Bela Deusa

Hoje sonhei contigo. Talvez como última recordação antes de desistir de ti e do amor. E que bela recordação.

Era uma noite escura. Não via nada, nada. Era como se a tua sombra me tivesse engolido. Caminhando na tua sombra. Comecei a correr. Queria fugir de ti, nunca mais olhar para ti e para as tuas trevas. Ou talvez sair da sombra para finalmente te poder ver. Não sei... Sei que fugi até me doerem as pernas e os pés me tremerem de tanto querer desistir de ti. Até que vi. O teu cabelo de fogo. Estava escuro como breu e nesta total ausência de luz, o teu cabelo brilhava. Irradiava. Encantado aproximei-me. Viraste-te. Sorriste. Olhaste para mim e sorriste. Sorriste. Eu tinha que ficar. Não poderia ir-me embora e desistir. Tu sorriste. E fiquei a olhar-te em silêncio, como tantas vezes faziamos. Nunca percebi o significado desses olhares e continuo sem perceber. (...) Porque é que olhas para mim?
Depois de te decorar o rosto e os olhos, rimo-nos. Não sei bem do quê ou de quem. Talvez deles. Deles que em vida me disseram que era impossível eu ter algo contigo. Que eu sou inferior a ti. Que tu não és flor que se cheire. Mas ali estávamos a rir-nos deles e das suas palavras. Apenas palavras. E fomos aproximando-nos e o riso foi desvanecendo para dar lugar mais uma vez ao silêncio. Ali, engolido na tua sombra, nos teus cabelos e nos teu olhos, o teu silêncio valia mil vezes mais que as palavras que eles fabricavam. Um silêncio perfeito. E eu, mero mortal, aproximava-me cada vez mais dela, bela deusa. Os meus lábios roçavam nos teus. Um beijo. Aquilo que eles não queriam e duvidavam, estava a acontecer. Eu amava-te e e tu também. Dançámos, voámos, sonhámos. Beijei-te e o mundo tinha significado, o amor existia e tu, tu amávas-me. Num silêncio que era tudo, a tua sombra e o teu corpo envolvia-me cada vez mais até nos tornarmos um só. E sabes o que é que aconteceu a seguir?

Acordei.

H.P