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A conta se faz favor...
As luzes de néon foram-se desligando e o dono do café olhava para a mesa do fundo pensando renitente… Deveria pedir-lhe que saísse? Bem, sempre eram quatro horas da manhã e deveria ter fechado às duas... Porque é que aquele estranho e macambúzio personagem simplesmente não pagava e se ia embora?
Faltava-lhe coragem, ou melhor coragem talvez não fosse a palavra certa. Não era capaz do mandar sair. Porquê? Não sabia… mas a ideia de pedir a um cliente que se fosse embora parecia-lhe como que contraproducente, era quase como matar a galinha dos ovos de ouro... O que já era, sem dúvida, fantasia a mais, mas era a imagem que lhe surgia na mente sempre que se tentava convencer a mandar alguém embora.
Apenas duas únicas pessoas existiam ali: ele e o misantropo cliente. Os empregados há muito haviam saído, até as cadeiras já estavam de pernas para o ar em cima das mesas… excepto, claro, a do fundo. Nessa, o estranho bebia há duas hora e meia, calma e languidamente, o seu “Blood Mary”.
Tornava-se forçoso agir. E se polícia ali passasse? Não seria a primeira multa, arriscar-se-ia a perder a licença? Apesar de o café ser um passatempo de fim-de-semana, não o queria ter de o abandonar. Mas, pura e simplesmente, não era capaz de se aproximar do homem e dizer-lhe: — Saia, por favor, temos de fechar! Se ao menos ainda tivesse um dos dois empregados em quem delegar a tão nefasta tarefa.
O homem acendeu mais um cigarro e colocou o maço em cima da mesa como quem se prepara para ficar. Os gestos dele reflectiam tal naturalidade que parceria ser o mais trivial, estar ali às quatro e meia da manhã a fumar, tranquilamente, num café deserto. Era inútil para o dono tentar convencer a fazer alguma coisa e os minutos não paravam, não esperavam... Tiquetaque, tiquetaque... que barulho infernal, e já cinco horas marcavam os ponteiros... Cinco e meia da manhã... já não aguentava de sono queria ir para casa. Isso significava uma hora de carro ainda por cima amanhã era segunda-feira e tinha de acordar às nove. Aproximou da mesa do fundo balbuciando:
— Olhe, não que eu o queira mandar embora... Mas isto era para fechar às duas… E não sei estão ver já são seis...
— Compreendo perfeitamente, estava apenas à espera que me pedisse para sair. Olhe, já agora era conta, se faz favor.
Miguel Raimundo
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