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A estrada íngreme
A estrada inclinava sempre para o mesmo lado
mas ele teimava em subi-la a pé.
Apesar de saber que os tornozelos
doíam, sempre que a alma tirava as sandálias
e expunha a epiderme ao sorriso maléfico do alcatrão,
ele não desarmava.
.
Libélulas gostavam de perseguir os dedos
quando ele pisava uma ou outra pedra
com que se deparava no caminho.
.
Os carros passavam por ele e buzinavam
desconhecendo que ele não poderia chegar-se
às bermas do coração, tal era a ânsia
de descer a colina para lá do topo,
onde se acordavam desesperos,
e se levantavam vendavais de mágoas -
sobrava por vezes uma fatia de esperança
batida num castelo de letras
geladas no frigorífico dos olhos de baunilha e café.
.
Vestia sempre a roupa amarrotada,
não fossem criticar-lhe tamanho alisamento
perante as rugas do coração no abismo
preso por arames de fruta ainda muito verde
para o ritmo da respiração.
.
Disse-lhe para desistir dessas subidas
e propus que se limitasse a seguir com os olhos
a brisa calma das manhãs frias.
Ele respondeu-me com os dentes cerrados
pela fúria de quem perdeu um céu licoroso,
que ia recebendo em troca aguardente demasiado inflamável
para as músicas que ia compondo.
No intervalos dos ensaios da peça de teatro
em que ele era um bandido procurado por homicídio
(voluntário no propósito de desejar esquecer a inclinação),
ele sonhava.
.
A estrada ganhou buracos
quando os camiões passaram a lutar com a subida
e o fumo dos escapes engolia certos desejos.
.
Hoje é camionista viciado em observar nuvens brancas
que se dissipam nos anticiclones do peito.
Já só usa o rastro dos pneus para guiar a alma pela estrada,
contando as estrelas bebés que existem no céu...
como se abrisse os olhos para o mundo,
e houvesse tanta luz nos caminhos íngremes
que os fizesse parecer uma planície de rostos felizes.
rainbowsky
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Poesia :
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Comentários
Re: A estrada íngreme
Libélulas gostavam de perseguir os dedos
quando ele pisava uma ou outra pedra
com que se deparava no caminho.
Belas imagens!!!
:-)