Esperanças

Parte I
.
Quando te observo penso que os teus olhos são duas pérolas,
e por isso dou graças a Deus
por não seres deputada na Assembleia da República.
Atravesso-os num barco feito de papel talhado pelas minhas mãos,
e é com os cones da retina
que vês a palidez com que às vezes sinto a saudade.
Aquela saudade que é imensa
como um barco à vela que um dia construí.
Viajo no teu sangue
e sei que as pálpebras se fecharam atrás de mim.
O silêncio é dourado e a noite de cristal.
Vagarosamente entro no teu mundo à descoberta.
.
Hoje sei que estás triste. Eu próprio me sinto triste.
Parece que vão continuar a cumprir à risca
as promessas que tanto apregoaram na campanha.
Ou talvez seja por causa deste dia cinzento que acontece lá fora
e que à medida que vai passando pesa ainda mais.
Ouço o teu coração bater, frágil, doce, assustado, carente.
Ando à procura dele num frenesim louco.
Não admira, já que as leis tão perfeitas do nosso país
me deixam neste estado.
Os remos partiram-se quando virei à esquerda e à direita,
naquele que deve ter sido um soluço da tua alma.
.
Parte II
.
Há no ar um perfume de camomila que tenta acalmar-te.
Parece que a conta de electricidade sobe tão depressa,
como depressa corre o atleta Usain Bolt.
Guerreiros brancos atacam o vírus que se instalou na tua carne.
Embora não os consiga ver,
sei que eles te protegem ao máximo
e constroem muralhas para optimizar esse esforço de equipa.
Entendo tão bem.
O barco é maior que o universo
e eu continuo a viagem
com o firme objectivo
de te abraçar e proteger o coração para sempre.
.
Acordo. Olho pela janela,
com a noite cravejada de estrelas tristes.
Talvez porque te encontras do outro lado do céu
e não consegues iluminar-me como desejas –
chove no teu rosto.
Sinto-me perdido,
navego à bolina como quem toma as decisões,
e as velas do barco parecem rasgar-se no meu corpo.
Mas tenho fé.
Há uma força divina
que me deixa pousar as mãos nas pedras
e desenhar o teu nome.
.
Parte III
.
Às vezes, quando precisas de mim e não estou,
vou pelas ruas balbuciando o teu nome.
Há ministros que são mestres
na conjugação do verbo balbuciar.
As folhas das árvores caem no passeio
e os vidros das montras dos stands de automóveis
estão cheios de pó.
Deve ser por causa dos benefícios fiscais
que temos quando compramos um automóvel –
o carro fica quase de borla.
Nesses vidros desenho um sorriso: o teu.
Aquele que quero tornar eterno.
.
Os meus passos são incertos e eu continuo a pensar em ti.
Uma andorinha passa sobre um candeeiro apagado.
A câmara municipal
ainda não pagou a conta de electricidade deste mês que passou,
mas a luz virá na mesma quando chegar a noite.
Ainda bem que tenho velas em casa,
caso me esqueça de pagar a minha.
.
Parte IV

Tens medo da tua própria viagem.
Muito de nós temos medo.
Mas tu és o mar a que regresso hoje,
a que regressarei sempre.
Balançarás inquieta,
mas lançarei âncoras que te darão equilíbrio e conforto.
Com o meu voto
o medo há-de vencer eleições no coração
quando eu tiver sede a dormir.
A esperança infinita vencerá.
Hás-de abrir os olhos
após uma longa noite de sono tranquilo,
povoado de sonhos, cheio de sensações doces…
E vou estar do teu lado.
Vais dizer-me que nunca desistirás,
mesmo que tenhamos de escalar montanhas
de processos com páginas que duram anos,
e enfrentar vendavais. Vais dormir um pouco mais.
.
Parte V
.
O sol brilha.
A noite chegará a transbordar de perigos.
Parece que os pirilampos fardados
ficam a jogar às cartas, em maior segurança.
Acenderei uma fogueira para afastar esses seres felinos
que se querem aproximar de ti.
Incendiarei o meu sorriso com o calor do amor que sinto.
Este tornar-te-á imune.
.
Hoje há sobremesa. Faço-a em banho-maria,
enquanto lentamente e sem burocracias
te acordo com a carícia leve dos meus lábios no teu rosto.
Quando a noite chegar outra vez a praia acolher-nos-á.
As estrelas vão sorrir de alegria
e poderemos estender a toalha na areia, dar as mãos…
e respirar fundo.
Porque é possível vencer o medo.
Porque a esperança nunca morre enquanto acreditamos.
Talvez hoje acerte nos números e me deixe de importar com o spread.
.
Eu sei que os teus olhos brilham no céu. Infinitos. Com amor.
Tenho esperança.
Um dia destes resolver-se-ão ambos os casos.

rainbowsky

Submited by

Viernes, Marzo 19, 2010 - 21:59

Ministério da Poesia :

Su voto: Nada Promedio: 5 (1 vote)

rainbowsky

Imagen de rainbowsky
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 5 años 47 semanas
Integró: 02/20/2010
Posts:
Points: 1944

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of rainbowsky

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Desilusión Fantasia III - O meu próximo sentir 2 987 08/02/2010 - 16:41 Portuguese
Poesia/Desilusión O brilho dos teus olhos celestes 2 1.305 08/02/2010 - 00:31 Portuguese
Poesia/Desilusión Fantasia II - Respiro a vida 3 1.259 07/29/2010 - 16:39 Portuguese
Poesia/Desilusión Fantasia - O que me resta 3 1.022 07/28/2010 - 23:49 Portuguese
Poesia/Desilusión Copos Vazios 1 855 07/23/2010 - 13:13 Portuguese
Poesia/Desilusión O voo do anjo 1 1.190 07/22/2010 - 20:44 Portuguese
Poesia/Tristeza Sombras diversas 5 664 07/22/2010 - 16:34 Portuguese
Poesia/Tristeza Desafio Poético - Matas-me quando estamos juntos 3 724 07/20/2010 - 18:18 Portuguese
Poesia/Tristeza Na janela do meu peito... 1 1.051 07/16/2010 - 10:26 Portuguese
Poesia/Tristeza Palavras Invisíveis 2 930 07/16/2010 - 08:47 Portuguese
Poesia/Desilusión Detém-se, fecha as pupilas e vai embora... 0 2.244 06/18/2010 - 18:07 Portuguese
Poesia/Tristeza O eco dos teus ecos 4 809 06/18/2010 - 17:33 Portuguese
Poesia/Desilusión De relance vejo a vida... 3 1.001 06/18/2010 - 12:26 Portuguese
Poesia/Amor A impressora 2 1.289 06/18/2010 - 07:18 Portuguese
Poesia/Intervención Esperanças - Duas faces distintas - Parte V 2 869 06/15/2010 - 21:06 Portuguese
Poesia/Dedicada A Ministra Librisscriptaest 3 925 06/15/2010 - 20:59 Portuguese
Poesia/Intervención Esperanças - Duas faces distintas - Parte IV 1 1.818 06/12/2010 - 16:08 Portuguese
Poesia/Intervención Esperanças - Duas faces distintas - Parte III 2 1.600 06/11/2010 - 12:09 Portuguese
Poesia/Intervención Esperanças - Duas faces distintas - Parte II 2 1.488 06/10/2010 - 11:03 Portuguese
Poesia/General O último suspiro 3 1.039 06/08/2010 - 19:40 Portuguese
Poesia/Intervención Esperanças - Duas faces distintas - Parte I 2 932 06/08/2010 - 09:42 Portuguese
Poesia/Desilusión Este Sal 1 1.326 05/31/2010 - 13:01 Portuguese
Poesia/Aforismo Um instante de princípio e fim... 2 762 05/28/2010 - 18:55 Portuguese
Poesia/Acróstico O banco leve das palavras esquecidas 2 1.172 05/26/2010 - 15:29 Portuguese
Poesia/Intervención Sonho Terapia III 1 1.175 05/26/2010 - 13:35 Portuguese