Síncope
Agora que destes olhos não saem lágrimas, nem entra luz
Pareço agir com a perda dos sentidos como em favor ao som abafado de minha mente interrompida.
Agora que vejo o que não posso ver, sinto necessário o grito em desespero de um estranho desejo de viver.
Pois é tarde e de modo novo, lamento.
Lamento pois, por estes meus amigos rodeando meu corpo,
Por estas pessoas cujo nome de algumas posso dizer.
No embalo das notas cochichadas, posso rebater a saudade maior daqueles cujo nome não posso dizer.
E enquanto endureço a carne, sinto a fome do vizinho
Um sem saudades a lamentar, sem amigos a cochichar ao redor de si.
A aguardar a hora de ir para um lugar dstante e isolado.
Disse-me, antes da síncope: "Vou morar naquele lugar; aquele lugar de que te falei. Lembras?"
Como podia eu lembrar, se nada falou senão um: "até lá"
-Até lá? - me perguntei - onde?
Onde será este "lá"?
O pobre ainda está aqui, nem me olha, o coitado.
Está com a cabeça para cima, os olhos congelados, mirando o ponto por detrás da luz, não piscam, do mesmo modo que os olhos que o miram de detrás da luz.
Nem se move, o indigente. Antes de todos correrem para o mesmo lugar, estava lá, parado.
(Lá! Acho que agora entendo. Lamento por entender tão tarde, meu pobre amigo.)
Eles me cercam, me observam... Sinto-me bem, mesmo sem haver forma de mostrar-lhes com clareza.
Sinto a beleza da moça ao tocar minha mão e toco o infinito quando me pede para acordar... tem tanta intimidade na fala... se eu pudesse, declamaria um poema de um poeta imortalizado.
Como não posso ler nem falar, guardo a sensação e a impossibilidade de mudar este meu estado em outro lamento.
São tantos lamentos. A síncope agora parece irreversível. Senti um desconforto maior desde o começo. Achei que estaria enganado, como estive por tantas vezes. Apertam o meu peito. Os gritos com o meu nome, a enfermeira se afasta... os amores, os desencontros, descobertas vão juntos.
Eles, estes conhecidos, parecem lamentar por algo que não terão mais. Pederam a companhia de alguem eleito por eles ao cargo de especial. Não me sinto especial estando na solidão de agora.
Se eu pudesse, eu diria o quão especiais estes meus amigos são para mim.
São tantos lamentos.
Poderia ser diferente.
Poderia morrer velho e feliz, como querem os romancistas do mundo ideal.
Poderia ser feliz. Viver e morrer feliz em algum sempre sem importancia
Entretanto, jovem e sem volta, foi a escolha certa.
Poderia ser menos cruel.
Um homem com alguns anos a viver que morreu cedo.
Simples e sem dor. Assim foi.
A síncope permitiu que eu visse o que não via: o homem anônimo, a incerteza, a busca, a certeza. O meu vizinho, um faminto pela vida. O amigo cujo nome não sei dizer.
Diz estar lá. O nome do vizinho é amigo e dos meus amigos, vizinhos do amigo que acaba de morrer.
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 2044 reads
other contents of robsondesouza
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Pensamientos | Os bons | 1 | 1.977 | 02/27/2018 - 12:07 | Portuguese | |
Prosas/Saudade | Clarice e a Estrela | 1 | 2.976 | 02/27/2018 - 12:06 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Amarguras | 1 | 2.080 | 02/27/2018 - 12:05 | Portuguese | |
Prosas/Mistério | Deslocamento | 0 | 2.108 | 09/24/2012 - 02:33 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Obséquio | 0 | 1.854 | 05/01/2012 - 06:07 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Isolado | 1 | 1.900 | 04/15/2012 - 09:40 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Para algo ou alguém | 0 | 1.544 | 02/03/2012 - 05:51 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Síncope | 0 | 2.044 | 11/06/2011 - 18:45 | Portuguese | |
Poesia/Amor | A ti | 0 | 2.195 | 11/02/2011 - 23:48 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Distinto | 0 | 2.431 | 11/02/2011 - 23:00 | Portuguese | |
Poesia/General | Inequívoca | 0 | 1.965 | 08/21/2011 - 01:39 | Portuguese | |
Poesia/General | Mais um auto-retrato | 1 | 1.835 | 04/27/2011 - 23:21 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Dores, desejos vãos, devaneios permanentes | 1 | 2.634 | 04/14/2011 - 00:08 | Portuguese | |
Poesia/General | Guardei um poema para nós | 1 | 2.413 | 02/09/2011 - 13:32 | Portuguese | |
![]() |
Videos/Perfil | 1062 | 0 | 3.019 | 11/24/2010 - 22:09 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 1060 | 0 | 2.850 | 11/24/2010 - 22:09 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 1007 | 0 | 3.697 | 11/24/2010 - 22:08 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 930 | 0 | 2.825 | 11/24/2010 - 22:06 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 925 | 0 | 3.299 | 11/24/2010 - 22:06 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 924 | 0 | 3.001 | 11/24/2010 - 22:06 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 923 | 0 | 2.648 | 11/24/2010 - 22:06 | Portuguese |
![]() |
Videos/Perfil | 1015 | 0 | 2.841 | 11/24/2010 - 22:01 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Perfil | 3258 | 0 | 3.128 | 11/23/2010 - 23:54 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Perfil | 3259 | 0 | 3.233 | 11/23/2010 - 23:54 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Perfil | 3082 | 0 | 3.477 | 11/23/2010 - 23:53 | Portuguese |
Add comment