Pedaços de memória

Ela andava devagar, olhando assustada para as pessoas que andavam tão apressadamente. Para onde iriam? Que as fazia andar sem parar, como se tentassem vencer o tempo a todo custo? Mas de que adiantava correr se, no fim, ninguém enganava o tempo? 
Lembrava-se de que saíra para ir à praça, sentar no banquinho. Porém, não a encontrava. 
-Que terá acontecido? A praça deixou de existir?
Um rapaz quase pisou no seu pé.
-Desculpe, vovó.
-Não sou sua avó, rapaz!
Saíra com a intenção de... que intenção? "Ah, eu queria sair de casa, sentar no banco da pracinha, ver as árvores e aliviar a cabeça."
Quisera aliviar a cabeça porque brigara com a filha. Qual era o nome dela? Não lembrou, por mais que tentasse. No entanto, recordou de seu primeiro namorado. Ela era então uma menina de sorriso largo e olhos castanhos cheios de inocência. Haviam tomado sorvete no primeiro encontro? 
-Com licença, senhora, onde é a rua João Lopes?
-Que eu saiba, essa rua não existe.
Afastou-se sem olhar para a pessoa que lhe fizera a pergunta e sem lembrar que saíra de casa querendo dar um passeio. Seu marido havia gostado de passear? Ambos se divertiam juntos?
-Constança, meu amor...
Pensou nele, deitado numa cama estranha, cheio de tubos e fios, magro e flácido, segurando sua mão e dizendo:
-Ah, Constança, meu amor...
Essa era a única lembrança do marido. Não lembrava dele jovem, forte e bonito nem  do que lhe dissera nos anos de casamento. Só conseguia visualizá-lo estendido na cama branca, a voz débil.
-Constança, meu amor...
Os filhos? Pensou em Ana. Via-a deitada, imóvel, muito branca, os olhos entreabertos, cercada de flores cor-de-rosa.
-Você sempre foi especial, Ana.
Ana fora especial. Vivia sorrindo. Fora o que ela mais gostara em Ana: o sorriso, tão puro, tão verdadeiro.
Além de Ana, houvera também o Joaquim. Fora um bebê lindo, do qual ela lembrava segurando com cuidado em seus braços, cantando.
-Mãe! Onde você estava? Por que saiu de casa assim?
Voltou-se para a mulher aflita. Quem era ela? Deu de ombros e falou:
-Eu só quis ir à pracinha, tomar ar puro.
A mulher sacudiu tristemente a cabeça.
-Mãe, faz anos que não moramos mais perto daquela pracinha.
-E fiquei pensando na Ana, no Joaquim, no meu marido.
Baixando a cabeça, a mulher deixou duas lágrimas correrem pelo seu rosto. Joaquim fora o primeiro filho; ela, a segunda e Ana, a mais nova. Tanto os irmãos como o pai estavam mortos. E sua mãe estava esquecendo de tudo.
-Ana, ela tem um sorriso tão lindo.
-Não sou a Ana, mãe. Sou a Rosalinda. Vamos para casa.
-Que quer dizer? Quem é você?
-Vamos, mãe.
Delicadamente, a mulher a levou e as duas foram para a rua em que moravam, a João Lopes. Entraram em casa.

Submited by

Jueves, Octubre 30, 2014 - 11:58

Prosas :

Sin votos aún

Atenéia

Imagen de Atenéia
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 7 años 46 semanas
Integró: 03/21/2011
Posts:
Points: 2453

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Atenéia

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Desilusión Don't call me anymore 1 6.965 03/14/2018 - 12:22 Inglés
Poesia/General Now, we are together 1 6.392 03/13/2018 - 20:29 Inglés
Poesia/Fantasía Give me wings 1 7.550 03/13/2018 - 20:29 Inglés
Poesia/Amor How can I show you 1 6.960 03/13/2018 - 15:48 Inglés
Poesia/Tristeza You'll never be forgotten 2 8.286 03/10/2018 - 12:37 Inglés
Poesia/General Não haverá mais segredos 1 4.547 02/09/2018 - 09:39 Portuguese
Poesia/Tristeza We're never ready to say goodbye 0 7.088 03/12/2017 - 10:42 Inglés
Poesia/Amor Sentimentos 0 5.181 01/19/2017 - 22:46 Portuguese
Poesia/General Irmão 0 5.260 01/07/2017 - 20:42 Portuguese
Poesia/Desilusión I'll never see you again 0 6.650 01/03/2017 - 14:02 Inglés
Poesia/Desilusión O seu melhor 0 5.722 01/03/2017 - 13:58 Portuguese
Poesia/Desilusión O último adeus 0 5.279 12/28/2016 - 15:36 Portuguese
Poesia/Meditación Aonde pensamos 0 4.961 12/28/2016 - 15:32 Portuguese
Poesia/Gótico A velha do saco de ossos 0 6.425 11/23/2016 - 15:45 Portuguese
Poesia/Gótico Presenças espectrais 0 5.037 11/23/2016 - 15:36 Portuguese
Poesia/Desilusión Don't come back to me 0 7.820 11/17/2016 - 15:11 Inglés
Poesia/General Teu grito 0 6.254 11/17/2016 - 15:08 Portuguese
Poesia/Gótico Peso morto 0 5.901 11/16/2016 - 22:36 Portuguese
Poesia/Desilusión Learn to live alone 0 8.941 11/12/2016 - 10:23 Inglés
Poesia/Meditación Torta 0 5.958 11/10/2016 - 15:23 Portuguese
Poesia/Gótico O coração dilacerado 0 6.630 11/07/2016 - 14:48 Portuguese
Poesia/Fantasía O presente 0 5.539 11/07/2016 - 14:45 Portuguese
Poesia/Amor Ready to love 0 7.114 10/27/2016 - 20:42 Inglés
Poesia/Amor Laços 0 6.204 10/27/2016 - 20:38 Portuguese
Poesia/Fantasía Esta loucura 0 6.408 10/26/2016 - 15:18 Portuguese