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CUIDA DE TI

CUIDA DE TI...

As portas de vidro abriram-se e o sol daquela última manhã de Janeiro tomou conta do seu límpido olhar azul, frágil humedecido com todo o pressentimento que a abalava por dentro, desde a hora em que fora dita a quase toda verdade, deitada nos seus braços nua conformada no inconformismo existencial do homem que a tivera em si, sem lhe dar tempo de fazer crescer o amor que lhe tinha, pois desde o primeiro segundo que a conhecera sempre exigira demasiado dela.
Ali estava então, de fora do motel, com tanto por contar, enquanto ele entregava a chave e se despedia da recepcionista.
- Cuida de ti…- assim se despediu com um abraço muito apertado, o olhar sempre vago, e as palavras sem identidade, os dois abraçados frente as portas de vidro da entrada do motel, deixando toda aquela noite de revelação premeditada num delével beijo sem chama, a anunciar a despedida para sempre, esse adeus que começara resvalando na brancura dos lençóis, no arrefecido leito que sentira ao sabor da sua história confusa e inacabada.
Ela sentira a despedida nos gestos quase apagados com que a entrelaçara essa noite já de si conturbada pela sensação com que vivia nos últimos dias de que ele desprendia os laços que nunca tinham chegado a unir, um e outro. No vago sentido de tanta mentira e omissão, deixava para trás as inconfidências absurdas de todas as identidades construídas a sua volta na incompreensível resistência a esse enamoramento precoce depois do contacto visual no passo dado do virtual ao real conhecimento.
Sabia dentro de si que jamais conheceria a verdadeira identidade dele. Mas sentia necessidade de saber o porquê de todo aquele mistério, ainda que as suas amigas a bombardeassem com a ideia fixa de que ele era casado de certeza, nunca admitiria qualquer aproximação se isso fosse verdade, e agora que o amor a pegava de surpresa, deixava simplesmente de saber lidar com aquela situação de impasse no seu relacionamento, pois ele era já parte do tanto que sentia, do afecto, do apego, do aconchego que necessitava dos seus braços, dos seus beijos, do seu sexo, já que nada se negava nesses encontros atribulados, ansiava por chegar aos seus braços pelo amor que já lhe tinha, gratuito, afectivo, sincero, pedia-o nos seus pensamentos, nesse tempo sem tempo aprendia a gostar dele sem saber quem ele era, contra toda a racionalidade objectiva, impunha-se a preocupação de o mimar, amar, sentir, cuidando dessa atracção revolutiva que os aproximara sem tempo prévio, apenas porque a paixão acontece.
Era um todo precoce e isso sentia-o bem. Como se sentia muda sem conseguir dizer as palavras que necessitava para que parte de si mesma, lutasse contra aquele abandono que se anunciava nessa preocupação… cuida de ti… essas tristes palavras que ficavam na partida entre dos dois, no rasgar simbólico da verdade contada por ele, e a assunção de que realmente algo não combinava com tanta confusão engendrada por ele, para se aproximar dela. Demasiados nomes para uma só pessoa, e com que objectivos o faria, inventando ser alguém livre e totalmente descomprometido, pronto a amar e ser amado, desejando-a num apaixonado consentimento com a vida a pensar um futuro a dois, no incontido querer de beijos abraços e amor feito com loucura e sedução em entendimento absoluto, sem qualquer dúvida sobre esse desejo tido corpo e mente.
Olhava o tempo lá fora, na sua timidez de primavera amordaçada pelo temporal que se fazia sentir, sentada na cadeira de baloiço, alisava o ventre redondo que começava a tomar forma de aconchego, ninho abrigando o ser, fruto desses encontros, escapadelas, em que amava e era amada, em loucura e paixão, entre lençóis secretos e sussurros delirantes, de pele com pele, fogo com água em chamas, no silêncio desmesurado de toda a excitação dos sentidos partilhados nesse leito de pecado e luxúria.
O pensamento baloiçava nas oscilações temperadas de desespero saudade em que se rendia sempre que a maternidade lhe lembrava esse amor.
Por mais triste que fosse… sofria sozinha, em segredo, essa sua aventura que lhe deixara vida por dentro, repetindo vezes sem conta, mentalmente, a última mensagem que recebera via sms, «nunca te arrependas do que fizeste... pelo menos comigo... ainda não entendi bem porque te sentes mal pois o que fizemos não foi mais do que o que a nossa química nos pedia... só temos que aceitar que é mais uma fase das nossas vidas e que não pode haver sentimento de culpa... sabes que podes contar comigo tanto na amizade como na dignidade porque para mim eras, és, e serás, uma mulher com M grande…», assim terminou o contacto, pois essas palavras foram a última gota no desprendimento de toda a relação, já sem conserto possível, num desmoronamento sentimental sem conexão nem laços que pudessem segurar a mesma vontade entre os dois.
Ela entendeu que o que havia entre os dois era mesmo só cama, e nesse mesmo instante dilacerou se toda por dentro a ponto de se mutilar mentalmente, rasgando em dois o coração apaixonado.
A vida ingrata já a privara dos afectos de quem a acompanhava vida fora. A vida privava-a agora, de mudar de vida, pela força do amor que pedia constantemente quase exigindo o que sentia merecer. A vida tirava-lhe tudo desacreditando esse amor encaixe de afectos supervisionados pelo direito de ser quem era, mulher capaz de amar carinhosamente numa partilha sem limites, com a solidariedade dos sentimentos feitos de paixão.
Sabia-se sozinha nesse futuro que tinha já quatro meses, sem culpa nem compromisso, sorria embalada pela tristeza do dia cinzento que teimava em chorar as mesmas lágrimas que ela por desespero de amor agora transformado em gotas brilhantes de chuva escorrendo pela vidraça, formando favos humedecidos em transparência sem cor, do mesmo azul, fundo do mar, dos seus olhos escurecidos pela obscuridade da falta de sol.
Pensava no nome que daria a esse sonho que vivia por dentro de si nas suas entranhas. Seria Rodrigo, David, Rui, Luís, Joaquim….
Seria rapaz disso tinha a certeza. Por segundos sorria ao lembrar a devoção da entrega a esse homem sobre a cama daquele quarto de motel. Como ele a fizera mesmo sentir mulher, amada, desejada, venerada como deusa, musa, dama, rainha, princesa, feiticeira, mulher de tantos adjectivos afigurados nesse tesão ensandecido sobre a brancura dos lençóis perfumados de loucura de todos os fluidos escorridos, fundidos, derretidos corpo a corpo, mente a mente, sem qualquer excepção, no colo de todos os sentidos cuidados entre dois.
...
musa

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quinta-feira, maio 26, 2011 - 17:39

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