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Fernando Pessoa- Livro do desassossego ( VI )

O tédio… Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer.

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar; porque é extrair de uma coisa a sua essência.

O amor, o sono, as drogas e intoxicantes são formas elementares de arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela.

O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruina de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.

“A maioria da gente é outra gente”- Oscar Wilde. Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve.

Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo o que cessa no que vemos é em nós que cessa. Tudo o que foi se o vimos quando era, é de nós que foi tirado quando se partiu.

A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem... Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo. É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser. É que ali não está um escravo, embora até chorando perdesse a servidão.

Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugná-la-íamos se a tivéssemos.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procura-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade de gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

O dinheiro é belo, porque é uma libertação.

A mania do absurdo e do paradoxo é a alegria animal dos tristes. Como o homem normal diz disparates por vitalidade, e por sangue dá palmadas nas costas dos outros, os incapazes de entusiamos e de alegria dão cambalhotas na inteligência e, a seu modo, fazem os gestos da vida.

Para criar destrui-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena viva onde passam atores representando várias peças.

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

A arte serve de fuga para a sensibilidade que a ação teve de esquecer.

Governa quem é alegre para ser triste é preciso sentir.

Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer.

Parecendo às vezes, à minha análise rápida, parasitar os outros, na realidade o que acontece é que os obrigo a ser parasitas da minha posterior emoção.

Cada civilização segue a linha íntima de uma religião que a representa: passar para outros religiões é perder essa, e por fim perdê-las a todas.

O homem completo é o homem que se ignora. Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida.

Minha alma é uma orquestra oculta.

Só me conheço como sinfonia.

Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho morto.

Todos temos por onde sermos desprezáveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou um crime que a alma lhe pede para fazer.

Os outros não são para nós mais que paisagem, e, quase sempre, paisagem invisível da rua conhecida.

Eu não tinha a força cega dos vencedores ou a visão certa dos loucos… Era lúcido e triste como um dia frio.

Foi num mar interior que o rio da minha vida findou.

Aprazia convalescer para sentir verdadeiramente a vida.

Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.

O que mata o sonhador é não viver quando sonha; o que fere o agente é não sonhar quando vive.

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

A mentira absurda tem todo o recanto de perverso com o último e o maior encanto de ser inocente.

E quando a mentira começar a dar-nos prazer, falemos a verdade para lhe mentirmos. E quando nos causar angústia, paremos, para que o sofrimento nos não signifique perversamente prazer.

…o pasmo que me causa a minha capacidade de angústia.

Para atingir a verdade faltam-nos dados que bastem, e processos intelectuais que esgotam a interpretação desses dados.

Uma rua deserta não é uma rua onde não passa ninguém, mas uma rua onde os que passam, passam nela como se fosse deserta.

Os que pensam com o raciocínio estão distraídos; os que pensam com a emoção estão dormindo, os que pensam com a vontade estão mortos.
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segunda-feira, novembro 5, 2012 - 17:43

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