Homem de negro em arame branco
Tinhas o péssimo hábito de te aventurares nas alturas
e caminhares sobre o arame da respiração
entre dois arranha-céus,
que afinal são menos perigosos do que se diz.
Nunca lhes vi garras que pudessem ferir o azul celeste.
.
O equilíbrio foi sempre suspeito.
A brisa tinha tendência a soprar mais forte
como se reclamasse a tua presença
num espaço que lhe pertence
desde que o mundo surgiu no horizonte do vazio.
.
No entanto, ficava-te bem aquela gabardine negra
que te chegava aos tornozelos
e contornava o teu corpo esguio.
Nunca ouvi o arame queixar-se de peso em demasia,
nem tão pouco gritar-te, com ecos no mar,
a tua sublime capacidade de resistência
à surdez contínua da mágoa.
.
Pisavas o branco contínuo, esticado à pressa
no esbracejar de um anjo de asas quebradas.
Tantas vezes mergulhei no teu pensamento,
e em todas essas vezes insistias em querer tirar
a licença de voo.
.
Sei que guardas fotografias num baú de madeira.
Tiraste-as num breve instante
da tua própria inconsciência.
Admiro-me como conseguiste manter-te de pé
com o impacto do flash nas nuvens que foram surgindo.
.
Foste corajoso, mas acima de tudo um louco.
Ainda assim tenho-te nos meus olhos. Respiro-te.
Conheço-te como ninguém em cada instante que és.
.
As palavras desenham-se no ar,
as letras cheiram ao perfume das rosas no teu jardim.
Vacilaste nas rimas interpoladas
e quase cruzaste a ponta dos dedos
quando soubeste que a alma te pedia
um eufemismo para matar a sede dos desejos.
.
- Parece que estás em fase de mudança.
Digo para mim mesmo diante do espelho.
.
A melancolia entrou em guerra
com o estilo que agora visto.
Mas nem gelo, nem fogo, nem terra ou ar
mancham a minha absolvição pessoal.
.
Este sou eu, simplesmente.
Homem de negro em arame branco
em busca do sentido e dos equilíbrios da vida.
.
Sou no reverso e no verso que escrevo,
amor que se escreve de mim - em mim.
.
Para mim e para toda a gente.
-
-
-
11/08/2010
Escrito entre os livros da biblioteca, nesta tarde quente de Verão. Bem... parece que estou num mundo onde tudo parece melhor. Até tenho a ligeira sensação de sentir a brisa do mar a entrar pela janela, ou então será algum livro na estante que fala sobre ele.
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Comentarios
Re: Homem de negro em arame branco
"Tinhas o péssimo hábito de te aventurares nas alturas
e caminhares sobre o arame da respiração"
(...)
"O equilíbrio foi sempre suspeito.
A brisa tinha tendência a soprar mais forte
como se reclamasse a tua presença"
(...)
"Nunca ouvi o arame queixar-se de peso em demasia,
nem tão pouco gritar-te, com ecos no mar,
a tua sublime capacidade de resistência
Pisavas o branco contínuo, esticado à pressa
no esbracejar de um anjo de asas quebradas.
Tantas vezes mergulhei no teu pensamento,
e em todas essas vezes insistias em querer tirar
a licença de voo."
Ler-te tb é voar e equilibrar-me em arames!
A tua poesia cresce a olhos vistos e é um verdadeiro prazer assistir a este crescimento!
beijinho grande em ti!
Inês
Re: Homem de negro em arame branco
Poeta,
Que lindo amor! Eu gradeço por tua presença e os livros tbem.
Abraço
Varenka
Re: Homem de negro em arame branco
Manter o equilibrio é um treino de segundo a segundo. Basta um vento mais forte e o pé escorrega. Se bem que...às vezes quando tombamos levantamo-nos mais rijos e sagazes. Da próxima vez não será o mesmo vento a derrubar o corpo firme. E o arame estará certamente mais grosso. Um dia a linha será uma ponte e o piso escorregadio um velcro.
:-)