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Balas de Esperança e de Morte

-"Se não acreditas, mata-me"

Ele estava à espera de toda a gente, menos dela. Há quinze minutos atrás tinha feito refém aquele público já tão conhecido, estava finalmente a ser quem era, a matá-los com palavras, a vaguear na loucura que o nada inspira.Não havia objectivo, ele não queria inspirá-los a fazer algo, ele queria nada, estava apenas ali a dizer o quão estúpido todos eram. E a apontar uma arma às cabeças do público. Vagueava em palavras que já não conseguia acreditar. Nem as próprias palavras faziam sentido. Balbuciava sons que pareciam palavras. Um som que significava para eles, humanos, que ele, o maluco, acreditava em nada. Morreu tudo. Só havia um nada que não conseguia apagar. E uma rapariga que o seu coração conhecia de cor levantou-se, desceu as escadas e desafiou-o:
-"Prova-me
-Senta-te.
-Prova-me qu...
-Eu disse para te sentares!
-Não! Agora vais ouvir-me. Se tudo isso é verdade então prova-me. Prova-me que já não acreditas em nada. Prova-me que tudo morreu para ti.
-E como sugeres que eu faça isso?
-Se não acreditas, mata-me."
"E foi como se o mundo se afundasse"? Não, foi como se mil balas tivessem trespassado o coração daquele doido. Balas de esperança disparadas por uma mulher. São (desculpem-me o termo) "coisas" engraçadas as mulheres. A maneira como acabam com a esperança e como a fazem renascer. Porque ali estava o incompreendido a apontar a arma à pessoa que há meses atrás dizia que amava. Depois deixou de acreditar nisso. Até aquele momento, entenda-se. Porque agora ele estava vivo. O coração a querer saltar daquele corpo inútil e agarrá-la com toda a força, abraçá-la, saboreá-la, tê-la. Mas porquê ela? Logo ela? Qualquer um deles, qualquer outro Humano que fosse ele teria morto ali, no chão, disparado mil balas de morte para aquelas mentiras, para aquelas palavras inúteis, para aquela gigantesca ilusão, para esta gigantesca ilusão, para conseguir matar quem ele não era, pela frustração egoista de não conseguir ser Humano e ser Doido. Mas houve uma coisa. Ela deixou de ser olhos, nariz, boca, ouvidos, como todos os outros. Passou a ser uma cara. Reconhecida. Os sons que ela proferiu deixaram de ser isso mesmo e passaram a ser palavras. Reconhecidas.
-"Vá, olha-me nos olhos, diz que não acreditas e dispara."
Ela a aproximar-se, a cabeça do doido incompreendido a mil à hora. Acreditava ou não?
-"Acreditas ou não?"
Ela cada vez mais perto, ele cada vez mais distante ou próximo de ser Humano.
-"Olha-me nos olhos"
E, deus meu que não é bem meu, quem conseguia resistir aquelas magnificas palavras? Quem conseguia não olhar? Quem se atrevia a não olhar? Talvez ele mesmo, se mil balas de esperança não tivessem perfurado o seu coração. Ela olhou-a então, num misto de fúria e felicidade.
-"Acreditas?
-Para trás.
-Diz-me só isto.
-Para trás, disse eu!
-Acreditas?"
Ele disparou para o lado, uma bala a saborear o vento que lhe foi dado num milésimo de segundo antes de se ir espetar contra a parede. Lágrimas a correrem pela face daquele que antes não chorava. O público, mero público, a olhar como grandes Humanos que são, sem nada fazer... como sempre.
-"Se disparares isso mais uma vez, ao menos atira-me para a cara.
-Não te aproximes mais, último aviso."
Ela aproximou-se, desafiando-o, o público em extâse silencioso.
-"Caraças, vai-te sentar!
-Tu acreditas."
E mais uma bala. Para finalizar. A derradeira bala de esperança foi dita por ela. Ele em silêncio, a querer odiá-la e a amá-la ao mesmo tempo, por ter conseguido destrui-lo e por ter conseguido renascê-lo, como se o tivesse dado à luz uma segunda vez. Ela a aproximar-se mais. Um metro dele.
-"Pára, por favor, pára
-Eu só paro se tu me matares."
Uma conclusão lógica, de facto e a verdade é que ela agora estava a setenta e cinco centímetros dele e das suas balas de morte.
-"Por favor... não me obrigues a fazer isto
-Amas-me?"
Isto é o que o vosso narrador chama de uma rapariga com garra. Ele olhava-a nos olhos sem saber o que responder embora sabia perfeitamente a resposta. O coração dele saltava louco de paixão, a sorrir, a mente a querer que o coração se cale, alguém podia ouvir. O público a vibrar, prestes a saltar para agarrar aquele lunático. 60 centímetros.
-"Pára com isso...
-Responde-me só a isso. Se não me amas, mata-me."
Ele disparou. Uma bala de encontro à carne da perna dela. Ela no chão a gritar de dor. O público a sentir aquela bala de morte e a perder a esperança. Ele afastou-se meio metro.
-"Vai-te sentar, por favor
-Só se me matares."
Ela rastejava para ele, o público a derramar lágrimas pela coragem daquela mulher, alguém queria fazer alguma coisa, mas ninguém sabia o quê, ninguém tinha coragem para se levantar e dizer alguma coisa... como sempre. Um metro.
-"Senta-te... por favor...
-Amas-me?
-Não! Senta-te!
-Então mata-me"
Ele não conseguia fazer nada, estava imobilizado, a olhar para ela que rastejava de encontro a ele, uma poça de sangue imensa brotava da perna dela. Setenta e cinco centímetros.
-"Não me vais salvar hoje simplesmente por dizeres que não me amas. Vais ter que me matar ou amar-me.
-Pára de fazer isso."
Ela conseguiu levantar-se a custo. Coxa, mas de pé. O público, espantalhos. Meio metro.
-"Tu dizes que não acreditas em nada, se isso é verdade, então não me amas! Por isso, vá! Mata-me!"
De braços abertos ela disse esta fala, de braços abertos estava o coração dele para a receber. Não se mexeram.
-"Olha para mim, diz que não me amas e dispara-me isso."
Silêncio. Queria que vocês, leitores, conseguissem sentir este silêncio de esperança e de morte. Um silêncio em que tudo se pode erguer ou morrer. Em que está tudo em jogo, todas as cartas foram jogadas, agora é uma questão de saber a resposta dele. O público, receoso, a olhar. O doido a mil à hora, sem saber o que dizer, o que fazer, o que sentia, porque tinha ele feito aquilo tudo, porque é não a matava simplesmente se ela era humana, carne, esqueleto, como todos os outros e nada mais. Era Humana e não Doida. Ela, já com os braços caídos à espera de ver algo naqueles olhos verdes, uma resposta, sem saber se no segundo seguinte estaria morta ou não, se aquele seria o último suspiro dela. Era uma eterna ignorante naquele silêncio que partilhavam. Ia-se aproximando mais e mais. Vinte e cinco centímetros para alcançá-lo.
-"És tão estúpido, sabias? Fazes isto tudo, falas, tentas matar-nos com as tuas palavras, mas nem sequer acreditas nelas. Tu amas-me."
Ele queria matá-la, ali, só para provar que ela não tinha razão, que não a amava, que era mentira, que o seu coração era de pedra e que aquelas lágrimas eram falsas, queria provar ao público que o assistia que eles ainda eram Humanos e ele ainda Doido! Queria voltar àquele pensamento de morte! Voltar a morrer! E sabem que mais? Não o conseguiu fazer.
-"Não me chores."
Beijou-o, pegou na arma dele e matou-se.

Gritos por todo o lado. O Doido em silêncio a não perceber o que tinha acontecido. O público finalmente deu-se ao trabalho de fazer algo e levantou-se num ápice. Uns a fugirem, outros a chorarem a morte daquela rapariga corajosa, outros a berrarem que foram estúpidos por não fazerem nada. Típico. Ninguém se acercou perto do doido e da corajosa. Ele olhava-a no chão. Via o que as suas acções tinham feito. Um poça de sangue vermelho vivo. Uma arma de morte a soltar fumo. Uma arma de esperança caída no chão. A esperança matou-se a si própria. O seu coração chorava, gritava, berrava, queria pegar na arma e matar-se, a mente dele sorria, dizia que tudo era inútil e que não valia a pena nada, era só mais um espantalho caído, outra marioneta sem vida, outra Humana que fez o que era certo. A expressão dele conseguia transmitir estes dois pensamentos tão contrários. Quem o visse naquele momento, parava porque achava que uma cara não podia reproduzir tal expressão. Uma expressão que revelava tudo. Claro que ninguém o via. Não havia público agora. Tinham todos fugido. Apenas ele e ela, a esperança renascida e morta em balas de esperança e de morte, numa poça de sangue imenso que tomava o palco. Sozinho. Com o beijo dela nos seus lábios. Silêncio. Queria voltar atrás, dizer que a amava, que a adorava, que queria estar com ela, mas sem reparar tinha-se tornado no público que tanto desprezava, nos que olham e que não fazem nada, nos que são incapazes de aproveitar a vida. Era um deles. E chorou. Chorou imenso. Lágrimas não eram lágrimas, mas rios de água salgada que lhe escorriam pela cara e pelo corpo abaixo e se fundiam no sangue da esperança. Pegou na arma e pressionou contra o coração. Premiu o gatilho.

Sem balas. Tinha-se esquecido que só havia posto três. Chorou ainda mais. Sem saber o que fazer, abraçou-a. Num choro inconsolável abraçava a esperança como se a pudesse renascer. Num rio de sangue e de lágrimas, ele abraçava-se a um cadáver que em vida o beijou. O seu corpo emanava um cheiro familiar... Era o perfume que lhe tinha oferecido meses atrás. Aquele que julgava que ela nunca iria pôr. Nem conseguia respirar devido ao seu soluçar. Já não tinha vontade de viver, queria juntar-se a ela no paraíso, no Hades, em espírito, em fantasma, queria juntar-se a ela de qualquer forma. E algo terrívelmente estranho aconteceu. O coração foi lentamente parando. As lágrimas deram lugar a um sono profundo. Foi parando de viver porque já não tinha vontade de viver. Agora não havia realmente nada pela qual ele queria viver. Foi-se a vontade de viver. E por consequência, a mente adormeceu, o coração parou, a lágrimas cessaram. Inalou mais uma vez aquele perfume, agarrou a mão dela e decidiu morrer ali, nos braços de uma esperança que se tinha suicidado. Morreu abraçado à vida que tinha abandonado. Abraçado a momentos que não aproveitou. A uma vida inútil. A um silêncio angustiante. Abraçado no seu perfume. Ele morreu abraçado a uma esperança morta.

Uma rosa negra cai do tecto. Torna-se vermelha com o sangue que a esperança derramou.

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quarta-feira, junho 16, 2010 - 09:24

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henrike8

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Comentários

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Re: Balas de Esperança e de Morte

Cativante e surpreendente.
As densas pausas ajudam a criar o suspense. Pensa-se que a acção parou e decorre, numa furiosa velocidade de sentimentos logo a seguir.
Fantástica a passagem..Uma rosa negra cai do tecto. Torna-se vermelha com o sangue que a esperança derramou.

Eu gosto particularmente de rosas negras.

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