que os contrários não poderiam se adonar de dinheiro desviado do Banco do Brasil pelo "Bom Burguês"? Se os "bandidos vermelhos" lançavam bombas por que não poderiam ser usadas "as mesmas armas", como no caso Para-Sar ou na série de atentados de 1980?
Todos os livros até agora escritos sobre os "anos de chumbo" contam versões parciais daquele período. É que pertencem a um ramo do conhecimento humano chamado história imediata. Narrando acontecimentos recentes, os historiadores imediatos estão muito próximos dos acontecimentos. Acontece com eles o mesmo fenômeno que observamos ao aproximarmo-nos muito de um espelho: vemos nosso próprio nariz muito maior do que realmente é.
Como aqueles que até o presente se propuseram a contar a Revolução Brasileira de alguma forma estiveram envolvidos com ela ou com a Contra-Revolução de 64, têm feito história imediata. E só poderiam escrever sob sufoco, ainda. A "história dessufocada" está por ser escrita. E passa por revelações de aparência inócua. Afinal, como se chamam o sargento boçal e sua vítima?
Verdade absoluta só existe uma. E está além das estrelas. Aqui, no reino dos homens, toda verdade é relativa. Principalmente a minha.
Se não me falha a memória, acredito ter sido Cervantes, no Dom Quixote quem afirmou que "a verdade e a mentira são como o azeite e a água". O sufoco abandonará a verdade algum dia, ainda que naquele, somente conhecido por Deus, anunciado por um dos "filhos do trovão" no último livro da Bíblia Cristã.
Enquanto esperamos pela verdade verdadeira, repitamos a passagem famosa de Voltaire: "Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo". Porque assim penso - e sempre pensei - entristeço-me ao ver pessoas, que se dizem democratas, impondo limitações à circulação de livros. Estão reduzindo-se ao nível daquele esbirro que, por sua aparência facial, mereceu o apelido que lembra o mais vulgar de nossos símios. E é porque sempre pensei como o autor do Dicionário Filosófico que recomendo a leitura de livros como A Verdade Sufocada, de Carlos Alberto Brilhante Ustra.

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terça-feira, fevereiro 17, 2009 - 13:35

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PauloMonteiro

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Comentários

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Re: A Verdade Sufocada

Caro Paulo Monteiro.

Creio que é natural, se não o é, é assim o comportamento tendencial, para ocultar tudo o que é estigma, tudo o que possa originar embaraços. Portugal, só ao fim de mais de trinta anos após a ditadura, começa a divulgar pedaços de história que pretendia ignorar e assim manter na ignorancia seus filhos ( terá sido uma nova forma de ditadura?). Prefiro pensar que foram os anos necessários para lamber as feridas, que só agora parecem cicatrizar.

Beijo

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Re: A Verdade Sufocada P/ Paulo Monteiro

Caro paulo Monteiro.

De facto não sei o que foram as ditaduras na América do Sul, mas sei o que são ditaduras, Portugal teve meio século de ditadura, muito embora eu a não a tivesse vivido efectivamente, tenho na família quem a viveu e pelo seu lado " mais que pior" ( presos políticos do regime).

Esclareço: Quando perguntei se havia inquisição no Brasil, foi no sentido e, perdoa-me se fiz má interpretação do teu escrito, mas pareceu-me que a censura ao livro " Verdade Sufocada" é algo actual e, se não é, porque não fazer nova edição?
No fundo só defendo e partilho do pensamento de Voltaire e explicitamente da tua.

Beijo

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Re: A Verdade Sufocada P/ Paulo Monteiro

prezada maria
o autor do livro tem sido acusado de chefiar um dos maiores e mais violentos esquemas de repressão política durante o regime militar.
seus livros, segundo ele o diz, não têm sido aceitos por diversas editoras.
entende ele é que isso seria sufocar a verdade
a verdade dele naturalmente
é o que se chama direito de espernear
no brasil não há mais censura
apesar de algumas tentativas em curso de restringir a liberdade de imprensa
especialmente devido às denúncias de corrupção
os intelectuais brasileiros têm repudiado essas tentativas
no dia 25 de setembro do ano passado tive a oportunidade de participar de um seminário sobre o tema na própria sede da academia brasileira de letras no rio de janeiro juntamente com uma delegação de integrantes da academia passo-fundense de letras
um grande fraterno e agradecido abraço do
paulo monteiro

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Re: A Verdade Sufocada

Verdade ou não...Inquisição no Brasil?

Beijo

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Re: A Verdade Sufocada

prezada maria
você não sabe o que foram as ditaduras militares na américa latina
como escrevi num texto sobre o poema las satrapías de pablo neruda eu mesmo tive de enterrar uma biblioteca e isso foi o de menos
em outros países a coisa foi ainda pior
um grande e fraterno abraço do
paulo monteiro

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