Amor entre margens
Era uma vez uma margem de um rio. E era uma vez a outra margem.
Uma chamava-se “margem esquerda” e outra chamava-se “margem direita”.
Viviam os dias olhando uma para a outra. Até onde uma se estendia a outra também. Se o rio dobra-se quase poderíamos dizer que eram simétricas.
As aves que pousavam nas árvores de uma iam contar os segredos desta à outra, pousando também nos ramos das suas árvores.
Todos os seus dias se contemplavam mutuamente com uma inocência tão natural que quase nem se apercebiam dos sentimentos que as levavam a olharem-se sempre e sempre.
Havia dias em que entre ambas se erguia um nevoeiro intenso, ocultando os seus contornos. Mas continuavam a ser margens que bebiam do mesmo rio. Continuava a existir o sentimento de existência cumulativo a cada uma.
Todavia, o que realmente as separava era o rio. Esta entrave de água tão extensa como a capacidade de amar. Não fossem as aves animais solidários e elas desconheceriam os murmúrios uma da outra. Por muito que tentassem gritar, o som da terra não se propagava por entre as águas. E por muita vontade que os peixes tivessem em ajudar, estes nada podiam contra o poder do chão.
O Homem criou as pontes para se unir com outros homens, não para possibilitar a união das margens! Mas a Natureza não dorme e, assim, criou as aves.
De tanto se olharem directamente, as margens sabiam de cor os traços uma da outra, sabiam as feições do relevo, sabiam a altura dos montes e sabiam onde se acumulada a chuva depois de cair. E, nesta atmosfera, quase sem notar, apaixonaram-se. Tão intensamente como intensa era a água que as separava.
Na vida dos Homens também existe amores que se contemplam uma vida inteira mas estão separados por uma força equivalente à de um rio, nunca chegando a juntar-se.
Serão as pessoas margens e os acontecimentos extensões de água?
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