CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Demian - Introdução (Hermann Hesse)

Para relatar a história de minha vida,
devo recuar alguns anos.
Se me fosse possível,
deveria retroceder ainda mais,
à primeira infância, ou mais ainda,
aos primórdios de minha ascendência.

Os poetas, quando escrevem novelas,
costumam proceder como se fossem Deus
e pudessem abranger com o olhar toda a história
de uma vida humana, compreendendo-a e expondo-a
como se o próprio Deus a relatasse,
sem nenhum véu, revelando a cada instante
sua essência mais íntima.

Não posso agir assim,
e os próprios poetas não o conseguem.

Minha história é, no entanto, para mim,
mais importante do que a de qualquer outro autor,
pois é a minha própria história,
e a história de um homem —
não a de um personagem inventado, possível ou
inexistente em qualquer outra forma -,
mas a de um homem real, único e vivo.

Hoje sabe-se cada vez menos o que isso significa,
o que seja um homem realmente vivo,
e se entregam à morte sob o fogo da metralha
a milhares de homens, cada um dos quais constitui
um ensaio único e precioso da Natureza.

Se não passássemos de indivíduos isolados,
se cada um de nós pudesse realmente
ser varrido por uma bala de fuzil,
não haveria sentido algum em relatar histórias.

Mas cada homem não é apenas ele mesmo;
é também um ponto único, singularíssimo,
sempre importante e peculiar,
no qual os fenômenos do mundo se cruzam
daquela forma uma só vez e nunca mais.

Assim, a história de cada homem é essencial,
eterna e divina, e cada homem,
ao viver em alguma parte e cumprir
os ditames da Natureza,
é algo maravilhoso e digno de toda a atenção.

Em cada um dos seres humanos
o espírito adquiriu forma,
em cada um deles a criatura padece,
em cada qual é crucificado um Redentor.

Poucos são hoje os que sabem o que seja um homem.
Muitos o sentem e, por senti-lo,
morrem mais aliviados, como eu próprio,
se conseguir terminar este relato.

Não creio ser um homem que saiba.
Tenho sido sempre um homem que busca,
mas já agora não busco mais
nas estrelas e nos livros:
começo a ouvir os ensinamentos
que meu sangue murmura em mim.

Não é agradável a minha história,
não é suave e harmoniosa
como as histórias inventadas;
sabe a insensatez e a confusão,
a loucura e o sonho,
como a vida de todos os homens
que já não querem mais mentir a si mesmos.

A vida de todo ser humano
é um caminho em direção a si mesmo,
a tentativa de um caminho,
o seguir de um simples rastro.

Homem algum chegou a ser
completamente ele mesmo;
mas todos aspiram a sê-lo,
obscuramente alguns, outros mais claramente,
cada qual como pode.

Todos levam consigo,até o fim,
viscosidades e cascas de ovo
de um mundo primitivo.

Há os que não chegam jamais a ser homens,
e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas.
Outros que são homens da cintura para cima
e peixes da cintura para baixo.

Mas, cada um deles é
um impulso em direção ao ser.

Todos temos origens comuns: as mães;
todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um,
- resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial -,
tende a seu próprio fim.

Assim é que podemos
entender-nos uns aos outros,
mas somente a si mesmo
pode cada um interpretar-se.

Hermann Hesse, escritor e poeta alemão, In: Demian, Texto de abertura de um de seus best-sellers.

 

Submited by

terça-feira, novembro 1, 2011 - 00:46

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 21 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Intervenção Desencanto (Manuel Bandeira) 0 647 08/17/2011 - 21:57 Português
Poesia/Intervenção Minha grande ternura (Manuel Bandeira) 0 1.094 08/17/2011 - 21:54 Português
Poesia/Meditação Enquanto a chuva cai (Manuel Bandeira) 0 496 08/17/2011 - 21:52 Português
Poesia/Intervenção A morte absoluta (Manuel Bandeira) 0 1.815 08/17/2011 - 21:47 Português
Poesia/Pensamentos Arte de Amar (Manuel Bandeira) 0 2.043 08/17/2011 - 21:44 Português
Poesia/Desilusão Surdina (Olavo Bilac) 0 646 08/17/2011 - 13:28 Português
Poesia/Amor O Amor e a Morte (José Régio) 0 1.697 08/17/2011 - 13:25 Português
Poesia/Intervenção Solidão (Pedro Homem de Mello) 0 1.046 08/17/2011 - 13:23 Português
Poesia/Intervenção O que eu sou... (Teixeira de Pascoaes) 0 713 08/17/2011 - 13:21 Português
Poesia/Intervenção Fim (Álvaro de Campos) 0 485 08/17/2011 - 13:16 Português
Poesia/Meditação Memória (Carlos Drummond de Andrade) 0 363 08/17/2011 - 13:14 Português
Poesia/Intervenção A hora da partida (Sophia de Mello Breyner Andresen) 0 2.468 08/17/2011 - 13:12 Português
Poesia/Intervenção Canção da Partida (Cesário Verde) 0 860 08/17/2011 - 13:09 Português
Poesia/Arquivo de textos Biografia: Cora Coralina(1889-1985), poetisa brasileira, natural de Goiás. 0 4.493 08/17/2011 - 02:21 Português
Poesia/Meditação Mascarados (Cora Coralina) 0 1.046 08/17/2011 - 02:12 Português
Poesia/Dedicado Minha Cidade (Cora Coralina) 0 384 08/17/2011 - 02:10 Português
Poesia/Dedicado Rio Vermelho (Cora Coralina) 0 527 08/17/2011 - 02:08 Português
Poesia/Dedicado Bem-te-vi bem-te-vi... (Cora Coralina) 0 1.975 08/17/2011 - 02:06 Português
Poesia/Meditação Todas as Vidas (Cora Coralina) 0 566 08/17/2011 - 02:04 Português
Poesia/Arquivo de textos Biografia: Mário Quintana (1906-1994), poeta, escritor e jornalista brasileiro. 0 2.931 08/15/2011 - 18:48 Português
Poesia/Intervenção Ah! Os relógios (Mário Quintana) 0 827 08/15/2011 - 18:38 Português
Poesia/Desilusão Canção dos romances perdidos (Mário Quintana) 0 537 08/15/2011 - 18:35 Português
Poesia/Amor Canção do amor imprevisto (Mário Quintana) 0 1.029 08/15/2011 - 18:33 Português
Poesia/Amor Bilhete (Mário Quintana) 0 644 08/15/2011 - 18:30 Português
Poesia/Dedicado As mãos do meu pai (Mário Quintana) 0 479 08/15/2011 - 18:28 Português