CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

William Shakespeare : A Comédia dos Erros – Ato III - Cena II

Cena II

(O mesmo. Entram Luciana e Antífolo de Siracusa.)

Luciana
Como se dá que te hajas esquecido dos deveres de esposo? Que a sincera floração de um amor tão belo e fido tenha fanado em plena primavera? Na construção, o amor só faz ruínas? Se desposaste minha irmã somente pela sua riqueza e ora a abominas, sê, ao menos, com ela mais clemente. Se amas alhures, usa de cautela; esconde o falso amor num manto escuro; não faças desses olhos a janela por onde ela entreveja o seu futuro. Arauto da desonra não consintas que tua língua se torne; a deslealdade se mascara com frases indistintas que o sentimento revelar não há de. Sê de olhar meigo; ao vício dá aparência de álacre mensageiro da virtude; guarda em todos os atos conveniência, embora abrigues no imo o crime rude. Ensina a santidade ao vício imundo; sê perjuro em segredo. Por que dares de ti conhecimento a todo o mundo? Que malfeitor assume os próprios ares? Duplamente a ofendeste, quando, à mesa, mostraste que traidor foste ao seu leito; bastarda fama alcaçará a vileza, se de fraseado se valer com jeito. Pobres mulheres! Dai-nos a ilusão de que somos realmente idolatradas; deixai a luva e retirai a mão, que inda vos perdoarão essas coitadas. Voltai, por isso, mano, sem demora; ide falar com a mana e consolá-la, que um halo santo a insensatez decora, quando promove paz fingida fala.

Antífolo de Siracusa
Suave senhora, ignoro vosso nome, nem sei por que prodígio o meu soubestes, a não ser que à beleza se vos some algo de espírito e poder celestes. Ensinai-me a pensar, doce criatura; mostrai à minha inata grosseria, fraca, propensa a errar, de essência impura, da vossa meiga voz toda a magia. Por que lutais contra minha alma ingênua, levando-a por caminho não trilhado? Sois deusa? Desejais que de alma estrênua, depois de eu renascer, fique dotado? Então me transformai, que ao vosso encanto nada terei a opor. Mas, se é verdade que eu sou eu mesmo, o irreprimível pranto de vossa bela irmã fazer não há de que eu me convença de que sou casado nem de que ao leito dela fui perjuro. A vós é que me sinto agrilhoado; a vós, tão-só, me prende o amor mais puro. Oh! não me arrastes, divinal sereia, com tua voz a perecer nas ondas que tua irmã provoca. A mágoa alheia não deve preocupar-nos. Não te escondas de minha vista; deixa que o teu canto pleiteie a tua causa; a coma de ouro sobre as ondas espalha, porque o espanto me leve a cobiçar esse tesouro. E nesse leito, assim, acalentado pela ilusão, encontrarei a morte, sem maldizer, contudo, do meu fado: que morra o leve amor, se não tem sorte.

Luciana
Que espécie de loucura vos domina?

Antífolo de Siracusa
Não é loucura; é a minha triste sina.

Luciana
De vossos olhos nasce a causa disso.

Antífolo de Siracusa
Por perto estardes, sol: eis o feitiço.

Luciana
Contemplai minha irmã desventurada.

Antífolo de Siracusa
Olhar a noite, amor, é não ver nada.

Luciana
Não me chames de amor; sim minha mana.

Antífolo de Siracusa
A irmã da mana.

Luciana
A mana.

Antífolo de Siracusa
Ó desumana! És tu mesma, de mim a melhor parte, que dos meus olhos a visão reparte, o coração mais caro deste peito, minha sorte, meu único direito de entrar no céu, o céu de minha vida, quanto almeja minha alma, de atrevida.

Luciana
Dize isso tudo a minha irmã, somente.

Antífolo de Siracusa
Sê, pois, tua própria irmã, que, eternamente, terás aos pés meu coração rendido; mulher não tenho; tu não tens marido. Dá-me a mão.

Luciana
Acalmai-vos um momento; vou da mana buscar o assentimento.

(Sai.)

(Entra Drômio de Siracusa, apressado.)

Antífolo de Siracusa
Que é que há, Drômio? Aonde vais com tanta pressa?

Drômio de Siracusa
Reconheceis-me, senhor? Sou Drômio, realmente? Sou vosso criado? Eu sou eu mesmo?

Antífolo de Siracusa
Sim, és Drômio, és meu criado, és tu mesmo.

Drômio de Siracusa
Pois eu sou um asno, sou criado de uma mulher e não estou em mim mesmo.

Antífolo de Siracusa
Que mulher, homem? E de que modo não estás em ti mesmo?

Drômio de Siracusa
Ora essa, não estou em mim mesmo, por pertencer a uma mulher, uma mulher que me reclama, uma mulher que me persegue, uma mulher que me quer para si.

Antífolo de Siracusa
E que direito ela se arroga, para te reclamar como dela?

Drômio de Siracusa
O direito que poderíeis ter sobre o vosso cavalo. Como besta legítima é que ela me quer, isto é, não por eu ser besta, de fato, mas por ser ela uma criatura bestial.

Antífolo de Siracusa
Quem é ela?

Drômio de Siracusa
Um corpo respeitável; sim, um desses corpos a que não nos podemos referir sem acrescentarmos: salvo o vosso respeito. Tive sorte muito magra nesse enlace, apesar de se tratar de um casamento extraordinariamente gordo.

Antífolo de Siracusa
Que entendes por casamento gordo?

Drômio de Siracusa
Ora, senhor, é porque se trata de uma cozinheira que é só enxúndia. Não sei de que modo utilizá-la, se não for aproveitá-la como lâmpada para fugir dela, valendo-se de sua própria luz. Posso-vos afiançar que a sua rodilha ensebada poderia arder durante um inverno da Polônia. Se ela viver até o dia do Juízo final, há de arder uma semana mais do que o mundo.

Antífolo de Siracusa
De que cor é ela?

Drômio de Siracusa
Negra como estes sapatos, mas de rosto não tão limpo, e isso por suar tanto, que poderíamos patinhar com lama acima dos sapatos.

Antífolo de Siracusa
É defeito que se corrige com água.

Drômio de Siracusa
Impossível, senhor; isso faz parte dela; nem todo o dilúvio de Noé chegaria para limpá-la.

Antífolo de Siracusa
Como se chama?

Drômio de Siracusa
Vera, senhor; mas seu nome e três quartas, isto é, uma vara e três quartas não a alcançariam de uma a outra anca.

Antífolo de Siracusa
Então é larga de verdade!

Drômio de Siracusa
Não mede mais dos pés à cabeça do que de uma a outra cadeira; é esférica; parece um globo terrestre; eu seria capaz de encontrar nela todos os países do mundo.

Antífolo de Siracusa
Em que parte do seu corpo se encontra a Escócia?

Drômio de Siracusa
Descobri-a pela esterilidade: fica na palma das mãos.

Antífolo de Siracusa
Onde fica a França?

Drômio de Siracusa
Na fronte, senhor, armada e em revolta, a guerrear os próprios cabelos.

Antífolo de Siracusa
Onde fica a Inglaterra?

Drômio de Siracusa
Procurei as escarpas calcárias, mas não encontrei nada branco. No entanto, presumo que fique no queixo, pela umidade salgada que corre entre ela e a França.

Antífolo de Siracusa
Onde fica a Espanha?

Drômio de Siracusa
Por minha fé, não a vi; mas a senti pelo calor do hálito.

Antífolo de Siracusa
E a América? E as Índias?

Drômio de Siracusa
Oh, senhor! No nariz, inteiramente coberta de rubis, carbúnculos, safiras, inclinando a rica aparência para o hálito abrasador da Espanha, que envia armadas sucessivas de galeões para tomarem carga no nariz.

Antífolo de Siracusa
E a Bélgica e os Países-Baixos, onde ficam?

Drômio de Siracusa
Oh, senhor! Não olhei tão para baixo, assim. Em suma, para concluirmos: esse pesadelo, essa feiticeira alegou direitos sobre a minha pessoa; chamou-me de Drômio, jurou que eu era seu noivo, enumerou sinais secretos que tenho no corpo, tal como certa mancha numa das espáduas, um sinal no pescoço, uma grande verruga no braço esquerdo, a ponto de eu fugir dela, tomado de espanto, como quem foge de uma cigana. Se eu carecesse de fé, sem possuir coração resistente, ora cachorro seria, ou copeiro da bruxa potente.

Antífolo de Siracusa
Não percas tempo; vai direito ao porto. Se houver, acaso, vento favorável, não passarei a noite na cidade. Se achares algum barco quase pronto para sair, volta depressa; eu fico no mercado, passeando, à tua espera. Se todos nos conhecem, e eu ninguém, demorar na cidade não convém.

Drômio de Siracusa
Como quem de urso foge e até da Morte, fujo eu de quem me quer para consorte.

(Sai.)

Antífolo de Siracusa
Neste lugar só moram feiticeiras; é tempo de tratar de sair dele. Aquela que me chama de marido não a aceita minha alma como esposa. Mas sua bela irmã possui tal graça, tão soberano olhar, fala aprazível, presença encantadora, que, por pouco fiquei traidor de minha própria causa. Antes de cometer ação tão feia, ficarei surdo ao canto da sereia.

(Entra Ângelo.)

Ângelo
Mestre Antífolo!

Antífolo de Siracusa
Pronto; assim me chamo

Ângelo
Sei disso, meu senhor. Eis a cadeia. Pensei em vos achar no Porco-espinho; só demorei para acabar a obra.

Antífolo de Siracusa
Que desejais que eu faça desse mimo?

Ângelo
O que quiserdes; para vós foi feito.

Antífolo de Siracusa
Para mim? Sem o ter encomendado?

Ângelo
Não uma vez, nem duas, mas duzentas. Fazei dela presente a vossa esposa; ao jantar vos farei uma visita, para que me pagueis o meu trabalho.

Antífolo de Siracusa
Então recebei logo o que vos devo, que é possível não mais pordes os olhos em cima da cadeia e do dinheiro.

Ângelo
Sois muito espirituoso; passai bem.

(Sai, deixando a cadeia.)

Antífolo de Siracusa
Não sei o que pensar disto, também. Mas uma coisa é certa: ninguém há de recusar um tal mimo por vontade. Pelo que vejo, aqui, e aqui somente, em plena rua ganha-se presente. Vou esperar por Drômio no mercado; havendo barco, fujo de bom grado.

(Sai.)

Submited by

quinta-feira, maio 7, 2009 - 23:20

Poesia Consagrada :

No votes yet

Shakespeare

imagem de Shakespeare
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 22 semanas
Membro desde: 10/14/2008
Conteúdos:
Pontos: 410

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Shakespeare

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 12: When I do count the clock that tells the time 0 6.226 07/12/2011 - 02:13 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 119: What potions have I drunk of Siren tears 0 4.081 07/12/2011 - 02:12 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 118: Like as to make our appetite more keen 0 3.720 07/12/2011 - 02:09 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 116: Let me not to the marriage of true minds 0 3.894 07/12/2011 - 02:07 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 115: Those lines that I before have writ do lie 0 3.984 07/12/2011 - 02:06 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 114: Or whether doth my mind, being crowned with you 0 4.127 07/12/2011 - 02:05 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 113: Since I left you, mine eye is in my mind 0 3.726 07/12/2011 - 02:04 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 112: Your love and pity doth th' impression fill 0 3.703 07/12/2011 - 02:02 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 111: O, for my sake do you with Fortune chide 0 3.559 07/12/2011 - 02:01 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 110: Alas, 'tis true, I have gone here and there 0 4.005 07/12/2011 - 01:59 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 11: As fast as thou shalt wane, so fast thou grow'st 0 4.130 07/12/2011 - 01:58 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 109: O, never say that I was false of heart 0 4.783 07/12/2011 - 01:57 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 108: What's in the brain that ink may character 0 3.911 07/12/2011 - 01:57 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 107: Not mine own fears, nor the prophetic soul 0 3.972 07/12/2011 - 01:56 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 106: When in the chronicle of wasted time 0 3.948 07/12/2011 - 01:54 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 105: Let not my love be called idolatry 0 4.644 07/12/2011 - 01:53 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 104: To me, fair friend, you never can be old 0 4.326 07/12/2011 - 01:53 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 103: Alack, what poverty my Muse brings forth 0 4.263 07/12/2011 - 01:52 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 102: My love is strengthened, though more weak in seeming 0 3.500 07/12/2011 - 01:50 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 101: O truant Muse, what shall be thy amends 0 4.308 07/12/2011 - 01:43 inglês
Poesia Consagrada/Geral Sonnet 100: Where art thou, Muse, that thou forget'st so long 0 4.056 07/12/2011 - 01:42 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 10: For shame, deny that thou bear'st love to any 0 4.065 07/12/2011 - 01:40 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 1 0 4.143 07/12/2011 - 01:38 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonet LIV 0 4.443 07/12/2011 - 01:37 inglês
Poesia Consagrada/Geral Silvia 0 4.477 07/12/2011 - 01:36 inglês