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Contraponto

"Lembrou-se de que não havia motivo algum paraali estar. O fumo parecia ganhar uma ténue forma física,uma massa atordoante que os envolvia e os levava consigo na sua dissipação, na eterna fusão das coisas umas com as outras. Os corpos ao seu lado animavam-se; ascadeiras ribombavam, as garrafas tilintavam, os humanos descontraíam-se numa alegria leviana que lhe parecia inconsistente, mórbida, decadente. Era uma noite comum em que tudo decorria de forma rotineira e ele ali prestes a ser fulminado por um ataque de pânico. Tentou um trago forte de whisky, para se esquivar à dor. Deixar que o corpo tome a responsabilidade e acarrete com as despesas. A vida naquelas condições parecia-lhe um filme caseiro de fraca qualidade, conduzido por um realizador bipolar com dois pólos negativos e uma perspectiva alimentada a vinho maduro tinto. Sorriu, porque tudo é comédia no fim. De resto o Universo continuava a expandir-se, também ele sujeito a esta ordem intrínseca que faz tudo acontecer. Depois, noutro sítio qualquer daquela noite banal lembrou-se que o tempo não existia. O whisky, por exemplo, existia-lhe a cavalgar rápido e excitado pela corrente sanguínea alvoraçando o sistema. O tempo era só uma maneira de estar em consonância com as coisas a passarem para o passado. O filme rolava aborrecido, enquanto ela lhe sorria com demasiada força, expondo de imediato o desejo incontrolável do corpo alcoolizado. A sua boca amarga ataca-o com a vontade de um animal feroz em pleno cio, como se de facto tentasse devorar-lhe a carne. Fechou os olhos e deixou-se ser alimento, uma vez que não tinha mais nada para ser. Acordou em casa sem saber como tinha ido lá parar. Lembrou-se que o passado não existia. Enterrou a cabeça na almofada reabituando-se ao peso bruto que esta infligia sob o pescoço. Ao despertar era-lhe sempre mais difícil, porque é altura de dar vida ao mundo todo. E o mundo todo é muito grande e volumoso, principalmente na hora de içar o corpo pálido e derrotado da cama. Atentou com minúcia a reflexão do seu rosto no espelho. Parecia-lhe uma amálgama de instrumentos com defeito, atirados para um canto a envelhecer. Agora que não tinha nem motivo, nem tempo e o passado era um truque da imaginação faltava-lhe, essencialmente, um lugar comum. Um pedaço de chão onde se não sentisse humilhado e pudesse tomar sem medo como seu. O pequeno silvar das raízes a crescerem de novo em sintonia, a cederem-lhe de volta as formas do rosto. Achou algures que tinha endoidecido, mas não se importou. Dizia que a realidade é intransmissível. Uma massa muito densa que escorre invisível pelo espaço. Está em todo lado, cada um toma a sua parte e não é culpa de ninguém."

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domingo, abril 1, 2012 - 23:06

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RúbenQueirós

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Prosas/Contos Contraponto 0 279 04/01/2012 - 23:06 Português