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Eu tive um sonho ruim...
Acordo de um sonho ruim.
Ainda na boca o gosto de um cálice de vinho do porto que me serviu de sonífero e o gosto ruim dos últimos seis cigarros fumados enquanto via MTV até Morfeu ter vindo dar-me boa noite.
Acordo e fico em dúvida, se aquele ambiente que eu me encontro é a realidade ou o do sonho é mais real.
Olho em volta, estranho o lugar. Um hotel barato, decorado com mal gosto. Olho ao lado os cigarros da noite anterior, o único copo vazio, o computador ao lado, na cama, ocupando o lugar do par, piscando as luzinhas para mim, simulando ter vida.
Não, aqui é a realidade!
Penso como tudo nesta minha vida é surreal. Por um minuto me passa a vida de Salvador Dali e Gala na cabeça. Penso: “Ele era fantástico!”
Queria eu poder mudar para o mundo de Dali, viver por lá, nunca mais sair. Olho o celular, e vejo-o escorrendo pelo canto da cama, junto com o tempo. O meu tempo.
Lembro do sonho, sinto um aperto no peito, lembro do Dali e Gala novamente. Ela dez anos mais velha que ele, e sua eterna musa. Eles teriam de ser felizes, ou melhor teriam de se amar, nem sempre amar é ser feliz, mas com certeza, no mundo de Dali, as realidades não são absolutas.
Sinto frio, é inverno, lá fora faz dois graus.
O quarto está sufocante com o ar viciado do ar condicionado barulhento mais os cigarros. Hoje dormi oito horas, tão diferente das minhas habituais 3 horas de sono. Sinto o corpo empastado, doído...
Dormi nua, adoro dormir assim quando estou só. Pois quando não estou só sempre tem uma criança pulando para minha cama no meio da noite. Este pensamento me trás uma onda de saudade. Os filhos na casa do pai de férias, um momento novo para mim.
Mas mesmo assim, demoro-me sentindo meu corpo embaixo das cobertas, quente, solitário.
Lembro a última noite. Tudo tão rarefeito e distante. Tudo tão surreal. Dali parece que está ao pé da cama rindo de ver meu corpo desfazer-se e ficar apenas o contorno marcado na espuma derretida . Sinto-me assim, afundada em um colchão de espuma, amortecida para o mundo. Acolchoada, isolada, embebida neste meu mundo imaginário, onde a realidade é apenas um conceito imperfeito.
O telefone desperta. Rompe o silêncio da minha filosofia e aponta-me, afinal o lado da realidade. (não sei porque ponho despertador se sempre acordo sozinha antes dele, acho que é para saber qual o lado que realmente estou, a realidade não o sonho).
Da vontade de chorar. Prefiro o mundo de Dali com o amor por Gala, a velha musa eterna.Mas não sou Dali, e Ele não é Gala.
Lembro do sonho, da noite, dos cigarros, dos programas idiotas da MTV e surge a voz do Cazuza, “eu tive um sonho ruim e acordei chorando...” E fica, rimbombando na minha cabeça.
Olho o telefone. Torço para minha mão derreter, ou ficar grande demais para eu não puder discar os números.
(Se ele soubesse a força que faço para não ligar. Valorizaria muito mais as minhas ligações. Elas são frutos de uma série de conjecturas, filosofias, análises e sempre se decidem em um impulso. Mas é todo um processo, que começa com raciocínios lúcidos e termina com um “FODA-SE, vou ligar!”)
Ligo:
-Oi amor, tive um sonho ruim...
-Sonho não existe, tudo que é subjetivo não existe, não é verdade.
-Diz apenas que gosta de mim, estou triste.
-Gosto de ti, tenho que ir trabalhar. Beijo
-Bom dia para ti, eu te...pi-pi-pi...
As lágrimas correm, queimam a face.
Olho o espelho, parece que tenho 120 anos ou talvez apenas dois ou três.
Sinto mais ainda o sufocamento do ar quente. Acendo um Marlboro (melhor estar sufocada por cigarro que pela não-vida).
Olho a sacada, o sol ainda não nasceu e eu sinto-me quase morta. O céu Azul Royal prenuncia um novo dia à guisa da minha vontade.
Falta-me o ar. Sou fumaça, sou bruma, sou sufocamento, sou lágrima, sou um sol que não nasce, sou irrealidade...
Abro a sacada, saio nua mesmo. Preciso respirar, respiro o ar da madrugada, ele petrifica meu corpo quente saído debaixo das cobertas.
Estou fria por dentro e por fora, mas é por causa do frio atmosférico. Isto me é um alento.
Nua, na rua deserta da sacada frente ao mar, o termômetro marca dois graus.
Eu rio de mim, do mundo, de tudo e penso, "penumonia não é uma boa morte".
Vejo-me escorrendo, desmanchada, apenas uma mancha escura na areia da praia. Um nada, um picolé de gente a ser lambido pelo vento da loucura derretendo-se ao tempo e à solidão auto-imposta pela sinuosidade dos giros cerebrais. Sinto-me enfim bem:
"Sou um quadro do Dali."
Entro no saguão do hotel, já vestida como uma tecnocrata de sucesso, independente e poderosa, olho as pessoas à volta, os olhares analíticos das mulheres e os de soslaio dos homens... Sirvo meu café e rio. Sentada sozinha na mesa escondida, no canto, com vista para a rua:
"Sobrevivi a mim mesma".
Agora os outros sobrevivam a mim.
Bom dia!
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