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A Língua na Orelha
Não sei bem se era meus olhos ou as luzes do bar estavam cada vez mais ofuscadas pela fumaça dos cigarros espalhados pelo amplo salão do bar. Minha cabeça começava a rodopiar. Ou eram as pessoas que rodopiavam? Uma ânsia de vomito se apoderou do meu estomago. Acho que foi o Martini ou a caipirinha que ingeri. Uma vontade louca de me deitar, mesmo que fosse ali naquela mesa de bar. Dessa forma não entendi muito bem o que ela queria. Nem mesmo sei como ela era. Não me lembro.
Na tarde daquele dia eu me deparei com uma ansiedade enorme de sair da rotina. Minha cabeça sempre foi voltada para os estudos. Talvez por pressão dos meus pais e por mim mesmo e meu objetivo de ser alguém na vida. Resolvi, então, que naquela noite iria fazer alguma coisa diferente do que estava acostumado a fazer sempre. Levantava-me cedo para estudar. De manha a mente está desocupada e aberta as novas leituras. À tarde eu trabalhava em um serviço para complementar a renda do aluguel e apostilas da faculdade. À noite, quase sempre, ia para a biblioteca complementar os estudos. O resultado desse esforço era sempre estar entre os primeiros da turma. De certa forma tinha lá suas vantagens. Vez ou outra uma gostosinha da sala me procurava para ajudá-la nas atividades. Mas o medo de avançar além das atividades me impedia de ter sucesso com elas.
Foi pensando em fazer algo diferente, mesmo que por um dia, que me impeliu a planejar fazer uma viagem diferente naquele dia. No crepúsculo daquele dia tomei um banho e sai. Literalmente atravessei a cidade e entrei em um movimentado bar. Comprei um maço de cigarros. Já que ia ser um fumante passivo resolvi experimentar como era ser um fumante ativo. Encostei-me no balcão e pedi uma bebida. Olhei as pessoas que jogavam sinuca e outras que conversavam e bebiam sentados nas mesas espalhadas pelo salão. No fundo, um conjunto de jovens afinava os instrumentos musicais para tocar musica ao vivo mais tarde. Foi o que deduzi na hora. Observando esse detalhe nem reparei na bebida que me deram no balcão. Virei goela abaixo e aquilo entrou queimando. Senti uma vertigem e fechei os olhos forcadamente.
Após alguns minutos ali esperando que o efeito da bebida passasse me dirigi a uma mesa e sentei-me. Tentei me comportar como um desses caras que saem todas as noites para esses lugares, mas acho que meu comportamento me denunciava. Eu estava em um ambiente hostil a minha educação familiar. O jeito seria beber mais um pouco. Pedi a uma garçonete que me trouxesse uma caipirinha. Olhei algumas mulheres naquele ambiente. A maioria quase sem roupas. Shorts e mini-saias bem curtas e blusas com decotes mostravam a vulgaridades delas. Tatuagens e pircings revelavam a banalidade do corpo. Essa minha visão nitidamente padronizada de conceitos cristãos poderia muito bem ser questionada se dissesse alguma coisa ali.
Enquanto fumava o segundo maço de cigarros e bebia a caipirinha percebi que meus olhos se turvavam naquela noite. A mistura de sons me deixava confuso. Músicas, gritos e conversas provocavam uma incógnita no ambiente. Alguns casais já dançavam pelo salão afora enquanto outras pessoas chegavam cada vez mais, lotando o ambiente. Perdi-me nas horas e não tinha noção do tempo em que estava ali. Foi nesse instante que ela apareceu.
Sem um pingo de pudor ou reserva ela chegou me abraçando. Quase cai com o peso dela se atirando sobre mim. Não me lembro de tê-la visto, mais ela parecia me conhecer de algum lugar.
_ Você faz que curso mesmo?
_ Biologia – menti. Eu era estudante de direito, mas estava interessado nos procedimentos da Biologia que une um homem e uma mulher. Na verdade, queria muito ver como isso funcionava na prática.
_ Hum!
A língua dela entrou na minha orelha e virei à cabeça para o lado. Acho que ela queria beijar a minha boca e acabou errando. Minha cabeça não estava muito boa. A mistura de Martini e caipirinha não me fazia muito bem. E eu não era acostumado com bebidas. Muito menos com cigarros. Meu estomago estava embrulhando e uma vontade louca de vomitar me dominava.
_ Você teria coragem de deixar sua namorada sozinha em um bar como este?
A pergunta dela me deixou desorientado. Sei lá! Se tivesse uma namorada decente, com certeza, nem pisaria num ambiente daquele. Estaria em um cinema, na praça ou em um clube mais familiar.
_ O meu namorado me deixou aqui e saiu com os amigos para buscar outros colegas. O que faço enquanto ele não chega?
Dessa vez ela acertou. A língua dela adentrou a minha boca e uma mistura de êxtase tomou conta do meu corpo. Senti um calafrio subindo pela espinha. O beijo durou alguns segundos. Caímos no chão. O peso dela se apoiando em mim e minhas pernas bambas não sustentaram a situação. No tombo levamos algumas mesas e cadeiras. As pessoas olharam. Alguns riram, outros nos ajudaram a levantar. Meu estomago não resistiu. Vomitei no salão. Gritos de nojo puderam ser ouvidos longe e pessoas se afastando. Uma garçonete me ajudou ir até o banheiro.
Molhei a cabeça e pude sentir um pequeno alivio. Não sabia como era o rosto da mulher que me beijou. Não conseguia visualizar mais nada naquela noite. Não sei quem estava mais bêbado. Eu ou ela.
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Comentários
Re: A Língua na Orelha
O beijo é algo tão divino que deve ser muito triste não se saber por quem fomos beijados.
Ótimo texto.
Um abraço,
REF
Re: A Língua na Orelha
Que noite terrível vc conta em tão elaborado texto! Parabéns!
Re: A Língua na Orelha
Gostei muito Odair!
A sua escrita prende o leitor, permite ver os cenários das personagens pelos seus olhos, visualizando cada detalhe mas sem travar a imaginação, despertando gradualmente o interesse pelo movimento e conhecimento do universo pessoal de cada interveniente na história!
Beijinho em si!
Inês Dunas