Corpo Nocturno

Corpo Nocturno

Sabia o Tempo que era a despedida,
De mim,
De ti,
Da terra!

Mas que terra tão feroz!
Aquela que adormece a cara,
Aquece o coração…

Sabia o Tempo que era a despedida
Daquela casa fria e longínqua,
Onde a chuva caía ela face,
A água escorria pelo corpo,
A roupa pregava-se à pele
E a granha esvoaçava num vento medonho.

Mas que vício ignoto que não me largava o corpo
Enquanto a Terra girava,
O Mundo morria,
Pousavam inertes os olhos que o Sol arrepiava.

A vida desfalecia morbidamente
Jornada após jornada
E irresistivelmente tocava num piano
Violentamente sem cessar!
Ouvindo a melodia molhada
E enlouquecendo uma e outra vez!
Desejava soltar a alma para o vazio,
Deixando-a cair para o infinito…partiu.

O corpo não comandava a vontade
Nem a verdade.
O corpo não chefiava a alma,
Apenas carregava-a com voracidade!

Mas o corpo é uma teia com vida!
Um enredo e uma intriga destemida!
Um corpo com uma alma banida
É objecto com a sua existência
Sugada e perdida!

O corpo é uma teia com vida!
Uma matéria que até com alma e existência
Aprende a ferir!

Ter corpo é ter poesia.
Pode ser a maré que vai e vem
Sem desdém.
Pode ser a maresia que mergulha
Sem nos amar também.

Tudo pode ser amado…
Um louco sedento de paixão
Que quer amar sem limites
Sem redenção!

Tudo pode ser poesia!
Um Mundo que não acaba nem desaba,
Um amor que permanece eterno,
Uma chama tépida que nunca apaga,
Um Sol que nunca morre,
Uma Lua que melodiosamente renasce,
Uma vida que existe
E insiste em arder em nós…

Sabia o Tempo que era a despedida
Daquele refúgio singelo,
Onde a chuva soluçava constantemente,
O corpo gelava-me mordazmente
Naquela noite de luar…perdida

Fernanda Castro