CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

William Shakespeare : A Comédia dos Erros – Ato V - Cena I

Cena I

(Uma rua defronte da Abadia. Entram o mercador e Ângelo.)

Ângelo
Fico triste por ter-vos retardado; mas, em verdade, posso asseverar-vos que lhe dei a cadeia, embora o negue por maneira tão fria e desonesta.

Mercador
Em que conceito é tido na cidade?

Ângelo
No mais alto; é de crédito infinito, muito estimado, de impoluto nome; na cidade é o primeiro, sempre, em tudo. Uma palavra sua, em qualquer tempo, me faria empenhar toda a fortuna.

Mercador
Falai baixo; ei-lo aqui, se não me engano.

(Entram Antífolo de Siracusa e Drômio de Siracusa.)

Ângelo
Justamente, e ao pescoço traz a mesma cadeia que por modo tão monstruoso negou ter recebido. Ficai perto de mim; vou lhe falar. Senhor Antífolo, muito me admira o incômodo e a vergonha que me causastes - não sem vos manchardes algum tanto - por terdes protestado sob juramento e com tamanho afinco, não vos ter eu entregue essa cadeia que ao pescoço trazeis com tal descaso. Além da queixa, da prisão, do opróbrio por que passei, causastes a este amigo grande prejuízo, pois a não ter sido impedido por nossa controvérsia, a estas horas se achara velejando. Dei-vos essa cadeia, não é certo?

Antífolo de Siracusa
Creio que sim; jamais neguei tal coisa.

Mercador
Negastes, sim senhor, sob juramento.

Antífolo de Siracusa
Quem foi que ouviu, quando eu jurei tal coisa?

Mercador
Eu próprio o ouvi; bem sabes que é verdade, miserável. Que opróbrio! Teres vida para te ombreares com pessoas sérias!

Antífolo de Siracusa
Não passas de um vilão, por me acusares dessa maneira. Provarei minha honra e minha honestidade agora mesmo, se tiveres o ousio de enfrentar-me.

Mercador
Tenho, vilão! Aceito o desafio.

(Sacam das espadas. Entram Adriana, Luciana, a cortesã e outros.)

Adriana
Parai, por Deus! Não o firais! É louco! Segurai-o por trás! Tomai-lhe a espada! Amarrai Drômio e a casa levai ambos.

Drômio de Siracusa
Mestre, corramos, pelo amor de Deus! Procuremos abrigo em qualquer casa. Aqui perto há um convento; entremos nele; do contrário, estaremos liquidados.

(Antífolo de Siracusa e Drômio de Siracusa se acolhem à Abadia. Entra a Abadessa.)

Abadessa
Boa gente, acalmai-vos. Por que causa vos reunis aqui?

Adriana
Para levarmos meu infeliz marido, que está louco. Permiti-nos entrar, porque possamos amarrá-lo e levá-lo para casa, e ele a razão recuperar consiga.

Ângelo
Percebi logo que ele não estava em seu perfeito juízo.

Mercador
Ora lastimo ter lançado contra ele mão da espada.

Abadessa
Há quanto tempo anda ele assim possesso?

Adriana
Passou toda a semana fatigado, aborrecido, triste, nas menores coisas muito Outro do que ser costuma. Mas somente hoje à tarde a sua doença chegou a esses acessos de loucura.

Abadessa
Não perdeu muitos bens nalgum naufrágio? Não teria enterrado algum amigo? Acaso os olhos não lhe ensejariam ao coração algum amor ilícito? É pecado freqüente nos mancebos que dão aos olhos muita liberdade. Por qual destas razões sofre ele agora?

Adriana
Por nenhuma, a não ser, talvez, pela última, algum amor que o desviou de casa.

Abadessa
Por isso, certamente, o repreendestes.

Adriana
Foi o que fiz, de fato.

Abadessa
Mas com modos.

Adriana
Tanto quanto a modéstia o permitia.

Abadessa
Em casa apenas, creio.

Adriana
Não; na frente de estranhos uma vezes.

Abadessa
Mas não muitas.

Adriana
Era o assunto de todas as conversas. Tanto sobre isso eu lhe falava, que ele mal podia dormir; quando na mesa das refeições, de tanto eu falar nisso, não provava bocado; quando estava só comigo, era o assunto que eu puxava; se tínhamos visitas, atirava-lhe freqüentes indiretas. A toda hora lhe dizia que ele era vil e mau.

Abadessa
De aí ter acabado ele maluco. As queixas venenosas de uma esposa ciumenta são de efeito mais nocivo do que dentada de cachorro louco. Parece que essas rixas o impediam de dormir; eis a causa de ter ele ficado com o juízo perturbado. Disseste que ele, às refeições, só tinha censuras por tempero. Ora, quem come sem a calma precisa, não digere, de onde se originarem grandes febres. E a febre que é, senão um grande acesso de loucura? Disseste que o repouso lhe perturbavas sempre com censuras. Quando o recreio ameno é perturbado, que se segue senão tristeza e funda melancolia, irmã do desespero mais inquieto e feroz? No rasto deste segue uma tropa imensa de moléstias, de pálidas desordens, de inimigos da vida humana. A conseqüência é clara: perturbações à mesa ou no repouso o mais cordato ser deixam furioso. Assim, foi tão-somente o teu ciúme que perturbou do esposo o claro lume.

Luciana
Ela só o repreendia com brandura, e ele com voz lhe respondia dura. Deixais tantas censuras sem resposta?

Adriana
É que ela em mim faz despertar remorsos. Entrai, amigos, e amarrai-o firme.

Abadessa
Jamais; em minha casa ninguém entra.

Adriana
Dizei aos servos, pois, que o tragam logo.

Abadessa
Não, que ele se acolheu a um lugar santo. De vossas mãos deve ficar seguro, té que a razão eu possa devolver-lhe, ou desista do esforço, por inútil.

Adriana
Eu, só, quero tratar do meu marido, ser a enfermeira na doença dele; nisso não quero ter quem me auxilie. Deixai, assim, que a casa mo conduzam.

Abadessa
Ficai calma. Impossível é entregá-lo sem lançar mão, primeiro, dos recursos de que disponho: drogas benfazejas, xaropes, orações, porque consiga reconduzi-lo à dignidade humana. É ramo e parte do meu voto sacro, caridoso dever da ordem que sirvo. Deixai-o, pois, comigo e ide tranqüila.

Adriana
Não sairei daqui, deixando o esposo. Não fica bem à vossa santidade separar da mulher o seu marido.

Abadessa
Não insistais, que dar-vo-lo não posso.

(Sai.)

Luciana
Ao duque vos queixai dessa violência.

Adriana
Vou procurá-lo e aos pés prostrar-me dele até que minhas lágrimas e preces demovam Sua Graça a, pessoalmente, tomar desta abadessa meu marido.

Segundo Mercador
Se estou certo, o quadrante do relógio marca cinco horas, o momento exato de por aqui passar o próprio duque para o vale da morte, o melancólico lugar da execução dos condenados, um pouco além dos fossos da abadia.

Ângelo
E que motivo o traz?

Segundo Mercador
Vem assistir ao público espetáculo da decapitação de um reverendo siracusano, cujo triste fado trouxe à nossa baía, contra os duros estatutos e leis desta cidade.

Ângelo
De fato; ei-lo que chega. Vou ver isso.

Luciana
À passagem do duque cai de joelhos.

(Entra o duque com seu séquito; Egeu, de cabeça descoberta, o carrasco e auxiliares.)

Duque
De novo proclamai: se algum amigo dele quiser pagar o seu resgate, ser-lhe-á perdoada a pena. Assim fazemos pela grande piedade que nos causa.

Adriana
Mui nobre duque, impetro-te justiça contra a abadessa! -

Duque
É digna e mui virtuosa; nenhum mal poderá ter ela feito.

Adriana
Não desagrade a Vossa Graça: Antífolo, meu marido, que eu fiz senhor de todos os meus bens e de mim, seguindo nisso vossa carta imperiosa, foi, de súbito, tomado hoje - oh fatal e triste dia! - de um vergonhoso ataque de loucura, que o fez correr as ruas da cidade, causando aos transeuntes mil incômodos e entrando pelas casas, de onde jóias tirava, anéis e o mais que lhe pudesse ser à fúria agradável. Pude, a custo, mandá-lo para casa, enquanto eu própria procurava pagar os prejuízos que, aqui e ali, sua fúria cometera. Nisso, não sei por que violentos meios, pôde escapar dos guardas que o detinham e, juntamente com o criado louco, tomados ambos de um violento acesso, de espadas nuas sobre nós caíram, a fugir nos forçando, até que auxílio buscássemos de novo. Nesse ponto entraram na abadia, onde os seguíramos, se a superiora a porta não fechasse, não permitindo que empós dele fôssemos nem deixando que a casa o conduzissem. Assim, determinei, gracioso duque, nos seja ele ora entregue, porque eu possa levá-lo para casa e tratar dele.

Duque
Teu marido me serve há muito tempo nos trabalhos da guerra. A ti me prende, desde quando o acolheste como esposo, minha palavra de honra de que sempre faria o que pudesse em prol de Antífolo. Algum de vós aí bata na porta da abadia e me chame a superiora. Antes de ir deixo o caso resolvido.

(Entra um criado.)

Criado
Fugi, minha patroa, sem demora! Meu mestre e o criado estão outra vez soltos. Dão nas criadas, sem poupar nenhuma; o doutor amarraram; chamuscaram-lhe a barba com tições, e quando o fogo começava a subir, arremessaram sobre o coitado baldes de água suja, para extinguir as chamas. O meu mestre lhe recomenda calma, enquanto o criado, como se faz com os loucos, o tosquia com uma grande tesoura. Se não fordes em auxílio do mísero, é certeza darem-lhe os loucos conta do canastro.

Adriana
Cala, imbecil! Teu mestre está aqui dentro; ele e o criado. Não sabes o que dizes.

Criado
Por minha vida, estou falando sério; mal respirei, depois daquela cena. Grita por vós e jura que se, acaso, conseguir vos pegar, há de queimar-vos o rosto e vos deixar desfigurada.

(Ouvem-se gritos dentro.)

Ouço-o! Fugi, senhora, sem delongas!

Duque
Fica junto de mim; não tenhas medo. Guardas com alabardas, aqui perto!

Adriana
Oh Deus! E meu marido! Testemunhas sede de que, invisível, ele pôde transportar-se pelo ar. Neste momento vimo-lo entrar ali, e ora está fora! Isso ultrapassa o entendimento humano.

(Entram Antífolo de Éfeso e Drômio de Éfeso.)

Antífolo de Éfeso
Justiça, grande duque! Eu te suplico: concede-me justiça por aquele serviço que te fiz quando, na guerra, recebi fundo golpe por salvar-te. Pelo sangue que, então, por tua causa de mim se escoou, concede-me justiça.

Egeu
Se o medo à morte não me faz caduco, vejo meu filho Antífolo com Drômio.

Antífolo de Éfeso
Justiça, doce príncipe, contra essa mulher que tu me deste como esposa. De mim ela abusou, fez-me alta injúria, desonrou-me, tratou-me com tal fúria, que conceber não pode a mente humana tudo o que hoje me fez essa megera.

Duque
Conta o que houve e acharás em mim justiça.

Antífolo de Éfeso
Hoje, senhor, ela fechou-me a porta, para se banquetear com gente à-toa, dentro de minha casa.

Duque
A falta é grave, muito grave. É verdade o que ele disse?

Adriana
Não, meu bom lorde; eu, ele próprio e a mana jantamos juntos hoje. Morrer quero, se tudo o que ele diz não for mentira.

Luciana
Não quero ver jamais a luz do dia, nem repousar à noite, se verdade não for quanto ela disse a Vossa Alteza.

Ângelo
Quanta mentira! As duas são perjuras; fala a verdade o louco neste ponto.

Antífolo de Éfeso
Meu soberanos, eu sei o que vos digo; o vinho não me turva o entendimento; não me transtorna a cólera furiosa, muito embora os ultrajes a mim feitos pudessem deixar louco o homem mais sábio. Esta mulher deixou-me hoje na rua, quando eu ia jantar, o que este ourives confirmar poderia, se não fosse com ela estar mancomunado agora, pois ele me deixou neste momento para ir buscar uma cadeia, tendo prometido levá-la ao Porco-espinho, onde eu e Baltasar então jantamos. Não tendo aparecido, após a mesa saí a procurá-lo e, em companhia do senhor que aqui está, o achei na rua. Então jurou-me este astucioso ourives que entrega me fizera da cadeia que, Deus o sabe, nunca e nunca eu vira. Sob essa acusação mandou prender-me. Obedeci-lhe e, sem demora, a casa enviei meu servo empós de alguns ducados, que ele não trouxe. Então, em termos brandos falei ao oficial para que, juntos, fôssemos até casa. Em caminho, porém, nós encontramos minha mulher, a irmã e uma caterva de cúmplices. Com eles vinha um tipo denominado Pinch, um magricela, espécie de esqueleto, um saltimbanco, um charlatão e tirador de sortes, um pobre diabo de olhos encovados, um biltre de olhar baço, um morto-vivo. Pensai só que esse escravo amaldiçoado se arvorou a exorcista e, de olhos fixos nos meus, tomou-me o pulso e, com seu todo de alma penada, a me fitar, me disse que eu estava possesso. Nisso, todos caíram sobre mim, as mãos me ataram, amarraram-me os pés, e, juntamente com meu servo, também todo ele atado, nos puseram num quarto úmido e escuro. Com os dentes pude desfazer os laços e libertar-me, vindo in continenti procurar Vossa Graça, a quem suplico que se me dê satisfação completa de tanta ofensa e de tão grande opróbrio.

Ângelo
Posso afirmar, milorde, que, em verdade, hoje jantar ele não pôde em casa.

Duque
Mas recebeu, ou não, tua cadeia?

Ângelo
Sim, milorde; ao pescoço ele a trazia, quando por nós passou; todos a viram.

Segundo Mercador
Posso, demais, jurar que vos ouvi com estes ouvidos, confessar que tínheis a aludida cadeia, ao passo que antes, no mercado, dissestes o contrário. Foi então que eu fiz uso desta espada e fostes refugiar-vos na abadia, de onde saístes, penso, por milagre.

Antífolo de Éfeso
Jamais entrei os muros da abadia, nem nunca a espada contra mim tirastes. O céu me é testemunha de que nunca vi nenhuma cadeia. Tudo quanto contra mim assacastes é mentira.

Duque
Quanto complicação! Até parece que a provar vos deu Circe a beberagem. Se na abadia ele tivesse entrado, ainda estaria lá. Se fosse louco, não poderia discorrer com tanto sangue-frio e coerência. Assegurastes que ele jantou em casa; mas o ourives afirma o oposto. E vós, que dizeis disso?

Drômio de Éfeso
Ele e aquela mulher jantaram juntos, no Porco-espinho.

Cortesã
E fato; foi quando ele me arrebatou do dedo aquele anel.

Antífolo de Éfeso
É certo, nobre duque; o anel é dela.

Duque
Viste quando ele entrou nesta abadia?

Cortesã
Tão certo como vejo Vossa Graça.

Duque
É estranho, Ide chamar a superiora.

(Sai uma pessoa do séquito.)

Se não estais variando, enlouquecestes.

Egeu
Mui poderoso duque, uma palavra me seja permitida. Ali perceboo amigo que me vai salvar a vida, por mim pagando a multa cominada.

Duque
Fala, siracusano, o que quiseres.

Egeu
Por obséquio, senhor, não sois Antífolo? E não se chama Drômio aquele escravo que a vós está ligado?

Drômio de Éfeso
Até há uma hora ligado a ele estava. Mas por sorte - devo-lhe esse favor - roeu-me a corda. Ora sou Drômio, escravo desligado.

Egeu
Penso que ainda vos lembrais de mim.

Drômio de Éfeso
Vendo-vos, nos lembramos de nós mesmos, pois até há pouco estávamos atados, como ora vos achais. Pelo que vejo, Pinch vos pôs também no seu regime.

Egeu
Por que me olhais dessa maneira? Penso que sabeis quem eu sou.

Antífolo de Éfeso
Até este instante jamais vos tinha visto em toda a vida.

Egeu
É que a tristeza me alterou bastante dês que nos separamos. As cuidosas horas e o tempo com sua mão deforme me deixaram no rosto estranhos sulcos. Mas respondei se pela voz, ao menos, não vos lembrais de mim.

Antífolo de Éfeso
Não.

Egeu
E tu, Drômio?

Drômio de Éfeso
Tampouco eu, meu senhor.

Egeu
Tenho certeza de que de mim te lembras.

Drômio de Éfeso
Ora, senhor, e eu tenho certeza de que não me lembro. E quando uma pessoa vos nega alguma coisa, será forçoso ficardes atado à sua palavra.

Egeu
Não me conhece a voz? Ó tempo ingrato! De tal maneira a língua me fendeste nestes curtos sete anos, que meu único filho não reconhece o som rachado de minhas desentoadas amarguras? Embora tenha o amarfanhado rosto recoberto de neve floconosa do inverno destruidor da seiva viva, e congelados já me estejam todos os condutos do sangue, ainda me resta nesta noite de vida algum resquício da memória de outrora, minha lâmpada quase extinta ainda emite uma luz tênue, ainda ouve alguma coisa o ouvido mouco. E todas essas testemunhas dizem - não posso errar- que tu és meu filho Antífolo.

Antífolo de Éfeso
Não vi meu pai em toda a minha vida.

Egeu
Entanto, sabes, jovem, que há sete anos, me separei de ti em Siracusa. Sim, compreendo, meu filho: é que te acanhas de me reconhecer nesta miséria.

Antífolo
O duque e todos quantos me conhecem podem dar testemunho do que afirmo. Jamais vi Siracusa em toda a vida.

Duque
Posso te assegurar, siracusano, que, há vinte anos, Antífolo é meu súdito e que ele nunca esteve em Siracusa. Vejo que a muita idade e os sofrimentos te fizeram perder de todo o juízo.

(Volta a Abadessa com Antífolo de Siracusa e Drômio de Siracusa.)

Abadessa
Mui poderoso duque, olhai este homem que tem sofrido muitas injustiças.

(Todos se aproximam para olhá-lo.)

Adriana
Ou vejo mal, ou vejo dois maridos.

Duque
Um destes indivíduos gênio é do outro. Dá-se o mesmo com aqueles. Mas quem pode dizer qual seja o espírito, qual o homem!

Drômio de Siracusa
Drômio sou eu, senhor; mandai-o embora.

Drômio de Éfeso
Drômio sou eu; não permitais que eu saia.

Antífolo de Siracusa
Não sois Egeu? Ou acaso sois o espírito dele somente?

Drômio de Siracusa
Ó meu antigo mestre! Quem foi que vos atou dessa maneira?

Abadessa
Fosse quem fosse, a mim cumpre soltá-lo dessas cadeias, para que um marido, com sua liberdade, a ganhar venha. Dize-me, velho Egeu, se já tiveste por esposa uma Emília, que dois gêmeos te brindou de uma vez, dois lindos filhos? Oh! Se és o mesmo Egeu, fala-me! fala-me que aqui tu vês aquela mesma Emília.

Egeu
Se não estou sonhando, tu és Emília. Se és ela mesma, dize onde está o filho que contigo flutuou no fatal mastro?

Abadessa
Eu, ele e Drômio fomos recolhidos por gente de Epidamno. Pouco tempo depois, no entanto, rudes pescadores de Corinto tomaram-lhes meu filho, juntamente com Drômio, entre os primeiros me deixando sozinha. Qual tivesse sido a sorte dos dois, não sei dizer-te; a mim coube a fortuna que contemplas.

Duque
Isso completa a história começada nesta manhã. Estes irmãos Antífolos tão parecidos, e os dois gêmeos Drômios, que não se diferençam, e o naufrágio a que ela se refere... Os pais são estes destes dois filhos que, por coincidência, aqui juntos estão. Dize-me, Antífolo: era Corinto teu lugar de origem?

Antífolo de Siracusa
Não, milorde; eu cheguei de Siracusa.

Duque
Não vos distingo; põe-te deste lado.

Antífolo de Éfeso
De Corinto eu cheguei, gracioso lorde...

Drômio de Éfeso
E eu com ele.

Antífolo de Éfeso
Em companhia do guerreiro excelso, Duque de Menafon, vosso alto tio.

Adriana
Qual de vós dois jantou hoje comigo?

Antífolo de Siracusa
Fui eu, senhora.

Adriana
Sois o meu marido?

Antífolo de Éfeso
Não; respondo por ele.

Antífolo de Siracusa
O mesmo eu digo.No entanto, ela de esposa me chamava, como de irmão esta gentil menina, sua irmã.

(A Luciana.)

Tudo quanto então vos disse pretendo confirmar com mais sossego, se sonho não for tudo que ouço e vejo.

Ângelo
Senhor, essa é a cadeia que eu vos dei.

Antífolo de Siracusa
Creio que sim; não penso em contestá-lo.

Antífolo de Éfeso
E vós, senhor, por ela me prendestes.

Ângelo
Creio que sim; não penso em contestá-lo.

Adriana
Mandei pagar por Drômio vossa fiança; mas temo que ele não a tenha pago.

Drômio de Éfeso
Por mim não.

Antífolo de Siracusa
Recebi esta bolsa de ducados por vós enviada por meu servo Drômio. Vejo agora que os servos nós trocamos; eu passava por ele e ele por mim; de aí terem nascido tantos erros.

Antífolo de Éfeso
Libertarei meu pai com esses ducados.

Duque
Não é preciso; a vida eu lhe concedo.

Cortesã
Meu diamante, senhor, restituí-me.

Antífolo de Éfeso
Ei-lo aqui; muito grato pela festa.

Abadessa
Famoso duque, dai-vos ao trabalho de ir conosco à abadia, porque a história possais ouvir de quanto nós passamos. E todos vós que estais aqui reunidos, a quem os erros de um só dia foram causa de sofrimentos, também vinde, que eu vos darei satisfação cabal. Durante trinta e três anos seguidos sofri por vós, meus filhos, só me tendo livrado de meu sofrimento neste instante. O duque, meu marido, meus dois filhos, e vós ambos, também, os calendários do nascimento deles, vinde todos. À vossa a minha dita se associa; grande, imensa será nossa alegria.

(Saem o duque, a abadessa, Egeu, a cortesã, o mercador, Ângelo e pessoas do séquito.)

Drômio de Siracusa
Mestre, trago de bordo as vossas coisas?

Antífolo de Éfeso
Que coisas minhas, Drômio, estão a bordo?

Antífolo de Siracusa
Isso é comigo. Drômio, eu sou teu mestre.Vem comigo; depois tratamos disso. Abraça teu irmão e fica alegre.

(Saem Antífolo de Siracusa e Antífolo de Éfeso, Adriana e Luciana.)

Drômio de Siracusa
Aquela cozinheira gordanchuda da casa de teu amo, que hoje à tarde me tratou com quitutes, de hoje em diante irmã minha vai ser, não minha esposa.

Drômio de Éfeso
Não pareceis meu mano, mas o espelho em que me esteja vendo: um belo tipo, realmente! Não quereis ir à abadia, para ouvir relatar nossas histórias?

Drômio de Siracusa
Sim, mas primeiro vós; sois o mais velho.

Drômio de Éfeso
É uma questão. Mas como decidi-la?

Drômio de Siracusa
Vamos tirar a sorte para o título da primogenitura. Mas enquanto nãodecidirmos isso, ficais sendo de nós dois o mais velho.

Drômio de Éfeso
Então, desta arte: Se, como irmãos, ao mundo em boa hora viemos, de mãos dadas, agora, a esta abadia entremos.

(Saem.)

Submited by

quinta-feira, maio 7, 2009 - 22:23

Poesia Consagrada :

No votes yet

Shakespeare

imagem de Shakespeare
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 14 anos 3 dias
Membro desde: 10/14/2008
Conteúdos:
Pontos: 410

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Shakespeare

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 12: When I do count the clock that tells the time 0 6.882 07/12/2011 - 01:13 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 119: What potions have I drunk of Siren tears 0 4.642 07/12/2011 - 01:12 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 118: Like as to make our appetite more keen 0 4.139 07/12/2011 - 01:09 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 116: Let me not to the marriage of true minds 0 4.427 07/12/2011 - 01:07 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 115: Those lines that I before have writ do lie 0 4.487 07/12/2011 - 01:06 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 114: Or whether doth my mind, being crowned with you 0 4.639 07/12/2011 - 01:05 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 113: Since I left you, mine eye is in my mind 0 4.110 07/12/2011 - 01:04 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 112: Your love and pity doth th' impression fill 0 4.250 07/12/2011 - 01:02 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 111: O, for my sake do you with Fortune chide 0 3.941 07/12/2011 - 01:01 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 110: Alas, 'tis true, I have gone here and there 0 4.687 07/12/2011 - 00:59 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 11: As fast as thou shalt wane, so fast thou grow'st 0 4.949 07/12/2011 - 00:58 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 109: O, never say that I was false of heart 0 5.314 07/12/2011 - 00:57 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 108: What's in the brain that ink may character 0 4.342 07/12/2011 - 00:57 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 107: Not mine own fears, nor the prophetic soul 0 4.402 07/12/2011 - 00:56 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 106: When in the chronicle of wasted time 0 4.616 07/12/2011 - 00:54 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 105: Let not my love be called idolatry 0 5.058 07/12/2011 - 00:53 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 104: To me, fair friend, you never can be old 0 4.846 07/12/2011 - 00:53 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 103: Alack, what poverty my Muse brings forth 0 4.720 07/12/2011 - 00:52 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 102: My love is strengthened, though more weak in seeming 0 3.997 07/12/2011 - 00:50 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 101: O truant Muse, what shall be thy amends 0 4.791 07/12/2011 - 00:43 inglês
Poesia Consagrada/Geral Sonnet 100: Where art thou, Muse, that thou forget'st so long 0 4.770 07/12/2011 - 00:42 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 10: For shame, deny that thou bear'st love to any 0 4.398 07/12/2011 - 00:40 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonnet 1 0 4.731 07/12/2011 - 00:38 inglês
Poesia Consagrada/Soneto Sonet LIV 0 4.821 07/12/2011 - 00:37 inglês
Poesia Consagrada/Geral Silvia 0 5.201 07/12/2011 - 00:36 inglês