CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

ABANDONEI A VILA

ABANDONEI A VILA

Abandonei a vila, não soube administrar a casa com os sentimentos. Misturei ambos, triturei-os até sentir sangrar o peito, culpa de ninguém, culpa de um sentir de nada que me tem arrastado até à solidão. O amor não me recebeu, deixou-me à porta. Vislumbrei o hall, pequeno, vazio, apercebi-me que existiam umas escadas para o andar superior, não sei a sua dimensão, ignorei o caminho, desviei os olhos para as paredes, manchas de humidade, nalguns locais bolor, deixado por outras chuvas que não a minha, chuva de lágrimas. Apesar de haver tido o cuidado de esconder a paixão, tenho-a escravizada. As minhas lágrimas são como comboios, apitam nas curvas, ninguém vê, escutam-nas ao longe. São minhas! Avisam que aí vêem com olhos de carvão, se elas soubessem como são sagazes, como são lúcidas. Em segredo!
Sempre me movi entre quartos arrumados. Os vidros das janelas a deixarem ver o que vai por fora. Este hall é portador de fantasmas, nenhum sentimento, o ar quente alastra pela cal, obsessivamente. Esta casa ao fim da vila sempre me fez estremecer de medo. Sei-o agora! Quase nada do que lá vivi foi perfeito, foi uma casa de enganos, de corpos vestidos de pássaros, que rapidamente bateram asas. Corpos sem contornos, corpos de memórias deslumbradas e mórbidas.
Não me parece possível comunicar.
Em precário silêncio viro as costas e fecho a porta.
Sinto na boca as palavras que não quiseram ouvir. Recuso a calúnia. Cada gesto, cada passo, abre uma cratera na rua, para não mais voltar, para ninguém mais me levar.
Abandonei a vila, a vida de infância tocou-me no meu quotidiano, enchendo-me ao de leve com a esperança que a distância que me separa dela seja uma viagem pequena.
Amar numa casa de campo fez com que me aparecessem fissuras em redor das ideias… Mas não estou triste, vou a caminho de encontrar domicílio certo onde o medo das palavras dos outros não tenha dicionário próprio nem interpretação personalizada.
O coração tornou-se um mapa decifrável. Aqui, na vila ou numa cidade grande o importante é não permitir que se confunda auto-estradas com estradas secundárias, até porque atalhos todos conhecem.
Quando me voltarem a perguntar porque abandonei a vila a resposta está simplificada:
-Porque tenho esperança que o medo das palavras não passe do hall de entrada de uma qualquer casa de uma qualquer vila. Aí, regressarei já sem crateras na rua e subirei as escadas para o andar superior.
Depois, depois que o medo que fiz meu se esqueça que teve significado.

JFV

ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NA REVISTA DE ARTES E IDEIAS-EDITORA ALMA-AZUL, EM 2006. ANTOLOGIA SOBRE "O MEDO".

Submited by

quinta-feira, março 18, 2010 - 15:19

Poesia :

No votes yet

JOSEFVICENTE

imagem de JOSEFVICENTE
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 6 semanas
Membro desde: 03/02/2010
Conteúdos:
Pontos: 438

Comentários

imagem de KeilaPatricia

Re: ABANDONEI A VILA

Um poema bem escrito, gostei!!!

imagem de mariacarla

Re: ABANDONEI A VILA

Parabéns pela publicação.
O texto merece o mérito.

Beijo
Carla

imagem de Henrique

Re: ABANDONEI A VILA

Revi-me e revivi-me nestas palavras!!!

:-)

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of JOSEFVICENTE

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Dedicado Canteiro 0 1.318 03/21/2011 - 03:03 Português
Poesia/Geral ESCADAS 1 1.511 03/15/2011 - 00:45 Português
Poesia/Dedicado O avesso do som 1 1.043 03/07/2011 - 02:03 Português
Poesia/Aforismo Voltei de onde não parti 2 932 03/06/2011 - 23:15 Português
Poesia/Amor Rainha das dores 2 1.009 03/03/2011 - 00:27 Português
Poesia/Amor Venham 2 1.236 03/03/2011 - 00:14 Português
Poesia/Amizade CIRCO 2 1.295 03/03/2011 - 00:04 Português
Fotos/Pessoais EU 1 1.647 03/02/2011 - 16:04 Português
Poesia/Aforismo VOZ DE RUA 1 1.099 03/02/2011 - 15:32 Português
Poesia/Aforismo A tristeza de hoje 1 1.105 03/02/2011 - 15:22 Português
Videos/Perfil 1083 0 1.490 11/24/2010 - 23:09 Português
Fotos/ - 3165 0 1.667 11/24/2010 - 00:54 Português
Videos/Poesia O poema não - João Negreiros 0 1.904 11/19/2010 - 23:38 Português
Videos/Arte O PRINCIPEZINHO 0 1.934 11/19/2010 - 23:38 Português
Videos/Arte MI CAJITA DE MUSICA 0 1.605 11/19/2010 - 23:38 Português
Ministério da Poesia/Dedicado ABANDONEI A VILA 0 2.534 11/19/2010 - 19:27 Português
Ministério da Poesia/Aforismo LABIRINTO DE TORMENTOS 0 1.870 11/19/2010 - 19:27 Português
Ministério da Poesia/Tristeza O DIA QUE NÃO TENHO 0 1.755 11/19/2010 - 19:27 Português
Ministério da Poesia/Aforismo VIDA DESFOCADA 0 1.549 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Geral Não sei como sou 0 1.965 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Aforismo CAIU-ME UMA LÁGRIMA 0 2.070 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Geral SENTADOS NO CHÃO 0 1.982 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Aforismo Carrossel 0 2.430 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Aforismo ÉS O QUE NUNCA FUI 0 2.198 11/19/2010 - 19:26 Português
Ministério da Poesia/Aforismo ÉS O QUE NUNCA FUI 0 2.246 11/19/2010 - 19:26 Português