OS SEM-UMBIGO

OS SEM-UMBIGO

Portugal, 2005, dez milhões de habitantes, aproximadamente.
Nos transportes públicos, nas ruas, nas salas de espectáculos, no local de trabalho, em condomínios de luxo, em bairros de classe média, em barracas… não vejo pessoas, vejo umbigos. De boca irada, queixo içado, cabeça vazia, vejo-as (pessoas) translúcidas, a olharem, a acariciarem, quase em êxtase os seus umbigos, Alguns deles (umbigos) enormes, quase abóboras-meninas (os), (geneticamente ainda não se pode saber o sexo da semente, pois não?).
Os sem-umbigo passam despercebidos de tanto temor ao que possam pensar deles, de lhes dizerem que perderam a auto-estima, que deixaram pelo caminho a oportunidade de sonharem com um Porsches, um cartão de crédito dourado (no mínimo) ou um andar na zona alta de Lisboa.
A auto-estima, hoje, em Portugal mede-se em palavras como: altruísmo, bajolamento, arrogância, hipocrisia e congéneres…
Um vaso de flores no poial, uma corda de roupa estendida no muro fronteiriço à casa, o vizinho que se queixa das cruzes, são imagens em via de extinção, isso, porque o umbigo do dito vizinho cresceu desmesuradamente quando o filho se fez doutor:
- D. Arminda, sabe que o meu filho teve 18 no final do curso? Agora que é advogado não quer que vá ao café de bata, de beata ao canto da boca nem que faça biscates para fora. (um pai baboso a coçar o umbigo).
Tantos bês que a vida teve!!!!
Homens, mulheres, a confrontarem-se com a semente que semearam.
Esses umbigos nunca estão sós. Andam pelo país à procura de clandestinos, sim, porque os há clandestinos (os umbigos) ainda sem obsessões de grasnar o olhar para baixo, não se ouvem porque recostam disfarçadamente e timidamente o rosto para o lado. A tentação é ainda uma borbulha inconsistente, prestes a passar a elegante. Será mesmo uma borbulha o que se vê por debaixo da camisa? Quando encontram algum clandestino, os que já não o são, erguem-se em bico dos pés e dissertam sobre a gravidez histérica, na vantagem de se pensar que se tem o que (ainda) não se tem; um umbigo imenso cautelosamente importante.
No autocarro, mais propriamente o 42 (Lisboa) as pessoas não são abastadas, viajo diariamente nele e constato que de abastadas têm o afastamento próprio de quem vai a caminho de uma paragem na “Casa da Sorte” ou no “Preço Certo -não todos -também há a arraia-miúda. Os sem-umbigo, embalsamados de tanta inutilidade que observam são esquecidos. Esqueléticos, mesmo pesando 100 kg não ocupam espaço no 42 porque ninguém os vê, as suas paragens limitam-se à porta de uma livraria, de um teatro ou de um cinema, extravagância tal para os sem-umbigo que dificilmente se irão recompor de tamanha ousadia.
Quanto a mim, espero que Freud não tenha razão, e não esteja (eu) na “Situação psicossomática de histeria de conversão”, não me apetece mesmo nada entrar para o Guiness…A não ser na forma de uma garrafa de cerveja!!!

José F. Vicente

Submited by

Martes, Marzo 9, 2010 - 00:11
Sin votos aún

JOSEFVICENTE

Imagen de JOSEFVICENTE
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 47 semanas
Integró: 03/02/2010
Posts:
Points: 438

Comentarios

Imagen de mariacarla

Re: OS SEM-UMBIGO

Muito bom!

"- D. Arminda, sabe que o meu filho teve 18 no final do curso? Agora que é advogado não quer que vá ao café de bata, de beata ao canto da boca nem que faça biscates para fora. (um pai baboso a coçar o umbigo). "

Os umbigos e a cerveja! :-)

Carla

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of JOSEFVICENTE

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Ministério da Poesia/General RESSALVA 0 571 11/19/2010 - 18:26 Portuguese
Ministério da Poesia/Desilusión MULHER 0 1.084 11/19/2010 - 18:26 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo O VAZIO 0 973 11/19/2010 - 18:26 Portuguese
Ministério da Poesia/General NADA SEI DA VIDA 0 686 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo LIVRO EM BRANCO 0 760 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo A vida afoga-me os olhos 0 610 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo As mãos sujas de terra 0 536 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Amor O DESEJO DE INSTANTES 0 666 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo SERENO 0 605 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo SERENO 0 656 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Não se pode descansar 0 630 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo A DOR DOS SENTIDOS 0 697 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo AQUELE ABRAÇO 0 800 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo TELEFONEMA 0 618 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo SEM MEMÓRIA 0 700 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo ELIXIR DA JUVENTUDE 0 754 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo FIM DE ANO 0 791 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo CLARidade 0 1.006 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Sou como o silêncio 0 694 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Sou como o silêncio 0 693 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Maior que a terra 0 910 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/General ALFINETADAS A ALGUNS EFES 0 684 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo NATUREZA 0 926 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Garras em duelo 0 698 11/19/2010 - 18:25 Portuguese
Ministério da Poesia/Aforismo Noivos das sombras 0 854 11/19/2010 - 18:25 Portuguese