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Óperas, guia para Iniciantes - O ANEL dos NIBELUNGOS - Ciclo completo com as quatro: 1. O Ouro do Reno; 2. A Valquiria; 3. Siegfried e 4. O Crepúsculo dos Deuses. Richard Wagner
Apresentação
Como já se disse alhures, Wagner sempre assumiu, além da parte musical, a autoria dos libretos de suas óperas.
Valendo-se de sua genialidade, também no campo literário, ele produziu obras de altíssima qualidade, como se poderá apreciar nesse ciclo de três óperas e um prólogo.
São textos que recontam antigas lendas nórdicas e germânicas acerca da epopeia vivida pelos “deuses” em consequência da maldição que lhes foi lançada após o ouro do rio Reno ter sido roubado, não obstante as advertências lamentosas que as míticas “donzelas do rio” fizeram na ocasião.
Wagner iniciou esse ciclo em 1848, sem pretender que ele tivesse os desdobramentos que teve. Inicialmente criou o poema sobre a morte de Siegfried (que acabou se transformando em Ópera) e como achou que lhe faltava algo criou “O jovem Siegfried” para relatar as peripécias do personagem, dando ao público uma visão mais precisa sobre a vida do herói semidivino. Depois, voltou a sentir que faltava mais alguma coisa em seu trabalho e criou “A Valquiria”, para contar a origem do jovem e os fatos e circunstâncias que formatavam o mundo em que ele viveu.
Posteriormente, no término da obra, voltou a ser assaltado pelo mesmo sentimento e compôs “O ouro do Reno”, contando as vicissitudes anteriores à maldição imposta aos deuses. Aqui, ele mostra a ambição de Wotan e o seu sonho megalomaníaco de construir Wahalla (o equivalente ao Olimpo grego) e outros comportamentos, nem sempre elogiáveis, do panteão nórdico e germânico.
Por fim, estando em paz com os fatos precedentes, ele voltou-se para o final definitivo e escreveu “O Crepúsculo dos Deuses”, onde pontifica a destruição das divindades, o fim de Wahalla etc.
Um duro labor que lhe custou quatro anos de intensa atividade literária e poética. Iniciado em 1848, apenas em 1852 o edifício estava definitivamente construído. Maravilhosamente construído, diga-se.
Era, então, chegada a hora de criar a parte melódica. Porém, o trabalho iniciado no princípio de 1853, com as árias e instrumentações de “O ouro do Reno”, sofreu várias interrupções, mantendo-se em ritmo irregular. Houve, inclusive, um longo intervalo de doze anos, nos quais o maestro compôs “Os mestres cantores de Nuremberg” e “Tristão e Isolda”.
Enfim, o ciclo foi concluído e foi encenado primeiramente em agosto de 1876, no Teatro dos Festivais de Wagner, em Bayreuth, Baviera, Alemanha. Desde então, é uma das obras-primas do gênero.
Na sequência, publicaremos os Ensaios sobre as quatro óperas.
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O Ouro do Reno
Ao contrário do habitual, essa Ópera não é dividida em atos, sendo as suas quatro cenas separadas apenas por interlúdios orquestrais.
Personagens
Wotan – o rei dos deuses, interpretado por um Baixo.
Donner – deus do trovão, idem.
Froh – deus da juventude, interpretado por um Tenor.
Loge – deus do fogo, idem.
Alberich – anão da raça Nibelung, interpretado por um Baixo.
Mime – irmão de Alberich, interpretado por um Tenor.
Fasolt – um dos gigantes, interpretado por um Baixo.
Fafner – outro dos gigantes, idem.
Fricka – mulher de Wotan e deusa do casamento e do lar, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Fréia – deusa da juventude, interpretada por uma Soprano.
Erda – deusa da sabedoria, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Woglinde – uma das “donzelas do Reno”, interpretada por uma Soprano.
Wellgunde – idem, idem.
Flosshilde – idem, interpretada por uma Mezzo Soprano.
Enredo
O palco é iluminado de modo a representar com cores fantasmagóricas o fundo do majestoso rio Reno. O enfraquecido tom azul-esverdeado permite à plateia o vislumbre de imensas pedras acomodadas no úmido leito e as silhuetas de três jovens ninfas que nadam ludicamente entre elas, esbanjando graça e beleza. São as “donzelas do Reno” a quem cabe guardar o mágico ouro que ali se deposita.
Noutro ponto do cenário, avista-se a representação de uma grande rocha às margens do curso d´água. Sobre ela, contrastando com a graciosidade das ninfas, avista-se a figura bizarra de Alberich, um anão da raça Nibelung, que a despeito de sua aparência repulsiva, insiste em cortejar as donzelas, ora roubando um beijo de uma, ora gracejando com outra etc. A sua insistência, porém, não é bem sucedida, pois elas o tratam apenas como um reles paspalhão, zombando de sua imperfeição, de seus modos rudes, de sua falta de fineza e de seus outros defeitos.
Em dado momento, a luz do Sol faz surgir no fundo do rio uma luz rósea que simboliza o fulgor do tesouro ali contido. Sempre ávido e cobiçoso, Alberich nota instantaneamente o brilho e como sabe da riqueza que ali repousa, questiona as ninfas sobre o célebre “ouro do Reno”.
As jovens são cuidadosas e responsáveis, mas por um breve lapso e sem atentar para a extensão do mal que poderão causar, acabam por revelar todos os mistérios daquele sitio. Contam-lhe, inclusive, que o homem que conseguir apoderar-se de, no mínimo, um anel daquele ouro, tornar-se-á tão poderoso que nem mesmo os deuses poderão impedir que ele faça o que desejar. Porém, para gozar desse poder sem limites, o indivíduo deverá renunciar em definitivo ao amor. Esse é o preço a pagar.
Ora, para o anão Nibelungo esse preço nada significa, vez que ele nunca foi amado e nem tem capacidade para amar. Assim, sem qualquer dúvida, proclama em alto e bom som a sua renúncia definitiva a qualquer tipo de afeto, corre até o esconderijo do mítico metal e se apodera do mesmo, fugindo em seguida entre risos zombeteiros e urros de júbilo.
Nesse momento as luzes são apagadas e o cenário é envolto por uma sombra densa de onde se escuta o doloroso lamento das “donzelas do Reno” que falharam em sua missão de proteger o tesouro mágico. O sacrilégio aconteceu e as consequências serão terríveis.
É o fim da primeira cena.
Então, a orquestra executa o primeiro interlúdio musical que separa as cenas enquanto o cenário é modificado, passando a ser a representação de um firmamento carregado de pesadas e sombrias nuvens. Alguns instantes depois, uma nova transformação acontece e se vê a representação de um céu límpido e claro e o imponente pico de uma alta montanha. Ao fundo, noutro pico bem mais alto, avista-se um brilhante castelo reluzindo à luz do Sol nascente.
Surgem no proscênio, Wotan e Fricka, o rei dos deuses e sua mulher, a deusa do lar e do casamento.
Ambos dormem sobre um belo e pequeno monte e só quando a iluminação do cenário atinge o máximo, em perfeita simulação do dia nascido, é que despertam. Logo em seguida, passam a admirar o suntuoso Palácio que Wotan fez construir, através dos gigantes Fasolt e Fafner.
A imensa ambição do “rei dos deuses” é proverbial, bem como o seu gosto pela ostentação desmedida; e foi para atender a essas fraquezas que ele mandou erguer tal construção, alegando que ela deveria ser compatível com a inexcedível importância dos deuses. Não mediu recursos, esforços e tampouco as consequências para levantar Wahalla, a morada dos deuses.
E o seu perdularismo levou-o a envolver até membros da família real, vez que ele prometeu aos gigantes construtores a mão de sua cunhada, Fréia, “deusa do amor e da juventude”, tão logo eles terminassem a vivenda divina.
Porém, Fricka, a sua esposa e irmã de Fréia, nem pode imaginar vê-la casada com aqueles tipos e exasperada exige que ele não leve adiante aquele plano tão funesto. Exige que ele proteja a irmã daquele destino cruel, mesmo que para tanto, ele tenha que oferecer alguma outra recompensa equivalente.
Instantes depois, a própria deusa Fréia o procura e implora que ele a guarde dos brutamontes. Contudo, Wotan sabe que será quase impossível não cumprir com o que prometeu à dupla.
A aproximação dos gigantes, anunciada pelo som de seus pesados passos, deixa-o agitado e nervoso e, de fato, Fasolt e Fafner mostram-se muito contrariados logo que sabem da pretendida mudança no pagamento e apanham com brutalidade a bela deusa do amor que lhes fora prometida.
Os irmãos de Fréia, Froh, deus da juventude e Donner, deus do trovão, atacam os gigantes e a luta só não acontece porque Wotan ergue a sua lança e proíbe o duelo.
É um momento de suspense, impasse, com muitas ameaças e muitos insultos e apenas com a chegada de um novo personagem é que alguma calma volta a reinar. Trata-se do sábio deus do fogo, Loge, que propõe que Fréia seja substituída por algo tão valioso que os gigantes ficaram até gratos pela troca.
Convencidos pela reputação do deus e, principalmente, pela ambição que também os deixa cegos, eles concordam, mas levam a deusa consigo até que o pagamento aconteça.
A oportuna chegada do deus Loge não foi por uma feliz coincidência; tampouco foi aleatória a proposta que fez, pois como havia sido ele quem convencera Wotan a contratar os gigantes, sentiu-se na obrigação de resolver o impasse. Agora, cabe-lhe cumprir a determinação do rei dos deuses e encontrar algo que satisfaça aos construtores.
Dessa sorte, ele parte em peregrinação imaginando que para os homens nada é mais valioso que a juventude, a beleza e o amor; porém, como soube que o anão Alberich não hesitou em renunciar a esses valores para conseguir os favores do ouro e do poder ilimitado, não lhe é difícil concluir que, em verdade, esses últimos são ainda mais cobiçados por todos.
Assim, voltando ao reino dos deuses, ele relata os fatos aos gigantes Fasolt e Fafner, que após uma rápida confabulação declaram a sua disposição em trocar a deusa Fréia pelo poder de Alberich. Eles a libertarão tão logo o “Anel dos Nibelungos” esteja em sua posse.
Tudo acertado, os brutamontes levam a jovem deidade para o seu próprio castelo e, então, um nefasto acontecimento se verifica, já que a ausência da divindade do amor e da beleza permite que as sombras avancem sobre toda a cena, deixando todos os deuses visivelmente mais velhos e alquebrados. Sendo a “deusa da juventude”, o seu afastamento libera a entrada da senilidade que é inexorável para os mortais, mas, até então, desconhecida em Wahalla.
Os deuses gemem de espanto e de amargura ao sentirem que envelheceram e que estão perdendo os seus poderes. Ante tal desespero, Wotan sente-se mais pressionado a agir imediatamente e decide incursionar pelas terras dos Nibelungos para resgatar o “Anel Mágico” e com ele libertar a deusa, que lhes devolverá a juventude e os poderes.
Acompanhado pelo deus do fogo, Loge, adentra as profundezas da Terra.
E, assim, encerra-se a segunda cena.
Enquanto a orquestra executa outro interlúdio musical, o palco se cobre de espessa fumaça, numa esplêndida representação do mundo subterrâneo e das cavernas de Nibelheim, a terra dos anões Nibelungos.
À medida que avançam, Wotan e Loge escutam o som de martelos sobre as bigornas e isso lhes indica que estão próximos das oficinas onde trabalham os habitantes do lugar, sob as ordens de Alberich, cujo mau caráter só aumentou com o poder que passou a desfrutar. Sente um indecente e sádico prazer em ser um tirano cruel.
Aos poucos a fumaça vai diminuindo e a partir de certo ponto desaparece completamente, permitindo que se veja a oficina.
Alberich havia ordenado que lhe forjassem o Anel Mágico com o ouro que roubou do Reno; e graças ao seu excelente dom de ferreiro, o seu irmão, Mime, fez-lhe uma belíssima joia e um “Elmo Mágico”, batizado de “Tarnhelm”, cujo poder de transformar quem o use em qualquer coisa, torna-o valiosíssimo.
Ademais, Mime (tão torturado quanto os demais por Alberich) e os outros anões são obrigados a minerar continuamente, pois a cobiça de Alberich não tem fim; bem como, aliás, a sua perversidade, como bem soube o infeliz irmão, que ao lhe pedir para ficar com “Elmo Mágico”, tomou tamanha surra que ficou severamente machucado e traumatizado.
Entrementes, os deuses prosseguem em sua descida e após atravessarem a última fenda na rocha, adentram na caverna. Ao vê-los, Alberich não esconde o seu desprazer e logo proclama que se vingará dos deuses por todas as humilhações que antes passou, haja vista que, agora, o Poder lhe pertence.
Wotan, desabituado a ouvir insolências, brande a sua poderosa lança em direção ao abusado anão, mas Loge o contém, pois sabe que o poderio de que Alberich desfruta é real e aconselha ao rei dos deuses a agir com mais prudência e tolerância, enquanto estuda uma maneira de se apoderar do fabuloso Anel.
Após alguns instantes, Loge inicia o seu plano maquiavélico, começando por fazer grandes elogios ao anão ditador, que, envaidecido, abocanha a armadilha sem perceber. Aproveitando-se da soberba do inimigo, o deus do fogo o provoca, dizendo duvidar que ele tenha, realmente, tanto poder quanto diz ter. Alberich retruca com arrogância e diz que se Loge quer uma amostra, ela a dará. O ardiloso “deus do fogo” responde que sim e lhe pede para que se transforme em um reles sapo.
Tola e rapidamente o anão se transforma no batráquio e, ainda mais rápido, Wotan pisa sobre ele enquanto Loge o segura firmemente. Depois, ainda transformado, os deuses o amarram e o levam para a entrada da caverna.
É o final da terceira cena.
Após o interlúdio musical, a quarta cena é iniciada no mesmo cenário, isto é, a entrada da caverna.
Ao chegarem à superfície, os deuses zombam da ira de seu prisioneiro e ordenam-lhe que devolva o ouro roubado.
Alberich está possesso, mas nada pode fazer senão usar o seu poder para fazer com seus escravos tragam o ouro acumulado. Assim, surgem vários anões trazendo o rico tesouro. Alberich, desesperado, percebe, então, que irão tomar-lhe, também, o Elmo mágico, Tarnhelm, e implora que Wotan lhe deixe ao menos essa peça, mas o Rei dos deuses nega e ainda ordena que ele também entregue o Anel Mágico.
Alberich sente-se duplamente irado, pois julgava ser possível enganar aos seus captores através do Anel, com o qual, depois, reaveria o tesouro que ora lhe furtam. Desesperado, ele se debate e se nega a entregar a joia, mesmo que isto lhe custe a vida. Porém, seus esforços são inúteis, pois Wotan não lhe dá atenção e simplesmente arranca o Anel de sua mão.
Então, no auge de seu ódio, Alberich lança a maldição que dará origem às tragédias que serão contadas adiante. Literalmente proclama: “Que este anel traga angústia e morte a todos que o possuírem, inveja aos que não o tiverem, até que retorne à posse de seus legítimos donos, os Nibelungos”.
Findo o seu discurso, o ex-tirano dos anões deixa a cena, na qual adentram os gigantes Fafner e Fasolt em busca do pagamento prometido por Wotan, em troca da deusa Fréia, que os acompanha.
A simples presença da “deusa da juventude” é suficiente para devolver a mocidade e o vigor aos deuses; e os gigantes, ao verem a importância da mesma, passam a exigir mais para soltá-la. Querem, agora, que Wotan lhes entregue todo o ouro tomado dos anões.
Apesar de sua conhecida cobiça, Wotan não retruca e lhes cede o rico metal. Os raptores de Fréia, ante a tranquila aceitação do Rei dos deuses desconfiam de algum truque e dizem que só estarão satisfeitos se aquele ouro for suficiente para recobrir a sua refém até que não se possa mais vê-la. Então, começam a empilhar o tesouro em frente da deidade, mas como falta uma pequena quantidade para que a obstrução seja total, eles exigem o Elmo para cobrir a falha. Após a colocação do Tarnhelm, Fasolt ainda percebe um pequeno vão à altura dos olhos de Fréia e exige que Wotan lhes dê, também, o Anel Mágico. Porém, agora, o soberano de Wahalla recusa com veemência e o impasse se estabelece, com os gigantes ameaçando não devolver a deusa.
Nesse momento as luzes são apagadas e a cena mergulha em pesada escuridão, cuja única exceção é uma luz central que ilumina a aparição de Erda, o ancestral “Espírito da Terra”, cujo poder de ver o Passado e o Futuro permite-lhe prever a próxima, inevitável e catastrófica derrocada dos deuses.
Um vaticínio terrível, que vem acompanhado da advertência à Wotan de que o seu poder está no fim, devendo entregar o Anel aos gigantes para tentar escapar da maldição lançada por Alberich.
E tão inesperadamente quanto surgiu, Erda desaparece. A claridade volta a iluminar a cena e é possível ver a angústia de Wotan e a sua preocupação com o destino de panteão.
Assim, convencido da inutilidade de lutar pelo Anel, ele o atira para os gigantes, que não escondem a alegria em recebê-lo, enquanto se preparam para partir. Contudo, antes de seguirem, a maldição do anão começa a atuar sobre ambos e a cobiça de cada qual faz com que briguem violentamente até que Fafner assassina Fasolt, à vista de todos, e tome posse do incalculável tesouro.
Wotan e sua corte seguem para o Palácio de Wahalla, que se torna visível após o deus do trovão, Donner, desprender de seu poderoso martelo um relâmpago que desfaz o nevoeiro que encobria a fantástica “morada dos deuses”, situada num vale esplêndido e, agora, recoberta por um arco-íris que leva à sua entrada.
Enquanto os deuses caminham sobre esse colorido caminho, eleva-se do vale o lamento angustiado das “Donzelas do Reno”, ainda inconformadas com o roubo do ouro sagrado. Temeroso e arrependido por sua avidez, Wotan sente-se diretamente atingido por aquelas lamúrias e ordena que Loge as silencie.
Nesse momento, a orquestra executa a vigorosa melodia “A Entrada dos Deuses em Wahalla”. Do lado de fora fica apenas o “deus do fogo”, que planeja sobreviver à ruína que se abaterá sobre o Palácio.
É o fim da Ópera.
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A Valquiria
A Ópera anterior termina com Wotan e sua corte adentrando o Wahalla, aparentemente resignado com o próprio fim.
Porém, essa conformidade é apenas aparente, pois o “Rei dos Deuses” deseja ardentemente reaver o restante do ouro furtado para devolvê-lo às “donzelas do Reno” e com isso, talvez, reverter a sombria profecia que Erda havia feito acerto de seu fim.
Para tanto, ele planeja criar uma raça de semideuses, dotados de força e coragem sobrenaturais, da qual haverá de nascer um verdadeiro “herói” que será capaz de vencer em definitivo ao anão Alberich e, assim, anular a maldição que o mesmo lhe lançou.
Dessa sorte, para executar o seu plano, desce a Terra sob o pseudônimo de Wolfe ou Walse e se casa com uma mulher mortal, que lhe dá vários filhos e filhas. São crianças que desde a tenra idade revelam a sua natureza semidivina, formando uma nova estirpe a que se deu o nome de “Walsungs”.
Dentre tais crianças extraordinárias, destacam-se o menino Siegmund e a garota Sieglinde, que foram submetidos a duros exercícios e testes e se mostraram possuidores de grandes virtudes e de caracteres forjados na mais rija têmpera.
Além disso, sabendo que Alberich tudo fará para tirar de Fafner o “Anel Mágico” e destruir os deuses, Wotan incumbe as suas filhas, as Valquírias (geradas com Erda, a deusa da sabedoria), de percorrerem os campos de batalha e recolherem os corpos dos herois mortos, aos quais ele ressuscitará e proporá uma nova vida, desde que eles se comprometam a defender Wahalla de toda ameaça. É uma sábia providência, pois assim construirá um poderoso exército, formado apenas por grandes guerreiros que lhes serão eternamente gratos.
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Velhos e novos personagens que Wagner incorpora à trama e que fazem a sequência desse drama esplêndido.
Personagens
Brunhilde – filha de Wotan e a mais importante das Valquírias. Interpretada por uma Soprano.
Wotan – o rei dos deuses. Interpretado por um Baixo.
Siegmund – o pai de Siegfried. Interpretado por um Tenor.
Sieglinde – a mãe de Siegfried. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Hunding – interpretado por um Baixo.
Fricka – interpretada por uma Mezzo Soprano.
Gerhilde – uma das Valquírias. Interpretada por uma Soprano.
Waltraute – idem. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Schwertleite – idem. Interpretada por uma Contralto.
Helmwige – idem. Interpretada por uma Soprano.
Grimgerde – idem. Interpretada por uma Contralto.
Rossweisse – idem. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Enredo
O primeiro ato é encenado na reprodução de uma casa primitiva, simples, rodeada por uma árvore gigantesca. O interior é composto por uma lareira, por um canapé forrado com peles de animais selvagens, por uma mesa central e por toscos bancos de madeira.
Uma violenta tempestade desaba sobre o lugar.
De súbito a porta é aberta com um grande estrondo e por ela entra atabalhoadamente um jovem louro. Exausto pelas andanças na floresta encharcada, o homem joga-se sobre o canapé e com o calor da lareira adormece rapidamente.
Alguns instantes depois, a tempestade diminui e de outro aposento surge uma mulher, igualmente loura, que se assusta com a presença do desconhecido adormecido. Aturdida ela o vê despertar e, também, assustar-se com a sua presença, como se a casa fosse sua e não dela.
Mais alguns instantes se passam e o mútuo assombro inicial cede lugar para uma simpatia espontânea entre ambos. Ofertando-lhe uma xícara de chá ela rompe o silêncio e ele conta que esteve enfrentando alguns inimigos que tentavam raptar as mulheres de sua tribo, até que a sua espada quebrou e ele teve que fugir da batalha.
Após ouvir-lhe, ela se apresenta como Sieglinde, esposa de Hunding. Ele se apresenta como Siegmund e acrescenta que logo irá embora, pois como sofre desde a primeira infância, não deseja que a sua má sorte cause alguma desgraça àquele lar que o acolheu.
A sinceridade do jovem a comove e ela lhe diz que não há necessidade de se apressar, nem de temer infortúnios, pois a tristeza e a amargura já estão em sua vida desde sempre.
E mais ela diria acerca de suas amarguras se nesse instante não entrasse o esposo Hunding, que, com olhar severo, inspeciona o hóspede inesperado.
Embora aquela visita lhe deixe visivelmente contrariado, Hunding está preso pelas normas da hospitalidade e, assim, não lhe resta alternativa que não seja oferecer comida e pernoite para Siegmund. Porém, durante o repasto, indaga-lhe a identidade e a origem e ao ouvir que ele vivia na floresta com o pai, mãe e irmã até que em certo dia, ao regressarem da caça, encontram a casa destruída, a mãe assassinada e a irmã raptada; tem a confirmação de que se trata de um inimigo de seu povo e que deverá ser eliminado o quanto antes.
E a sua ira e rancor contra Siegmund não amaina nem quando o jovem relata a dor que experimentou ao ver aquela cena terrível e de quanto ele e o pai sofreram ao buscarem a menina e a justa vingança contra os malfeitores que destruíram a sua família. E não lhe toca o coração à continuação do relato que o hóspede faz, ao dizer que um dia o próprio pai também desapareceu e que, desde então, ele está completamente sozinho no mundo.
Pouco lhe interessa as suas desventuras e matá-lo é o único pensamento que ocupa a sua mente.
Sieglinde, ao contrário, ouve a história fascinada e comovida, enquanto sente certo estremecimento ao sentir que aquele relato desperta-lhe confusas imagens subconscientes. Sem saber explicar racionalmente, ela sente ter parte naquela narrativa.
Ao término da refeição, Hunding reafirma o convite para que Siegmund pernoite em sua casa, mas antes que ele possa agradecer, avisa-o para que se prepare para enfrentar um desafio mortal, assim que amanhecer.
Embora não mencione explicitamente que haverá um duelo entre ambos, não é difícil para o forasteiro compreender que é disso de que se trata a ameaça. E que está numa situação terrível, já que está completamente desarmado e, portanto, sem a menor condição para se defender.
Assim, quando Hunding pede à mulher que lhe prepare a bebida habitual e depois se recolhem no quarto, toda a aflição que sente pode ser silenciosamente externada. Acomodado no canapé que lhe foi destinado, ele não consegue ter um só momento de descanso, sem saber como poderá se safar daquela situação? Como poderá, desarmado, enfrentar o temível anfitrião?
A noite custa a passar e Siegmund rola na cama sem conseguir dormir. O turbilhão em sua alma impede que tenha paz. Por fim, a sua memória traz-lhe algum conforto ao lembrá-lo da promessa feita por seu pai de que uma “poderosa espada” viria em seu socorro nos momentos mais difíceis. Uma arma invencível ser-lhe-ia confiada.
Junto com a recordação, surge uma chama mais intensa na lareira e a claridade que ela expande mostra uma grande espada, presa ao pé da árvore que sustenta a casa, mas Siegmund não a percebe e a chama volta a diminuir.
Pouco depois, silenciosamente Sieglinde aproxima-se de sua cama e lhe diz que colocou sonífero na bebida do marido e que, portanto, ele tem tempo para fugir. Porém, para o herói, a fuga é um ato execrável e não obstante os apelos da mulher ele se mantém firme na disposição de enfrentar o duelo.
Ela, vendo-o irredutível, desiste de seu plano e, então, um por um golpe do destino, avista a espada enterrada na árvore e a mostra ao jovem destemido, contando-lhe que o seu casamento com Hunding fora forçado por seus captores e que no dia da cerimônia algo estranho aconteceu: um velho homem, de cenho coberto, cravou aquela espada no tronco e desapareceu logo em seguida. Hunding e vários outros homens fortíssimos tentaram mover a arma, mas nenhum conseguiu* e desde então, ali ficou.
Siegmund a cada minuto mais se convence de que aquela é a “Espada Sagrada” de que lhe falava o pai e o ânimo se revigora em seu peito. Num ímpeto, abraça Sieglinde e vendo que um belo luar substituiu a tempestade, entoa a célebre ária “Canção da Primavera”.
Arrebatada pelo entusiasmo dele, ela proclama: sim! Aquela é “Espada Sagrada” que lhe estava destinada! E um turbilhão de emoções lhe aflora, junto com as recordações que estavam aprisionadas em seu subconsciente. Sim, ela o reconhece como o seu querido irmão; assim como reconhece, que o homem misterioso que esteve em suas núpcias e cravou a espada na árvore era o pai de ambos. Era Wolf (Wolse), o grande patriarca dos Walsungs.
Siegmund não consegue conter o seu próprio entusiasmo e com incrível facilidade arranca a Espada da árvore e a batiza de “Nottung (necessária)”. Em seguida, abraça a irmã e ambos fogem pela mata.
É o fim do primeiro ato.
§§§
O cenário do segundo ato reproduz o solo áspero de uma montanha. Uma paisagem rochosa e sem encantos.
Logo no início surge Brunhilde, a Valquíria predileta de seu pai, Wotan.
Trajada e armada como audaz guerreira, ela lança seu grito de guerra conclamando suas irmãs (as Valquírias, filhas de Wotan e de Erda, a deusa da sabedoria) a lutarem em defesa de Walhalla, a morada dos deuses.
Logo após surge o “rei dos deuses” e, novamente, o assunto entre pai e filha gira em torno do roubo do ouro do rio Reno e da maldição lançada por Alberich contra quem possuir o tesouro; o quê, no caso, significa os próprios deuses, já que eles ficaram com a fortuna, após a terem tomado do anão Nibelungo.
Em seguida, Wotan diz à filha que doravante a sua missão será defender o jovem Siegmund, da raça semidivina dos Walsungs, que está prestes a duelar contra Hunding, pois, nele repousa a maior esperança de salvação para o panteão divino. Assim, ao defendê-lo, Brunhilde estará defendendo a si própria e aos seus.
A bela Valquíria ouve a argumentação do pai e se prepara para partir, mas é obstada pela chegada de Fricka, mulher de Wotan e “deusa do lar e do casamento” que, justamente por isso, não pode concordar com a determinação do marido, vez que ela, naturalmente, é contrária à dissolução de qualquer matrimônio e/ou lar, mesmo que o casamento seja espúrio e infeliz, como o de Sieglinde e Hunding.
Afinal, pondera, se ela concordasse com esses rompimentos, como os mortais poderiam confiar nas orientações de uma deusa que se contradiz? Seria a ruína total para ela e, por extensão, para todos os deuses, haja vista que eles só existem enquanto alguém acreditar em suas existências.
Wotan acha-se em um terrível impasse, pois sabe que Fricka está correta, mas, por outro lado, sabe que se Siegmund morrer no duelo, será o fim da esperança de salvar-se da temida maldição.
Após refletir brevemente, ele vê que a argumentação da esposa é racional, sólida e inelutável e, assim, promete-lhe que mudará as ordens que dera a Brunhilde, que passará, então, a proteger Hunding, apesar de sua canalhice.
À Valquíria não cabe questionar, mas ela percebe na expressão do pai um abatimento, uma aflição e um temor que, até então, nem sonhara existir. Valendo-se de sua primogenitura e do afeto que o pai lhe dispensa, ela quebra o protocolo familiar e indaga-lhe o motivo de tanta amargura e tristeza.
Amargurado, ele confessa ter sucumbido à cobiça extrema ao mandar erguer Walhalla e conta do roubo do ouro do Reno e da maldição que Alberich lançou-lhes por ter terem furtado o seu “Anel mágico”. Também lhe fala de seu plano de utilizar-se de Siegmund, que graças à sua natureza semidivina seria a derradeira esperança para a salvação dos deuses etc. Por fim, diz da alteração nos planos em face da intervenção de Fricka e de como isso encerra a sua esperança.
São confissões amargas e, também, aterradoras. Brunhilde pede-lhe que a deixe proteger a Siegmund a despeito da opinião de Fricka, mas ele se mantém firme e diz que a sua promessa não pode ser quebrada.
Nesse instante, antes de Wotan partir e deixar Brunhilde sozinha, ambos veem que na base da montanha os contendores já iniciaram a penosa escalada.
No caminho, Siegmund carrega Sieglinde nos braços, que, em prantos, demonstra o paroxismo de sua tensão, a qual chega até a atrapalhar a marcha do casal.
Exausto, em certo trecho, ele a coloca em uma rocha para descansar, esperando que a sua histeria encontre algum alivio com o repouso.
Nesse momento as luzes vão diminuindo até que todo o palco seja tomado pela penumbra. De repente, um facho de luz ilumina a figura fantasmagórica de Brunhilde que estaca à frente de Siegmund.
Sem demonstrar medo ou surpresa, o jovem herói pergunta-lhe a identidade e o que deseja? A Valquíria responde que apenas os homens que morrerão em combate é que conseguem vê-a e que, portanto, ela veio oferecer-lhe um lugar em Walhalla, após o seu passamento, onde ele gozara de mil delicias e viverá eternamente.
Siegmund pergunta-lhe se ele poderá levar Sieglinde consigo e ante a negativa de Brunhilde ele declina do convite dizendo que não pode ir aonde a sua irmã não seja aceita, pois ele nunca a abandonaria.
Seu amor e cuidado fraternal e a sua coragem sensibilizam o coração da Valquíria, que passa a cogitar desobedecer ao seu pai Wotan e protegê-lo durante o duelo. Será uma desobediência inédita, mas ela acredita na correção de sua escolha e na compreensão paterna. E tão repentinamente quanto veio, volta para seu manto de invisibilidade.
Entrementes, as luzes que haviam voltado à carga máxima recomeçam a diminuir, mas dessa vez para simbolizar a proximidade da noite, cujo silêncio é quebrado pelo som, cada vez mais próximo, da trompa de Hunding.
Por fim, os inimigos estão frente a frente e o vigor dos golpes que trocam produz brilhantes clarões que permitem ao público vislumbrar a ferocidade do duelo. Ao fundo, o ribombar dos trovões acentua o clima de violência extrema.
Brunhilde tudo faz para proteger Siegmund, mas, de chofre, a aparição de uma potente luz vermelha indica a chegada de Wotan, que logo percebe que o duelo está sendo vencido por Siegmund (tanto por méritos próprios quanto pela ajuda da Valquíria) e, sem opção, arremessa a sua lança sobre a espada do jovem Walsung, reduzindo-a a pequenos pedaços.
Novamente Siegmund se vê desarmado e à mercê do oponente, que não vacila em lhe trespassar o coração. A morte do amado filho semideus causa uma enorme tristeza em Wotan, que, como para se vingar, mata Hunding sem qualquer cerimônia.
Nisso, Brunhilde corre ao encontro de Sieglinde e levando-a nos braços foge apressada, pois sabe que Wotan estará à sua procura para castigar-lhe pela desobediência.
É o fim do terceiro ato.
§§§
O terceiro ato é encenado na representação dos altos montes que servem de ponto de encontro para as Valquírias. Nesse trecho da Ópera acontece um dos ápices melódicos de Wagner, quando a orquestra executa a célebre “Cavalgada das Valquírias”.
Entre pesadas nuvens movediças, representando que a ação se passa no firmamento, as Valquírias, urram selvagens gritos de alegria, enquanto cumprem a pesada missão de transportar dos campos de batalha para o Palácio de Wahalla os herois tombados em combate, nas diversas partes do mundo.
Todas estão em cena, exceto Brunhilde, cuja chegada causa estranheza por não estar trazendo um herói, mas, sim, uma mulher e ainda viva.
Passado o espanto inicial, ela apresenta-lhe Sieglinde e relata às irmãs a luta entre Siegmund e Hunding e a ira que se apossou de Wotan em razão de sua desobediência. São noticias que causam uma grande agitação e aflição, já que todas temem pela sorte da primogênita.
Enquanto isso, Sieglinde reafirma o seu desejo de morrer, já que sobreviver a Siegmund tornou-se um pesado fardo sem sentido. Tornou-se um enorme castigo. Brunhilde implora que tire tais ideias da mente, pois a ela está reservada a missão de gerar o super-herói que haverá de resgatar a grandeza dos deuses. Essa informação cala fundo em sua alma e seu estado de ânimo muda completamente. Então, ela diz estar pronta a tudo suportar para cumprir o seu destino. E que tudo fará para estar à altura do acontecimento.
As Valquírias sugerem que se esconda em uma caverna na floresta, cuja proximidade com o covil que abriga Fafner, transfigurado em dragão, impede a aproximação de Wotan. Que lá ela fique até que nasça o seu filho.
Sieglinde prepara-se para partir, mas antes que saia, Brunhilde entrega-lhe os pedaços da espada que Siegmund utilizou e que foi quebrada por Wotan. Pede-lhe que os guarde para que quando o seu filho crescer, ele possa refundi-la e utilizá-la para vencer a todos os inimigos.
Logo depois, raios luminosos e os acordes impetuosos da orquestra indicam a chegada do “rei dos deuses” que busca por Brunhilde, a quem as irmãs tentam inutilmente esconder.
Imperiosamente ele ordena que ela se apresente e a predileta das Valquírias, corajosamente, coloca-se à sua frente e se ajoelha aos seus pés, pedindo-lhe perdão, pois acha que o seu erro não tenha sido tão grande que não possa ser perdoado.
Ante a argumentação e a expressão de sua filha mais amada, o pai Wotan estremece e sente que a ira está sendo substituída pela compaixão. Porém, ele não pode fraquejar, ainda que isso lhe cause tanta dor. Então, ele a castiga, retirando-lhe o dom da imortalidade e os outros atributos divinos.
Brunhilde será adormecida sobre uma rocha e só despertará quando for beijada por um homem que a tomará por esposa.
Resignada, a ex-Valquíria aceita a sua sorte, mas pede que o seu leito seja constantemente cercado por poderosas labaredas de fogo e que somente a beije e a tome como mulher, o homem que vencer tal barreira, pois, assim, ela saberá que estará casando-se com um homem virtuoso, corajoso e realmente interessado em amá-la.
Acontece, nesse instante, outro momento musical deslumbrante, pois a ária com a qual Wotan se despede da filha tornou-se uma peça referencial no mundo operístico. A tristeza torna-se quase que palpável e os tristes tons de Wotan se misturam com a inflexibilidade cruel do destino. É, realmente, uma cena que comove a todos que a assistem.
Wotan atende aos seus pedidos e deposita a filha adormecida** sob um solitário pinheiro. Depois, com extremo carinho, guarnece sua cabeça com um elmo e dispõe sobre seu corpo um grande escudo e em sua mão uma poderosa lança.
Novamente a orquestra atua de maneira magistral executando a melodia “do sono” e o clima volta a ser de pura emoção.
Depois, Wotan convoca Loge, o deus do fogo, para que ele guarnece o local com uma barreira de fogo que seja intransponível para os homens comuns e, pesarosamente, se retira.
Enormes chamas cercam a ex-Valquíria e a orquestra faz a sua terceira e esplêndida intervenção ao executar o fabuloso “Tema do Fogo”.
Tem-se, pois, o desenrolar de uma cena impactante, cujos efeitos sonoros e visuais causam um verdadeiro arrebatamento no público, que, em geral, demora algum tempo para voltar a si e retribuir com generosos aplausos a essa obra magnífica.
E assim encerra-se a Ópera.
Nota do Autor* – nesse ponto o leitor (a) não deixou de perceber a semelhança com a história de Excalibur e do rei Arthur.
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Personagens
Siegfried – um dos protagonistas, filho de Siegmund e de Sieglinde. Interpretado por um Tenor.
Mime – irmão de Alberich. Interpretado por um Tenor.
O Errante – Wotan, disfarçado. Interpretado por um Baixo.
Alberich – o anão líder dos Nibelungos. Interpretado por um Baixo.
Fafner – o gigante sobrevivente, autotransformado em dragão. Interpretado por um Baixo.
Brunhilde – a mais importante das Valquírias e a preferida de Wotan. Interpretada por uma Soprano.
Erda – a deusa da Sabedoria ou a deusa da Terra. Progenitora das Valquírias. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Pássaro da floresta – interpretado por uma Soprano.
Enredo
O primeiro ato tem como cenário a reprodução da caverna onde vive Mime, que conseguiu sair do reino Nibelungo, embora continue sob a influência perversa de seu irmão Alberich.
Ao chegar àquela caverna, Mime encontrou na mesma uma mulher que agonizava logo após ter dado à luz um belo menino. Era Sieglinde que parira Siegfried.
Ciente da morte iminente, a pobre mulher implorou ao recém-chegado que cuidasse de seu filho e como ele reconheceu que ela provinha da importante estirpe dos Walsungs e que os fragmentos que ela segurava zelosamente eram da “Espada Sagrada”, aceitou a missão de cuidar do bebê, prevendo que no futuro a reconstrução daquela arma formidável poderia fazê-lo recuperar o “Anel dos Nibelungos” que estava em poder de Fafner, transformado em dragão.
E, realmente, ele criou o menino e com a sua habilidade de ferreiro tentou reconstituir a espada, mas sempre em vão.
O tempo transformou o garoto em um jovem vigoroso, independente e corajoso, porém, grosseiro e nem um pouco grato ao anão que lhe salvou a vida. Ao invés de tratá-lo com respeito e com amor, dedicava-lhe apenas palavras ásperas e inamistosas.
É certo que da parte de Mime também nunca existiu afeição, carinho, pois o seu interesse era apenas usar o poder que intuía no jovem, para recuperar a fortuna que fora tirada de seu irmão e, com ela, tomar-lhe o Poder e reinar sobre os demais Nibelungos.
Para tanto não poupava esforços nas tentativas de refazer a “Espada Mágica”, mas logo no primeiro teste a que a mesma era submetida por Siegfried, espatifava-se em vários pedaços. Fracassos, porém, que não esmoreciam o seu espírito ambicioso e ávido pelo poder, cujas malévolas intenções são magistralmente acentuadas pelos lúgubres acordes que a orquestra executa em várias passagens. São temas que remetem à “Espada de Siegmund”, ao “O Ouro do Reno”, à “Maldição de Alberich” e outros trechos musicais, num esplêndido painel de todo o grande ciclo: “O Anel dos Nibelungos”.
E, assim, encerra-se a primeira cena.
A segunda cena inicia-se com as lamentações de Mime acerca de sua má sorte. Pouco depois surge o jovem Siegfried. Como se disse, é um belo, altivo e simpático rapaz, embora de modos grosseiros, típicos de quem nunca conviveu com outras pessoas, à exceção do anão que o adotou.
Atado a si, ele introduz na caverna um enorme e feroz urso que capturara; e açulando o animal, diverte-se à larga ao ver o susto e o terror que se apossou de Mime. Contudo, logo se cansa da rude brincadeira e espanta a fera, passando em seguida a testar a Espada que Mime tentara novamente forjar. Após alguns golpes no ar, ele a vibra violentamente sobre uma rocha e pela enésima vez a arma se desintegra.
Enfurecido com o novo fracasso, ele acusa o anão de ser um incompetente, imprestável etc. e Mime, sabedor de sua fragilidade, nada retruca por temor. Ao contrário, mostra-se subserviente até o ponto de trazer a refeição preferida do jovem, apenas para acalmá-lo. Siegfried, todavia, não se mostra agradecido e continua a insultá-lo com virulência, enquanto devora o repasto trazido.
Ao interesseiro e hipócrita Mime, só resta mudar o foco de suas lamentações, dirigindo-as, agora, para a ingratidão que Siegfried demonstra.
Mas nem essas lamentações são capazes de comover a Siegfried, pois ele observa que os outros habitantes da floresta são similares aos seus pares; enquanto ele e Mime são completamente diferentes, vinda daí a sua certeza de que há alguma coisa errada no relacionamento dos dois.
Se ele houvesse sido devidamente educado pelo anão, compreenderia a questão da diferença entre as pessoas como algo normal, mas como o outro nunca o educou corretamente, essa dedução tornou-se imperativa em seu espírito selvagem. E por causa da mesma, ele não se cansa de indagar a Mime sobre a sua origem, até que, não suportando mais a pressão, o anão revela-lhe a sua verdadeira história. A partir de então, ele aumenta ainda mais a exigência de que a reforja da Espada aconteça efetivamente, pois ele anseia em cumprir o seu destino.
Em certo dia, após uma áspera discussão entre ambos, Siegfried sai e Mime recebe a visita de um homem estranho, vestido dos pés à cabeça com grossa capa escura, máscara e largo chapéu. É Wotan, que, disfarçado, percorre o mundo para sondar o crescimento de sua última esperança, o filho de Siegmund.
Ciente da vaidade intelectual do anão, o “Rei dos Deuses” propõe-lhe “uma disputa de saber”. Cada qual poderá fazer três perguntas e quem não souber a resposta correta será decapitado. Apesar da crueldade do jogo, o irmão de Alberich não consegue resistir ao desafio e o aceita.
Gentilmente, Wotan permite-lhe iniciar o jogo e Mime pergunta quem são os habitantes do subsolo, da superfície e dos céus? O “Rei dos Deuses”, sem vacilar, responde que são os Nibelungos, os Gigantes e os Deuses.
A pronta e segura resposta do adversário atemoriza o anão, mas, agora, ele só pode tentar responder acertadamente e, assim, conservar a cabeça sobre os ombros. Wotan, pergunta-lhe, então:
1) O nome de quem o “Rei dos Deuses” ama, embora os trate rudemente: os Walsungs, responde Mime corretamente.
2) Qual é o nome da espada que matará o dragão? Nottung (necessária) é a segunda resposta correta.
3) Quem a forjará definitivamente? Mime sente, aterrorizado, que a morte se aproxima, pois desconhece a resposta,
Mas Wotan ri zombeteiramente e sentencia: só poderá refazer tal arma o homem que desconhece o medo. Depois, ainda zombando do terror estampando na face de Mime, decide poupar-lhe a vida e deixa a caverna.
Logo em seguida Siegfried retorna e rispidamente exige que o anão lhe entregue a espada pronta, mas como ele nem a tocara, tenta desviar a atenção do jovem falando do terrível dragão que vive nas proximidades. Conta-lhe da ferocidade da besta, do sopro venenoso que ele expele etc.
Porém, ao invés de demonstrar qualquer receio, Siegfried mostra-se entusiasmado com a oportunidade de se bater contra adversário tão horrível e, assim, ele mesmo reúne os pedaços da espada e passa a trabalhar furiosamente em sua fundição, enquanto entoa uma ária leve e graciosa, que não demora em arrebatar à plateia.
Após um duro labor, Siegfried ergue triunfante a espada reconstruída e logo em seguida aplica um golpe violentíssimo com ela sobre uma bigorna, que se desmancha em mil pedaços. Melhor prova do poderio da arma não poderia haver. É certo, pois, que nada poderá opor-se a ela. Satisfeito com o resultado, o bravo sucessor Walsungs já se sabe apto para vencer a tudo e a todos.
É o fim do primeiro ato.
§§§
O cenário do segundo ato reproduz o local da floresta onde fica a caverna em Fafner, transformado em dragão, guarda o tesouro.
A escuridão da noite encobre toda a cena, mas ainda assim é possível perceber que um vulto vaga ao redor do covil da fera. É o anão Alberich que não se conforma com a perda de seu “Anel Mágico” e espera sorrateiramente por algum descuido de Fafner para tomar-lhe a joia que confere poderes ilimitados ao seu usuário.
De repente uma claridade vermelha anuncia a chegada de Wotan – ainda disfarçado – que logo entabula conversa com Alberich, contando-lhe que o seu irmão, Mime, está vindo para aquele local, junto com um jovem que será capaz de vencer o dragão. Para o invejoso e interesseiro líder dos Nibelungos aquela informação indica a possibilidade de que o Anel fique com Mime e não com ele e, por isso, implora que o Gigante lhe dê apenas o Anel e conserve o resto do tesouro para si. Porém, como seria de se esperar, é uma súplica sem qualquer resultado, pois a resposta é uma violenta negativa.
Wotan limita-se a rir do anão e ambos deixam a cena.
Na sequência, o aumento na iluminação do palco indica a chegada do dia. Em companhia de Mime, Siegfried segue resoluto para combater Fafner, sem dar atenção aos constantes avisos e pedidos de cautela que o anão lhe faz.
Por fim, vendo que as suas palavras sequer são ouvidas, Mime desiste e se afasta do jovem em busca de um lugar onde possa assistir ao combate entre os titãs, em perfeita segurança.
O herói Walsung continua o seu caminho e a beleza do dia e da paisagem fazem-no esquecer do restante. Inclusive do dragão a quem deve combater. Deitado sobre a relva, sem o menor temor, contempla admirado o espetáculo dos pássaros, das altas árvores, das formas singulares das nuvens etc.
É um trecho da Ópera que se torna marcante pelas belezas poética e melódica, já que a orquestra executa o célebre “Murmúrios da Floresta”, cujo esplendor o tornou um paradigma de excelência no universo operístico.
Então, um pássaro corta o ar e gorjeia lindamente. Siegfried tenta imitar o seu canto através de uma flauta improvisada, mas como a sua tentativa fracassa ele tenta novamente usando a sua trompa de caça, porém o efeito conseguido é totalmente diferente do que ele esperava, pois o som serviu apenas para despertar o dragão, que de imediato pressente que o tesouro que guarda corre perigo.
Irado, o monstro avança até a entrada de seu covil e expele fumaça tóxica e fogo pelas narinas, enquanto arreganha as terríveis presas. Era a oportunidade que Siegfried aguardava. Sem qualquer medo, ele avança resoluto e após um breve combate atinge a fera no coração com a sua poderosa Espada. O gigante agoniza, mas antes de exalar o último suspiro, avisa a Siegfried que a sua morte também já está planejada, pelo mesmo mandante da sua.
Por fim, tomba definitivamente. A maldição de Alberich sobre quem possuísse o Anel confirma-se novamente. E, também, confirma-se o heroísmo de Siegfried e o poder da “Espada Milagrosa”.
Após a morte de Fafner, o jovem percebe que o sangue da fera havia respingado em sua mão e num gesto automático leva-a a boca para limpá-la; notando, atônito, que após sugar o liquido, passou a ser capaz de compreender a língua dos pássaros.
E, ouvindo-os, fica sabendo que um “Elmo Mágico”, chamado “Tarnhelm” também está guardado na caverna e entra imediatamente no recinto para buscá-lo, deixando o restante do tesouro para trás.
Os irmãos, Alberich e Mime, não hesitam em disputar ferozmente o tesouro desprezado, mas quando percebem que o herói ainda se encontra nas proximidades cessam a disputa e se escondem em arbustos próximos.
Após alguns instantes, Mime procura Siegfried e lhe oferece uma bebida revigorante, mas os novos amigos do herói, os pássaros, avisam-lhe que, na verdade, a beberagem é um veneno poderoso. Irado, ele mata o anão e atira o seu corpo na entrada do covil da fera abatida.
É a morte de quem lhe criou, mas apenas com a intenção de se aproveitar de sua força e de seu poder e não como um gesto de amor e de solidariedade. Por isso, Siegfried não se arrepende de seu gesto homicida, tampouco se culpa ou se entristece.
Em verdade, sente, apenas, uma enorme exaustão e certa melancolia por se ver inteiramente solitário na vida.
Seu lamento, em forma de monólogo, expressa a tristeza que sente e a dúvida se haverá alguém que o ame ou que seja amado por ele?
Nisso, um pássaro condoído de sua amargura responde ao seu lamento com a notícia alvissareira de que algures, na floresta, uma linda jovem adormecida aguarda pelo homem que consiga despertá-la, para ser a sua esposa.
Feliz com a alegria que vê surgir no semblante do jovem, o pássaro diz que “uma gloriosa noiva o espera” e se dispõe a servir-lhe de guia. Exultante, Siegfried se põe a acompanhar o amigo alado, em direção ao rochedo onde repousa a bela Brunhilde.
É o fim do segundo ato.
§§§
O cenário do terceiro ato reproduz um local ressecado, árido, à base da rocha onde dorme a ex-Valquíria.
Num estreito desfiladeiro surge Wotan, ainda disfarçado e claramente preocupado, pois embora já saiba que Siegfried porta a “Espada Mágica”, capaz de vencer aos inimigos dos deuses, não tem certeza de que a maldição possa ser conjurada em definitivo. Preso a tal aflição, convoca Erda para que ela preveja o Futuro de Walhalla.
Anunciada por uma luz difusa, a “deusa da Sabedoria” se apresenta dando mostras de profundo abatimento. Ante as perguntas de Wotan, ela responde que já não pode fazer qualquer vaticínio porque os seus poderes estão desaparecendo e que só lhe resta voltar para o seu sono profundo. É mais um motivo para que o “Rei dos Deuses” sinta o coração mais apertado. Sabe que o fim está próximo.
Ao longe, escuta-se a trompa que anuncia a chegada do jovem herói Walsung. Em passos determinados ele segue a orientação do pássaro que lhe guia e logo avista a rocha cercada por chamas onde Brunhilde permanece inerte.
Breve alcança o desfiladeiro onde está Wotan e este o detém perguntando-lhe quem forjou a sua espada. O jovem responde ter sido ele mesmo e a resposta encoraja o “Rei dos Deuses” a fazer-lhe outras indagações, porém, Siegfried mostra-se agastado pelo retardo em sua caminhada e diz com certa rispidez que não tem tempo a perder com conversas inúteis.
Wotan, contudo, insiste e o jovem grita para que ele saia de seu caminho. Uma insolência que o deus não pode tolerar e, por isso, ele faz menção de apanhar a sua lança, enquanto diz a Siegfried que com a mesma, outrora, destruiu a espada que o jovem agora porta.
É, então, a vez de Siegfried enfurecer-se, já que ele acaba de descobrir que à sua frente está aquele que causou a morte de seu pai ao favorecer seu oponente em um duelo. Assim, com um golpe violentíssimo estraçalha a lança de Wotan, que, abismado, apenas assiste à terrível cena.
Nesse momento, uma série de artifícios teatrais é acionada e se reproduz uma tenebrosa tempestade de raios e trovões. É o cenário adequado para retratar a queda do arrogante e, até então, invencível “Rei dos Deuses”, juntamente com as demais divindades. Em voz baixa, ele, então, limita-se a dizer para o filho de Siegmund: “segue o teu caminho, já não posso interromper-te”.
E assim encerra-se a primeira cena.
Enquanto o público se extasia com a magnífica participação da orquestra que executa novamente a esplêndida “Fogo Mágico”, o cenário para a segunda cena vai sendo montado. Trata-se do mesmo que já foi usado anteriormente e que reproduz o rochedo, cercado por chamas, onde repousa Brunhilde.
Sem outra interrupção, Siegfried chega ao local e sem dificuldade atravessa a parede de chamas que o separava da bela ex-Valquíria.
Em frente à rocha contempla embevecido “aquele guerreiro” que ali jaz, sem perceber que abaixo do escudo, das armas e do elmo com que Wotan cobriu a sua filha, está uma mulher belíssima.
É um engano que pode ser justificado pelas armas e pelas vestimentas de Brunhilde, mas, também, pelo fato de Siegfried nunca ter visto uma mulher até então, já que na mata, onde sempre morou, a sua única companhia humana era Mime.
Dessa sorte, com certa cautela, ele se aproxima, mas ao retirar o elmo da deusa perde qualquer temor e se deslumbra com a formosura da mesma. No mesmo instante sente-se fascinado e apaixonado pela Valquíria adormecida.
E o clima de romance é acentuado pela orquestra que nesse ponto toca o tema da união entre Siegmund e Sieglinde.
Pela primeira vez na vida uma emoção foi capaz de perturbar os seus sentidos e preencher a sua alma. Abaixa-se e delicadamente beija os lábios de Brunhilde que, então, começa a despertar lentamente.
Após acostumar-se à luz do Sol, a filha de Wotan ergue-se de seu leito rochoso e entoa a famosa ária “Heil, die Sonne”. Depois, voltando-se para o herói, saúda-o como o “bravo filho de Sieglinde”, por ela defendida contra a ira de Wotan.
É um momento especial na Ópera, já que o júbilo e a ternura encontram-se de modo singular. Porém, ao se recordar do pai e de sua fúria, Brunhilde lembra-se que já não é imortal e que, por isso, nenhum amor ser-lhe-á possível, haja vista estar fadado a terminar com a morte inexorável.
Assim, amargurada, ela pede que Siegfried a esqueça, mas, para ele, qualquer separação não tem sentido e ele demonstra que o seu amor e a sua devoção são tão sinceros que sempre valerão à pena, ainda que não sejam eternos.
Ante tal demonstração de carinho e de ternura, ela capitula e enlaçados em terno abraço, ambos entoam o maravilhoso dueto “Amor que ilumina, escarnecendo da morte”, que encerra a Ópera, o penúltimo elo do grande ciclo do Anel dos Nibelungos.
O Crepúsculo dos Deuses
Personagens
Siegfried – um dos protagonistas, filho de Siegmund e de Sieglinde. Interpretado por um Tenor.
Brunhilde – a mais importante das Valquírias e a preferida de Wotan. Interpretada por uma Soprano.
Alberich – o anão líder dos Nibelungos. Interpretado por um Baixo.
Gunther – rei dos Gibichungs. Interpretado por um Baixo.
Hagen – filho de Alberich e meio-irmão de Gunther. Interpretado por um Baixo.
Gutrune – irmã de Gunther. Interpretada por uma Soprano.
Waltraute – a segunda Valquíria mais importante. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Woglinde – uma das três donzelas do Reno. Interpretada por uma Soprano.
Wellgunde – idem. Idem.
Flosshilde – idem. Interpretada por uma Contralto.
Primeira Norn – filha da deusa Erda. Interpretada por uma Contralto.
Segunda Norn – idem. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Terceira Norn – idem. Interpretada por uma Soprano.
Enredo
O cenário inicial é o mesmo da última cena de “Siegfried”; ou seja, o sitio onde estava o leito rochoso de Brunhilde. Após tê-la acordado, a noite desceu sobre Siegfried e sua bela esposa e ambos se recolheram a uma das cavernas existentes no local.
Apesar da escuridão, vislumbram-se à porta da caverna do casal, três figuras fantasmagóricas. São as fadas, filhas da deusa Erda, chamadas de Norns, que se dedicam a desenrolar um cordão dourado que simboliza a marcha do destino.
Enquanto trabalham, as Norns entoam um triste Canto que profetiza a derrocada final dos deuses de Wahalla, em castigo pela soberba e pela cobiça, representada pelo roubo do ouro do rio Reno. É um labor rotineiro para a trinca, mas em certo momento uma força desconhecida distende o cordão e o puxa em direção às terras dos Nibelungos, ao norte, provocando um grito de pavor das fadas, que, incontinenti, afundam-se no solo, como se tivessem escondendo-se de uma grande desgraça.
Depois, lentamente, a cena vai sendo iluminada e quando os holofotes atingem a máxima carga, indicando o esplendor de um novo dia, Siegfried e Brunhilde deixam a caverna onde pernoitaram. O jovem sente-se pronto para os novos combates e desafios que confirmarão a sua condição heroica e, por isso, despede-se da amada para prosseguir a sua jornada.
Porém, antes de partir, deixa o “Anel mágico” com a noiva, em sinal de empenho de amor. Ela, em contrapartida, entrega-lhe o seu precioso cavalo, Grane, que a serve desde os tempos em que era a rainha das Valquírias.
É uma separação sofrida e enquanto ela contempla a descida do amado, a orquestra toca o célebre interlúdio “A viagem de Siegfried ao Reno”, sinalizando o início do primeiro ato.
O cenário desse ato inaugural é a representação do hall de entrada do Palácio de Governo de Gunther, o líder da feroz tribo dos Gibichungs.
No centro da cena, Gunther e sua irmã Gutrune conversam informalmente com Hagen, filho de Alberich e o principal Conselheiro de governo.
Servil e malvado como o pai, Hagen não perde oportunidade de bajular os poderosos e quando o soberano lhe pede a sua opinião sobre o governo, ele não hesita em declarar que é o melhor que ele já viu, chegando mesmo à perfeição. E continua desfiando uma série de elogios aos irmãos, dizendo que quase nada poderia ser melhor, exceto, talvez, o fato de a dupla ser solteira, já que em sua ótica, os monarcas deveriam buscar cônjuges que estivessem à altura de suas grandezas e se casarem para perpetuarem “tão nobre dinastia”.
Obviamente que a sua sugestão não é motivada por princípios nobres. Ao contrário, o seu plano visa apenas os seus próprios interesses, pois soube através de seu pai, que Siegfried já despertou Brunhilde e que ambos estão juntos; e ele espera usar os soberanos Gibichungs, para atrair os herois e, depois, surrupiar-lhes o “Anel Mágico”.
Dessa forma, o seu interesse imediato é fazer com que os quatros se encontrem e, para tanto, ele começa a executar o seu estratagema. Primeiro, diz a Gunther que a única mulher que está à altura de ser a sua esposa é Brunhilde e que está a caminho de seu Palácio o jovem Siegfried, o único homem que pode romper o círculo de chamas que a circunda e resgatá-la.
Assim, ele, Gunther, deverá convencê-lo a trazer-lhe a beldade perfeita, ainda que tenha que lhe pagar um alto preço pela façanha. Gunther, que desconhece os últimos fatos, concorda e elogia a sagacidade de seu Conselheiro sem desconfiar de sua falsidade.
Acariciado em seu ego e entusiasmado com a adesão do monarca, Hagen prossegue, dizendo que será preciso despertar um grande interesse no herói para que ele realize o resgate da beldade e que, para isso, ele usará seus poderes de bruxo para fazê-lo esquecer-se completamente de Brunhilde e apaixonar-se pela Princesa Gutrune, cabendo a Gunther, a partir daí, condicionar o seu consentimento ao namoro e casamento de sua irmã ao resgate que Siegfried fizer. Então, os dois casamentos acontecerão simultaneamente.
O rei dos Gibichungs exulta com a maestria do plano e se sente profundamente agradecido ao anão, persistindo na ingênua postura de nada perceber das reais intenções do outro.
Nesse momento, escuta-se a trompa do jovem Walsung anunciando a sua chegada. Aparentando sua habitual confiança, ele desce do cavalo Grane e pergunta pelo rei do lugar, a quem oferece paz ou combate.
Conforme o planejado, Gunther recebe-o amistosamente e lhe franqueia as portas de seu Palácio em sinal de boas-vindas.
Gutrune, que num primeiro momento desaprovara o plano de se casar mediante a fraude de um feitiço de Hagen, ao ver a bela estampa do jovem, muda totalmente de opinião e se encarrega pessoalmente de lhe servir a beberagem mágica, que, de fato, produz imediatamente o efeito pretendido, fazendo com que Siegfried apaixone-se perdidamente por ela e se esqueça da filha de Wotan.
Gunther não perde tempo e diz estar disposto a conceder permissão para que sua irmã se case com o homem que lhe trouxer a única mulher que lhe interessa desposar: a bela Brunhilde.
A citação do nome da ex-noiva não provoca nenhuma recordação na mente perturbada do jovem herói e prontamente ele se dispõe a fazer o resgate para obter à mão de sua nova amada. Casar-se com a princesa dos Gibichungs é tudo que o ele deseja.
Nesse momento, o malvado anão percebe que Siegfried porta o “Elmo Mágico – Tarnhelm”, sem saber dos incríveis poderes que o mesmo possui. Explica-lhe, então, que o capacete tem o dom de dar a quem o usa a forma e a aparência que se desejar. Dessa sorte, prossegue, ele, Siegfried deverá resgatar Brunhilde transfigurado em Gunther, fazendo com que ela passe a ter carinho, admiração, gratidão e, talvez, amor por ele.
Gunther e Siegfried aprovam, entusiasmados, essa parte do plano e selam um pacto de amizade, declarando-se “irmãos”, através do antigo ritual de colocar algumas gotas do sangue de ambos, nos respectivos cálices de vinho com que brindam a oportunidade.
Pouco depois, entram ambos na embarcação à margem do rio Reno e seguem em direção ao sitio onde ficou Brunhilde. Na aldeia, ficam uma apreensiva Gutrune e um felicíssimo Hagen, enquanto a orquestra executa um belo interlúdio musical que encerra essa primeira cena.
A segunda cena volta a ser encenada no sitio em que Brunhilde ficou aguardando a volta de Siegfried.
A baixa iluminação indica o fim do dia e a nostalgia do crepúsculo reflete a divagação a que a ex Valquíria se entregou, enquanto espera o retorno de seu bem amado.
Subitamente um trovão quebra o silêncio e anuncia a chegada de Waltraute, a segunda Valquíria mais importante e a nova líder do grupo, após a queda da primogênita.
Brunhilde alegra-se com a visita de sua irmã e com a perspectiva de que ela traga o perdão de Wotan, mas Waltraute se limita a narrar a angústia do “Rei dos Deuses”, assim como a das outras divindades, diante do fim iminente; e a lhe pedir que devolva às “Donzelas do Reno” o Anel dos Nibelungos que Siegfried lhe deixou como prova de amor, numa tentativa de atenuar a maldição de Alberich.
A decepção estampa-se no semblante de Brunhilde e sem poder conter a mágoa e a ira ela responde com muita rispidez à irmã que nunca se apartará daquela “prova de amor”, mesmo que isso custe à derrocada total de Walhalla. Desesperada Waltraute sai de cena.
Alguns instantes depois, a decepção e a ira que Brunhilde sentiu dão lugar a uma agradável sensação de bem-estar, de alívio e, até, de felicidade, pois se ela perdeu a imortalidade e as premissas de deusa, ganhou a maravilhosa completude do amor e a amplitude de se saber mulher por inteiro.
Todavia, essa doce sensação não perdura e logo é trocada por um mau pressentimento ao ver que as chamas que lhe circundavam aumentaram de intensidade.
E, com efeito, logo depois, ela percebe a aproximação de um homem estranho*.
Aterrorizada, ela grita perguntando-lhe a identidade. Em resposta ele diz ser membro da tribo dos Gibichungs e que veio resgatá-la para ser desposada por seu rei.
Aturdida e sentindo-se fragilizada pela perda de seus dons divinos, Brunhilde não reage e se prepara para segui-lo. Enquanto isso, Siegfried ajoelha-se e jura sobre a sua espada que guardará aquela mulher como se ela fosse a sua irmã.
E assim termina o primeiro ato.
§§§
O cenário do segundo ato reproduz a praça fronteiriça ao castelo de Gunther.
A débil iluminação indica que é noite. Hagen, visivelmente ansioso aguarda o retorno de Siegfried e de Gunther trazendo Brunhilde. E enquanto os seus pensamentos voam, ele saboreia o êxito que imagina obter em um futuro próximo.
Nesse momento, percebe-se na penumbra a silhueta de outro anão e logo fica claro que se trata de Alberich que veio, novamente, cobrar de Hagen o juramento de que tudo fará para recuperar o seu precioso “Anel Encantado”. O diálogo entre pai e filho é carregado de certa tensão e o sombrio fundo musical que a orquestra executa, acentua essa condição hostil entre ambos. Por fim, Alberich retira-se.
Instantes depois, lentamente o dia começa a clarear e nessa hora Siegfried surge em cena causando o súbito despertar de Hagen, que não esconde a surpresa ansiosa que o domina, bem como o temor que sente, ao ver que Brunhilde não está com o herói.
Contudo, logo ele se acalma quando o jovem Walsung lhe diz que chegou antes graças aos poderes do “Elmo Mágico” e que a ex-Valquíria e Gunther logo chegarão, pelo rio.
Animado e feliz, o anão Conselheiro toca a trompa e anuncia aos populares as boas novas. E o povo recebe com júbilo a noticia de que o Rei dos Gibichungs irá se casar em breve com a Princesa das Valquírias e filha dileta do “Rei dos Deuses”.
Pouco depois, o barco que traz o casal aporta e Gunther exibe, orgulhoso, a sua bela noiva, sem sequer imaginar, haja vista que Hagen tudo lhe ocultou, que a mesma tornou-se uma proscrita por ter desobedecido ao pai Wotan e que já é a mulher de Siegfried.
Ainda em estado de choque, Brunhilde nem escuta o que dizem e o que se passa à sua volta. Tudo lhe parece um sonho ruim, do qual irá despertar em algum momento.
Em seguida é apresentado aos cidadãos o outro casal de noivos que em breve irá se casar: Siegfried e Gutrune.
Nesse instante, ao ouvir o nome de seu amado, Brunhilde volta à consciência e o seu olhar encontra-se com o dele, sem que ele demonstre reconhecê-la. Então, uma terrível dor apodera-se de seu coração e ela presume ter sido preterida, em razão da fortuna e da posição social de sua rival.
E mais amargurada fica, quando percebe a falta do “Anel Encantado” que Siegfried havia lhe deixado como empenho de seu amor por ela. Alucinada, acusa a Gunther (pois essa era a aparência de Siegfried ao resgatá-la) pelo roubo e insulta rudemente ao seu ex-noivo, chamando-o de traidor, venal, oportunista etc., sem ao menos supor, que ele também é uma vitima do sórdido estratagema urdido por Alberich e por Hagen.
Por fim, incapaz de se conter, grita que Siegfried é o seu verdadeiro marido e não o rei Gunther.
Ante o desconcerto geral, Siegfried pede a lança que Hagen segura e jura sobre a arma que todas aquelas acusações de Brunhilde são falsas.
Em resposta, ela avança sobre a mesma lança e profere a seguinte maldição: “Arma sagrada! Que tragas a morte a Siegfried que jurou em falso sobre ti”.
Porém, inocentemente, o herdeiro de Siegmund não se incomoda, pois acredita piamente que a verdade está consigo e só recomenda que Gunther providencie ajuda médica à sua futura esposa, que está visivelmente perturbada. Em seguida, toma Gutrune pelo braço e deixa a cena.
Ficam Hagen, Brunhilde e Gunther. Atônitos, os dois últimos mostram-se ansiosos para esclarecer os fatos. Para Hagen, tudo está perfeito.
Em comum, os três tem interesse em testar e/ou em punir Siegfried. Gunther, para ter certeza de que ele não o enganou; Brunhilde, para vingar-se da traição e Hagen, claro, para reaver o “Anel Encantado”. Assim, combinam testar e eventualmente punir o herói com a maior brevidade possível.
Para tanto, Brunhilde revela que o ponto fraco do herói fica nas costas e, por isso, ele ficou invencível até então, já que sempre o protegeu cuidadosamente de todos os inimigos.
Hagen reconhece que será dificílimo vencê-lo, mas que será possível que “um acidente de caça” o elimine.
Gunther, porém, é contrário a essa traição covarde, pois ainda não tem certeza de que foi enganado e, ademais, selou com o futuro cunhado um pacto de amizade fraterna. Contudo, quando Hagen lhe conta sobre os poderes do “Anel Encantado”, a ambição se sobrepõe aos seus escrúpulos e ele deixa de ser contrário à ação.
Dessa sorte, eles programam uma grande caçada para a manhã seguinte, na qual acontecerá o assassinato de Siegfried.
É o fim do segundo ato.
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O terceiro ato é encenado na representação de uma clareira na floresta, às margens do rio Reno.
A caçada programada aproxima-se do final e Siegfried passeia despreocupadamente pelas margens do rio até ser interpelado por Woglinde, Wellgunde e Flosshilde, as “Donzelas do Rio”, que vivem em constante lamentação desde que deixaram o seu tesouro ser roubado por Alberich.
Agora, sabedoras de todos os fatos que sucederam e de que o “Anel” está com Siegfried, imploram para que ele lhes devolva a joia e se livre da terrível maldição que o fará perder a vida naquele mesmo dia.
Porém, o herói que nada teme, limita-se a pilheriar de suas súplicas e advertências e elas desistem, voltando para o fundo do rio. Entrementes, o som da trompa anuncia a chegada de Gunther, de Hagen e de vários outros caçadores, vaidosos de suas pobres presas.
Ainda rindo das “Donzelas do Rio”, Siegfried conta aos recém-chegados o diálogo que travaram e torna a desdenhar das advertências que elas lhe fizeram. Gunther, porém, não compartilha de seu descaso e se mostra aterrorizado pelo vaticínio funesto, pois sabe dos grandes poderes que as ninfas possuem.
Hagen, por outro lado, executa mais um lance de seu plano macabro ao dar uma estranha bebida a Siegfried que lhe devolve a consciência e a memória. Emerso, então, do torpor e da perturbação, ele atende a sugestão do anão e se põe a falar sobre a sua infância com Mime e de como o matou após compreender que ele só o usava; de como abateu o dragão em que Fafner se transformara; da “Espada Mágica” que herdara do pai, da linguagem dos pássaros e, finalmente, do encontro com Brunhilde.
E ao citar do nome de sua bem amada, desperta em Gunther uma enorme fúria, pois sem saber dos feitiços de seu Conselheiro, o rei dos Gibichungs julga que Siegfried esteja mentindo descaradamente. Acredita, em sua ingenuidade, que quando Brunhilde esbravejou, ela estava coberta de razão e que não se tratava de um delírio mental. Sim, Siegfried era um trapaceiro que o enganara!
Nesse instante, dois corvos sobrevoam o local e Siegfried vira-se para observar-lhes, dando chance para que Hagen o atinja pelas costas com sua a lança. Ferido em seu ponto vulnerável, cai agonizante, mas antes de expirar o último suspiro, compreende a armadilha em que caiu e o grande mal que involuntariamente causou à sua bem amada e entoa o célebre “Cântico do Adeus” à Brunhilde.
Assistindo a todo aquele sofrimento, Gunther percebe que o herói foi apenas mais uma vitima das artimanhas de Hagen e parte, decidido, à procura do mesmo para lhe dar o merecido castigo. Porém, o anão já havia escapado. Ao soberano só resta dar um enterro principesco ao herói.
Lenta e ritualmente os seus vassalos transportam o corpo ao som da conhecidíssima “Marcha Fúnebre”. E além dela, outros temas melódicos que simbolizam a raça heroica dos Walsungs e o “tema do fogo” de Brunhilde são executados em apenas dois toques, numa soberana representação da inexorabilidade da morte.
É, seguramente, uma das partes melódicas mais tocantes de todo o grande ciclo e um dos momentos mais marcantes e apreciados pela plateia, que, em geral, é tomada por grande emoção.
Desse modo, encerra-se a primeira cena.
A segunda cena é ambientada no hall do Palácio Real dos Gibichungs.
Gutrune anda pelo aposento de modo mecânico, demonstrando a terrível aflição que lhe aflige. Pouco depois os seus piores temores são confirmados quando adentra a cena o cortejo fúnebre.
Ensandecida, ela ataca o seu irmão Gunther e o acusa pelo assassinato de Siegfried. E só a muito custo ele consegue acalmá-la e convencê-la de que o verdadeiro culpado é Hagen. Nisso, o pérfido anão ressurge e diz em sua defesa, que matou o herói apenas para cumprir a lei que determina que o indivíduo que jurar em falso sobre uma arma, deverá ser morto pela mesma.
Dura Lex, sede Lex. Sim, é a Lei! E ninguém, tampouco os irmãos, podem contestá-la e acusá-lo. Aproveitando-se, então, dessa resignada submissão de todos ao princípio legal, ele exige o “Anel Mágico” como recompensa por ter executado o artifício legal.
Gunther, todavia, nega-se a atender a sua exigência e Hagen o mata. O seu temor de que o seu plano falhe justamente quando estava tão perto de se concretizar, rompe-lhe qualquer temor ou racionalidade e ele não hesita em vilipendiar o cadáver de Siegfried para roubar o desejado “Anel”; porém, como se fosse um aviso do Além, o braço do herói levanta-se e ele se afasta aterrorizado.
Enquanto isso, Brunhilde retorna à cena e como já está ciente de toda a verdade exige que o corpo de seu amado seja ritualmente incinerado junto ao Reno, numa alta pira, à altura de seu heroísmo e de sua condição de semideus.
Depois, retira carinhosamente o “Anel Encantado” das mãos de Siegfried e agradece às “Donzelas do Rio” por lhe terem revelado toda a verdade, dizendo que em breve lhes devolverá a cobiçada joia, totalmente purificada pelo fogo redentor.
Nisso, os vassalos terminam a pira funerária e colocam o corpo de Siegfried em seu topo, donde logo a sua alma libertada voará.
Montada em seu fiel cavalo, Brunhilde apanha uma tocha e acende a pira; depois, atira-se à mesma** para morrer junto com seu amado, enquanto entoa a sofrida ária “Cena da Imolação”. Sacrificando-se, redimirá os deuses e os homens.
É uma cena dantesca e para aumentar o impacto, o rio Reno transborda e as águas derrubam todo o reino dos Gibichungs.
Nas águas, as “Donzelas do Rio”, veem aproximar-se o corpo inerte de Brunhilde, que dessa forma insólita vem devolver-lhes o Anel dos Nibelungos.
Recuperando-o, apressam-se em mergulhar e logo em seu encalço surge um alucinado Hagen, que escapou da inundação e que não se conforma em ver seu objeto de obsessão escapar-lhe novamente.
Entra intempestivamente no Reno, mas ele não é páreo para os poderes das ninfas, que logo o agarram e levam para o fundo do rio, de onde nunca mais voltará.
E como para confirmar o desaparecimento da maldição, Flosshilde emerge jubilosa, exibindo o ex Anel dos Nibelungos já purificado e livre das mesquinhas cobiças humanas.
Noutro ponto da cena, sobre as ruínas do ex Palácio dos Gibichungs, avista-se um céu cor púrpura e, no pico de uma poderosa montanha, as chamas que consomem o outrora poderoso Walhalla, a morada de Wotan e de sua corte. Findaram-se os antigos deuses.
Que os homens façam triunfar o amor e a justiça!
Assim, com esse brado de renovada esperança no destino humano, Wagner encerra a sua grande obra, cuja mensagem continua tão vibrante, quanto foi em sua origem.
Nota do Autor* - Em verdade, como se recorda o leitor (a), esse estranho é Siegfried transfigurado em Gunther, graças aos poderes do “Elmo Mágico”.
Nota do Autor** - nessa cena é possível ao leitor (a) observar uma provável referência à antiga cultura Hindu, onde se observava o ritual chamado “Satee” que ordenava que as viúvas fossem imoladas na mesma pira fúnebre de seus falecidos maridos.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
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