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Feira livre nas ruas do inferno
Todos os dias passam centenas pela feira livre das ruas do inferno. Comerciantes, pedestres, homens, mulheres, crianças, idosos, moradores, mendigos, pedras, brancas, amarelas, traficantes, polícia, camburão, cavalaria, drogados.
Nem todos ouvem o que vêem. A cidade grita a vergonha nacional.
São Paulo pede socorro, humanidade, justiça.
Em dia de voto certo, promessas de mudança, planejamento urbano, revitalização!
Tapetes gigantescos varrendo a decadência humana e social. Até quando?
Alerta geral ! Hoje as câmeras voltam-se para a região central da cidade. Em busca de imagens e relatos, há focos ora de sensacionalismo, ora de seriedade, porém nada transforma concretamente em ação de resgate a interferência de imprensa e autoridades.
Cracolândia é o nome que arrasta o estigma das ruas há anos habitadas pelos miseráveis excluídos.
Quem são os responsáveis? Onde isso vai parar? Por que não tratam dessa gente? Por que não os levam para instituições, tratamentos de recuperação de dependentes químicos? Por que não pegam os traficantes?
Perguntas de todos os que testemunham cenas de comércio de drogas à plena luz do dia na região da “nova cracolândia”. Nova, porque já não é de hoje, a raiz é mais antiga, da estação da Luz à Santa Ifigênia, República, Santa Cecília, vai circulando as regiões. Como ondas que partem de um ponto para outro, delineando a zona de explosão de crack, que destrói e corrompe.
Além das perguntas, desolação e revolta que ecoam na região, da exaustão diária das mesmas cenas, “policiamento intensivo”, apreensão de “cachimbos e facas”, circulação de “bases comunitárias”, assistência social tentando conduzir usuários aos abrigos para refeição, banho e pernoite e atendimento psicológico, a mobilização da população obrigada a conviver com essa “vizinhança paralela” está levantando fogo do asfalto para mostrar que a urgência de solução é pra ontem e não a passo de lentidão e descaso, de tomada de projeto “urbano”, econômico, comercial ! Onde está o projeto “humano”? A proporção da situação hoje jamais pôde ser negligenciada. Não se pode negligenciar a vida humana em prol da espera do correr de um projeto “econômico” ... Não há mais tempo. Pois o fogo vai aumentar.
As notícias “urgentes” relatam a “desapropriação da cracolândia” com a transferência de órgãos públicos e instalações de empresas de grande porte. E os 20 anos apropriados pelo crack, quem paga por isso? As empresas, lojas, comércios lá instalados nesses anos todos tentando a sobrevivência no meio da decadência das ruas ocupadas pela “vizinhança paralela”, quem vai lhes pagar os prejuízos? Pelo dano emocional, até, de ir e vir de casa e do trabalho, presenciando a miséria humana a que se deixou à deriva a maior cidade, maior metrópole da América latina? Todos sabem que a vida do usuário de crack se esvai em curtíssimo tempo, portanto onde foram sepultadas essas vidas em duas décadas de vale-tudo? Vale se drogar, delirar, roubar, matar, perder a identidade, dignidade, cidadania, em plena “falta de luz”.
Essa é a feira livre das ruas do inferno.
Sou paulistana. Quero minha cidade de volta. Quero de volta a luz da minha cidade.
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