CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Os homens amam a guerra (Affonso Romano de Sant´Anna)

Não sei com que armas os homens lutarão na Terceira Guerra,
mas na Quarta, será a pau e pedra –Einstein

Os homens amam a guerra. Por isso
se armam festivos em coro e cores
para o dúbio esporte da morte.

Amam e não disfarçam.
Alardeiam esse amor nas praças,
criam manuais e escolas,
alçando bandeiras e recolhendo caixões,
entoando slogans e sepultando canções.

Os homens amam a guerra. Mas não a amam
só com a coragem do atleta
e a empáfia militar, mas com a piedosa
voz do sacerdote, que antes do combate
serve a hóstia da morte.

Foi assim na Criméia e Tróia,
na Eritréia e Angola,
na Mongólia e Argélia,
no Saara e agora.

Os homens amam a guerra
E mal suportam a paz.

Os homens amam a guerra,
portanto,
não há perigo de paz.

Os homens amam a guerra, profana
ou santa, tanto faz.

Os homens têm a guerra como amante,
embora esposem a paz.

E que arroubos, meu Deus! nesse encontro voraz!
que prazeres! que uivos! que ais!
que sublimes perversões urdidas
na mortalha dos lençóis, lambuzando
a cama ou campo de batalha.

Durante séculos pensei
que a guerra fosse o desvio
e a paz a rota. Enganei-me. São paralelas
margens de um mesmo rio, a mão e a luva,
o pé e a bota. Mais que gêmeas
são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar
são o ouroboro- cobra circular
eternamente a nos devorar.

A guerra não é um entreato.
É parte do espetáculo. E não é tragédia apenas
é comédia, real ou popular,
é algo melhor que circo:
-é onde o alegre trapezista
vestido de kamikase
salta sem rede e suporte,
quebram-se todos os pratos
e o contorcionista se parte
no kamasutra da morte.

A guerra não é o avesso da paz.
É seu berço e seio complementar.
E o horror não é o inverso do belo
-é seu par. Os homens amam o belo
mas gostam do horror na arte. O horror
não é escuro, é a contraparte da luz.
Lúcifer é Lubel, brilha como Gabriel
e o terror seduz.
Nada mais sedutor
que Cristo morto na cruz.

Portanto, a guerra não é só missa
que oficia o padre, ciência
que alucina o sábio, esporte
que fascina o forte. A guerra é arte.
E com o ardor dos vanguardistas
frequentamos a bienal do horror
e inauguramos a Bauhaus da morte.

Por isso, em cima da carniça não há urubu,
chacais, abutres, hienas.
Há lindas garças de alumínio, serenas,
num eletrônico balé.

Talvez fosse a dança da morte, patética.
Não é . É apenas outra lição de estética.
Daí que os soldados modernos
são como médico e engenheiro
e nenhum ministro da guerra
usa roupa de açougueiro.

Guerra é guerra!
dizia o invasor violento
violentando a freira no convento
Guerra é guerra!
dizia a estátua do almirante
com a boca de cimento.
Guerra é guerra!
dizemos no radar
desgustando o inimigo
ao norte do paladar.

Não é preciso disfarçar
o amor à guerra, com história de amor à pátria
e defesa do lar. Amamos a guerra
e a paz, em bigamia exemplar.
Eu, poeta moderno ou o eterno Baudelaire
eu e você, hypocrite lecteur,
mon semblable, mon frère.
Queremos a batalha, aviões em chamas
navios afundando, o espetacular confronto.

De manhã abrimos vísceras de peixes
com a ponta das baionetas
e ao som da culinária trombeta
enfiamos adagas em nossos porcos
e requintamos de medalha
-os mortos sobre a mesa.

Se possível, a carne limpa, sem sangue.
Que o míssil silente lançado à distância
não respingue em nossa roupa.
Mas se for preciso um banho de sangue
-como dizia Terêncio:-sou humano
e nada do que é humano me é estranho.

A morte e a guerra
não mais me pegam ao acaso.
Inscrevo sua dupla efígie na pedra
como se o dado de minha sorte
já não rolasse ao azar,
como se passasse do branco
ao preto e ao branco retornasse
sem nunca me sombrear.
Que venha a guerra! Cruel. Total.
O atômico clarim e a gênese do fim.
Cauto, como convém aos sábios,
primeiro bradarei contra esse fato.
Mas, voraz como convém à espécie,
ao ver que invadem meus quintais,
das folhas da bananeira inventarei
a ideológica bandeira e explodirei
o corpo do inimigo antes que ataque.
E se ele não atirar primeiro, aproveito
seu descuido de homem fraco, invado sua casa
realizando minha fome milenar de canibal
rugindo sob a máscara de homem.

-Terrível é o teu discurso, poeta!
Escuto alguém falar.
Terrível o foi elaborar.
Agora me sinto livre.
A morte e a guerra
já não podem me alarmar.
Como Édipo perplexo
decifrei-a em minhas vísceras
antes que a dúbia esfinge
pudesse me devorar.

Nem cínico nem triste. Animal
humano, vou em marcha, danças, preces
para o grande carnaval.
Soldado, penitente, poeta
-a paz e a guerra, a vida e a morte
me aguardam
- num atômico funeral.

-Acabará a espécie humana sobre a Terra?
Não. Hão de sobrar um novo Adão e Eva
a refazer o amor, e dois irmão:
-Caim e Abel
-a reinventar a guerra.

Affonso Romano de Sant´Anna, poeta brasileiro.

 

Submited by

domingo, janeiro 22, 2012 - 11:13

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 38 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Meditação Resíduo (Carlos Drummond de Andrade) 0 997 10/31/2011 - 23:51 Português
Poesia/Pensamentos Enfrentar a adversidade da doença inesperada 0 4.295 10/31/2011 - 23:49 Português
Poesia/Meditação Demian - Introdução (Hermann Hesse) 0 4.763 10/31/2011 - 23:46 Português
Poesia/Dedicado O último suspiro 0 2.907 10/30/2011 - 22:24 Português
Poesia/Aforismo Agora ar é ar e coisa é coisa: traço (Cummings) 0 6.887 10/28/2011 - 12:04 Português
Poesia/Amor Carrego o teu coração comigo (Cummings) 0 1.699 10/28/2011 - 11:36 Português
Poesia/Amor Em algum lugar que eu nunca estive (Cummings) 0 5.294 10/28/2011 - 11:34 Português
Poesia/Meditação As Boas Ações (Bertolt Brecht) 0 2.644 10/20/2011 - 12:02 Português
Poesia/Dedicado A minha mãe (Bertolt Brecht) 0 7.371 10/20/2011 - 11:58 Português
Poesia/Pensamentos A exceção e a regra (Bertolt Brecht) 0 6.634 10/20/2011 - 11:55 Português
Poesia/Meditação Harmonia 0 2.963 10/16/2011 - 09:56 Português
Poesia/Meditação Aquele sorriso foi um bálsamo 0 2.175 10/16/2011 - 09:42 Português
Poesia/Dedicado A Música (Gibran K. Gibran) 0 1.868 10/13/2011 - 21:50 Português
Poesia/Meditação Uma vez, enchi a mão de bruma (Gibran Khalil Gibran) 0 1.995 10/13/2011 - 21:46 Português
Poesia/Meditação Amai-vos um ao outro (Gibran K. Gibran) 0 1.879 10/13/2011 - 21:43 Português
Videos/Música Until the last moment (Yanni) 0 3.088 10/11/2011 - 11:45 Português
Videos/Música Sweep Away, Live at Acropolis (Yanni) 0 3.657 10/11/2011 - 11:20 Português
Videos/Música Keys of imagination (Yanni) 0 2.999 10/11/2011 - 11:01 Português
Videos/Música You Raise Me Up (Josh Groban with African Children Choir) 0 7.380 10/10/2011 - 22:17 inglês
Videos/Música Ave Maria (Soweto Gospel Choir) 0 5.453 10/10/2011 - 22:08 inglês
Videos/Música Khumbaya (Soweto Gospel Choir) 0 4.304 10/10/2011 - 22:06 inglês
Videos/Música Nkosi Sikelel'iAfrika (Soweto Gospel Choir Blessed in Concert) 0 6.016 10/10/2011 - 22:00 inglês
Videos/Música Amazing Grace (U2 & Soweto Gospel Choir) 0 7.014 10/10/2011 - 21:57 inglês
Poesia/Poetrix Crepúsculo 0 1.226 10/10/2011 - 21:23 Português
Poesia/Intervenção O amanhã sempre chega... 0 2.384 10/10/2011 - 21:20 Português