Arte Poética - Capítulo XXVII

Superioridade da tragédia sobre a epopéia

Poder-se-ia perguntar qual das duas é superior à outra, se a imitação épica ou a trágica.

2. Com efeito, se a menos vulgar é a melhor, e se é sempre esta a que se dirige aos melhores espectadores, a que se propõe imitar tudo seria por conseguinte a mais vulgar.

3. Os atores em cena, julgando que o público seria incapaz de sentir caso eles não acrescentassem a interpretação ao texto escrito, às vezes multiplicam os movimentos, semelhando os maus tocadores de flauta que rebolam a fim de imitar o lançamento do disco, ou que arrastam o corifeu, quando acompanham com seu instrumento a representação do Cila.

4. As críticas que os antigos atores dirigem a seus sucessores, deveriam aplicar-se à tragédia. Assim, Minisco tratava Calípides de macaco, por causa da gesticulação forçada demais. O mesmo se dizia de Píndaro. Estes últimos são, assim, em relação aos primeiros, o que toda a arte trágica é em relação à epopéia.

5. Esta, segundo se diz, é feita para um público de bom gosto, que não precisa de toda aquela gesticulação, ao passo que a tragédia se destina ao vulgo; e se a tragédia tem algo de banal, manifestamente é de qualidade inferior.

6. Em primeiro lugar, esta crítica não vai endereçada contra a arte do poeta, mas sim contra a do ator, pois que até o rapsodo pode levar a imitação ao ponto de se servir de gestos, como fazia Sosístrato, ou mesmo entremeá-la com o canto, como Mnasíteo de Oponte.

7. Em seguida, não devemos condenar toda gesticulação, nem toda dança, mas só a dos maus executantes, como era censurado Calípides e em nossos dias o são alguns outros, por imitarem mulheres de condição servil.

8. Acresce que a tragédia, mesmo não acompanhada da movimentação dos atores, produz seu efeito próprio, tal como a epopéia, pois sua qualidade pode ser avaliada apenas pela leitura. Portanto, se ela é superior em tudo o mais, não é necessário que o seja neste particular.

9. Em seguida, ela contém todos os elementos da epopéia;

10. com efeito, a tragédia pode utilizar o metro desta última, e, além disso — o que não é de pouca importância — dispõe da música e do espetáculo, que concorrem para gerar aquele prazer mais intenso que lhe é peculiar.

11. Além disso, sua clareza permanece intacta, tanto na leitura quanto na representação.

12. E mais: com extensão menor que a da epopéia, mesmo assim ela atinge seu objetivo, que é imitar; ora, o que é mais concentrado proporciona maior prazer do que o diluído por longo espaço de tempo – pensemos no que seria o Édipo tratado no mesmo número de versos que a Ilíada!

13. Além do mais, a imitação em qualquer epopéia apresenta menor unidade que na tragédia. A prova é que, de qualquer imitação épica se extraem vários argumentos de tragédia, de modo que, se o poeta em sua epopéia trata uma só fábula, ela será exposta de modo forçosamente breve, e resultará bem mesquinha, ou então, conformando-se às dimensões habituais do gênero, resultará prolixa. Mas se trata muitas fábulas, ou seja, se a obra é constituída por muitas ações, carece de unidade.

14. Por exemplo, a Ilíada comporta muitas partes deste gênero, bem como a Odisséia, partes que em si são extensas, e no entanto estes poemas formam um todo da maneira mais perfeita e constituem, no mais alto grau, a imitação de uma arte única.

15. Portanto, se a tragédia se distingue por todas estas vantagens e mais pela eficácia de sua arte (ela deve proporcionar, não um prazer qualquer, mas o que é por nós indicado), é evidente que, realizando melhor sua finalidade, ela é superior à epopéia.

16. Falamos sobre a tragédia e sobre a epopéia, sobre a natureza e espécie das mesmas, sobre seus elementos essenciais, número e diferença dos mesmos, sobre as causas que as tornam boas ou más, enfim sobre as críticas e os efeitos que provocam.

Submited by

Domingo, Abril 12, 2009 - 01:29

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

Aristoteles

Imagen de Aristoteles
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 31 semanas
Integró: 04/12/2009
Posts:
Points: 243

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Aristoteles

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo I 0 623 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo II 0 761 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo III 0 489 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo IV 0 645 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo V 0 637 11/19/2010 - 16:52 Portuguese
Poesia Consagrada/Filosofía Arte Poética - Capítulo VI 0 612 11/19/2010 - 16:52 Portuguese