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William Shakespeare : O Mercador de Veneza – Ato II - Cena VII
Cena VII
(Belmonte. Um quarto em casa de Pórcia. Toque de cornetas. Entra Pórcia com o Príncipe de Marrocos e seu séquito.)
Pórcia
Descerrai as cortinas, para que este príncipe nobre possa ver os cofres. Fazei agora a escolha.
Marrocos
De ouro, o primeiro, esta inscrição nos mostra: "Quem me escolher, ganha o que muitos querem."O outro, de prata, esta promessa mostra: "Quem me escolher, ganha o que bem merece." O último, pesadão, de chumbo, adverte: "Quem me escolher, arrisca e dá o que tem." De que modo saber que escolhi certo?
Pórcia
Num deles se acha o meu retrato, príncipe. Se esse escolherdes, logo serei vossa.
Marrocos
Guie-me um deus na escolha! Examinemos de novo as inscrições, tomando da última. Que diz o plúmbeo cofre? "Quem me escolher, arrisca e dá o que tem." Dar o que tem por chumbo? Arriscar tudo por chumbo? ameaçadora esta sentença. Quem tudo arrisca, espera grandes lucros. Um espírito de ouro não se importa com rebotalhos vis. Não darei nada, nem nada arriscarei por este chumbo. E a prata virginal, que nos declara? "Quem me escolher, ganha o que bem merece." O que merece... Pára aí, Marrocos, e com mão firme o teu valor sopesa. Se fores avaliado desse modo, por ti próprio, mereces muito, muito. Mas esses muitos, ainda assim, não chegam porventura, a alcançar esta senhora. Mas se puser em dúvida o meu mérito, mau conceito revelo de mim próprio. Tudo quanto mereço? Ora, esta dama. Mereço-a pelo berço, pela sorte, por minha educação e qualidades; mas pelo amor mereço-a mais ainda. E se eu me detivesse neste ponto, e escolhesse este cofre? Mas vejamos o que diz a inscrição gravada no ouro. "Quem me escolher, ganha o que muitos querem." É a donzela, pois não? Muitos a querem. Dos quatro cantos chegam peregrinos, para depor um beijo nesta imagem, nesta santa mortal que aqui respira. As vastas solidões da grande Arábia e os desertos da Hircânia transformaram-se em estradas, agora, para príncipes que acorrem para ver a bela Pórcia. O domínio das águas, que a cabeça vaidosa eleva, para que na face do céu possa cuspir, não é barreira que deter possa tanta gente estranha, senão simples regato, para todos que acorrem para ver a bela Pórcia. Seu celeste retrato está num destes. O chumbo o encerrará? Tão baixa idéia fora profanação; injúria fora comprimir numa escura sepultura sua frágil mortalha. Ou pensar devo que emparedada ela se encontra em prata, que vale vinte vezes menos que o ouro? Pecaminosa idéia! Uma tal jóia, no mínimo, seria feita em ouro. Na Inglaterra há uma moeda em que insculpido em ouro se vê um anjo. Mas a efígie fica por fora, ao passo que aqui dentro em leito de ouro está deitado um anjo. Depressa, a chave! O ímã este é mais forte. Seja-me favorável nisto a sorte.
Pórcia
Ei-la, príncipe. Caso meu retrato se encontre aí dentro, serei vossa esposa.
(O Príncipe abre o cofre de ouro.)
Marrocos
Oh inferno! Que está aqui? Uma caveira que na órbita vazia um papel mostra com qualquer coisa escrito. Vamos lê-lo. Nem tudo o que luz é ouro, proclamam sábios em coro. Muita gente acaba em choro, por só procurar tesouro. Mausoléus são comedouro de vermes em fervedouro. Se houvesse sabedoria nessa vossa cortesia, a consulta não faria turvar-vos a fantasia. Passai bem; vossa ousadia foi castigada; está fria. É certo; agora não rio; adeus, calor; venha o frio. Adeus, Pórcia; a derrota me degrada. Assim parte quem perde: não diz nada.
(Sai com seu séquito. Toque de cornetas.)
Pórcia
Livrei-me de um. Correi logo a cortina. Aos dessa cor desejo igual mofina.
(Saem.)
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