Spinoza e o Panteísmo - Parte VIII - A Ética - Livro III, IV e V - A Moral Geométrica


 
Não é raro que o leigo, ao ler esse capítulo, considere-o menor, menos brilhante, por conter argumentos e conclusões que normalmente são repetidas por outras tendências filosóficas e teológicas. Portanto, não será em vão relembrar que é de Spinoza o resgate e ocidentalização das antigas premissas indianas e platônicas. A ele cabe o mérito de ser a fonte original dos outros e não o inverso. O mérito de ter trazido à cena da Filosofia o esplendor da antiga sabedoria do Oriente em contraponto à superstição boçal que imperava na época. O mérito de ter aberto o caminho para que tantos, depois dele, pudessem contribuir para a elevação do homem.
Isto dito, vemos que no primeiro trecho, Spinoza relata a história das paixões humanas, privilegiando os seus aspectos teóricos e científicos em detrimento do aspecto moralista da questão. E assim o fez em virtude de sua crença na concepção Determinista da realidade; ou seja, de que a realidade é como se apresenta e não pode ser alterada pela vontade humana em seus aspectos essenciais, restando ao homem apenas a ilusão de que é capaz de modificar-lhe graças às pequenas alterações superficiais que lhe são permitidas.
E porque a realidade é “Determinada” ou “Pré Determinada”, o mecanismo das paixões humanas é tão necessário (no sentido filosófico: só pode ser daquela maneira) quanto qualquer outro mecanismo regido pelas Leis da física e da matemática.
Assim sendo, as paixões podem e devem ser estudadas com o mesmo rigor e com a mesma frieza cientifica com que são estudadas as figuras geométricas, por exemplo.
Na sequência, o filósofo parte para o Livro ou Capitulo IV e, nele, trata da escravidão do homem ante as paixões. Nesse trecho, como se disse no início, o leitor (a) vê que o seu ideário bebeu diretamente da fonte do Hinduísmo e de suas derivações, isto é, o Budismo, o Jainismo e outras. Também observa que daqui, Schopenhauer e Nietzsche, entre outros, posteriormente, retiraram a essência de suas teses.
O texto traz as suas digressões acerca do jugo que o próprio homem se coloca em virtude do erro que comete ao julgar que um objeto conhecido superficialmente, sensorialmente, seja válido e verdadeiro, passando, em consequência, a valorizar as coisas relativas como se as mesmas fossem absolutas; as coisas finitas como se fossem eternas etc.
Em seguida, ele pondera sobre o fato de que a libertação do homem exige que ele tenha a capacidade de conhecer o “Saber Verdadeiro”, para que esse Conhecimento o livre da servidão que o Desejo lhe impõe. Para que ele possa compreender a inutilidade das aparências, das superfícies e atente para a grandiosidade que existe na essência da vida.
Ao chegar ao Capítulo ou Livro V, Spinoza continua na trilha anterior, afirmando que somente o “Sábio” será capaz de escapar da servidão do Desejo e da Ignorância. Segundo ele, o Sábio vive a “felicidade verdadeira” por estar acima e além das paixões.
E porque ele não lhes sofre o aguilhão das paixões, vive, naturalmente, de forma virtuosa, sem desejar o que não é indispensável, sem desejar o que é alheio, sem sentir o germe do ciúme, da inveja e da violência. Vive os estados superiores que decorrem de seu “Conhecimento Racional”.
Assim, conclui o filósofo, a “felicidade verdadeira” depende diretamente do “Conhecimento Racional Intuitivo”, o qual, a rigor, é o Conhecimento das essências das coisas. Essências ou Substâncias que são unas e, portanto, divinas. Passa, então, a conhecer as “Coisas em Deus” e passa a amar necessariamente (no sentido filosófico*) a Deus, que é a Causa ou o motivo de sua ventura plena e verdadeira. Tem, portanto, um “Amor Intelectual (racional)” a Deus. O êxtase, o júbilo que experimenta está diretamente associado ao “Motivo Racional”.
E este amor é retribuído pelo divino, mas não da forma existente entre duas pessoas como pregam as religiões, pois, para Spinoza toda personalidade inexiste, já que panteísticamente, o homem e Deus são idênticos.
E essa unificação, que faz com que o amor do homem a Deus seja idêntico ao amor de Deus ao homem; e porque ambos são idênticos, o amor de Deus é para consigo mesmo, haja vista serem Ele e o homem, a mesma coisa.
Por fim, Spinoza aborda a questão da Eternidade ou Imortalidade argumentando que o Sábio que atingiu o ápice do Conhecimento já vive nessa Eternidade, por ter o Conhecimento do que é Eterno (isto é, por conhecer as essências).
Quanto a Imortalidade da Alma, Spinoza a descarta peremptoriamente, já que para ele os conceitos “pessoa”, “personalidade”, “memória individual” etc. são meras fantasias, pertencentes ao reino da imaginação. Ele aceita apenas a concepção de Imortalidade quando ela se referir à “Eternidade das ideias verdadeiras”, pertencentes à esfera da divindade e das quais os Sábios tem certo vislumbre e são capazes de refletir parcialmente; enquanto que as concepções dos homens vulgares, limitadas ao conhecimento sensível, são descartadas tão logo perecem os respectivos cérebros corpóreos que lhes deram abrigo, mesmo que algumas delas perdurem por algum tempo.
E assim chegamos ao fim das considerações sobre a obra prima de Spinoza, a Ética. No próximo item falaremos sobre suas ideias a respeito da Natureza e de Deus.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.

 

Submited by

Domingo, Agosto 10, 2014 - 03:06

Prosas :

Sin votos aún

fabiovillela

Imagen de fabiovillela
Desconectado
Título: Moderador Poesia
Last seen: Hace 8 años 3 semanas
Integró: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of fabiovillela

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Tristeza A dor fria 2 3.649 04/10/2010 - 12:14 Portuguese
Poesia/General Labirinto 1 695 04/07/2010 - 16:35 Portuguese
Prosas/Otros MASOQUISMO - Filosofia sem Mistério - Dicionário Sintéticoio 2 1.772 03/31/2010 - 21:54 Portuguese
Poesia/Dedicada Ana de Lira 2 1.086 03/31/2010 - 02:01 Portuguese
Poesia/General Reality Show 2 1.664 03/28/2010 - 18:06 Portuguese
Poesia/Amor A Lua e a Alma 1 1.100 03/26/2010 - 19:23 Portuguese
Poesia/Tristeza Borboletas (republicação) 1 408 03/23/2010 - 01:22 Portuguese
Poesia/Tristeza Cinza Domingo 2 1.374 03/22/2010 - 18:59 Portuguese
Prosas/Otros LENINISMO-MARXISMO, LENIN - Filosofia Sem Mistérios - Dicionário Sintético 2 3.625 03/21/2010 - 21:51 Portuguese
Poesia/Amor Saudade 2 1.335 03/18/2010 - 19:26 Portuguese
Poesia/Tristeza Carência 3 1.595 03/18/2010 - 19:17 Portuguese
Poesia/Amor Amores e Diminutivos 3 1.523 03/17/2010 - 13:32 Portuguese
Prosas/Otros KANT e a "Filosofia Critica" 0 3.092 03/15/2010 - 23:52 Portuguese
Poesia/Dedicada Minas 2 665 03/14/2010 - 20:07 Portuguese
Poesia/Amor Poema Antigo 3 1.089 03/14/2010 - 16:36 Portuguese
Poesia/General Cyber e Pã 4 1.441 03/14/2010 - 16:10 Portuguese
Poesia/Amor Paz 1 1.564 03/13/2010 - 19:09 Portuguese
Poesia/General Amor e Quixote 2 1.399 03/12/2010 - 18:08 Portuguese
Prosas/Otros IRRACIONALISMO - Filosofia Sem Mistérios - Dicionário Sintético 1 2.642 03/11/2010 - 09:55 Portuguese
Poesia/Amor O Amor e o Fim 2 1.024 03/10/2010 - 14:50 Portuguese
Poesia/Tristeza Crepúsculo 1 1.283 03/09/2010 - 23:25 Portuguese
Poesia/Meditación Cinza 1 1.862 03/09/2010 - 16:29 Portuguese
Poesia/General Breve 1 1.801 03/09/2010 - 13:20 Portuguese
Poesia/General Aquecimento Global 2 2.458 03/09/2010 - 12:55 Portuguese
Poesia/Tristeza Saudade 1 1.212 03/09/2010 - 02:49 Portuguese