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Medo de Crescer :: Capitulo Um :: O Despertar :: 001
Pequenas gotículas de orvalho escorrem languidamente, nas finas folhas da aromática erva juvenil, acompanhadas por uma doce brisa, um perfeito véu, um manto… de quase luxúria, tocam delicadamente sobre as finas folhas de erva, envolvendo-as como o abraço firme e sensual de uma dança exótica, desmentindo a sua inóspita e frágil resistência ao abanar os seus finos caules, fecundando a terra, com as gotículas de orvalho graciosamente caídas sobre o solo, alisam a sua aspereza e humedecem gentilmente cada minúsculo grão de areia, tornando-a fecunda.
Ao longe… um grito! Um troar incessante, um rasgar assustador e ritmado que retalha o sensual murmurinho da doce brisa… cada vez mais próximo, um pedido de ajuda em tons compassados, um possante e fulgurado gritar… Por um momento, um silêncio… quedada a quebra no monotónico amanhecer, um retornar à dança exótica da brisa matinal…
De rompante! Inesperado, um vulto proeminente, do nada! Esmaga a erva fresca, interrompendo o saciar da terra ávida e sacudindo a própria brisa num abrupto, grosseiro e mal-educado movimento, irrompe a imagem cuidada do cenário primaveril… Cai um corpo, esgotado, tomba sobre o solo… desfalecido, esvaído de vontade própria ou qualquer capacidade em movimentar-se, um corpo jovem, sem no entanto dar conta da própria presença que fractura a habitual rotina matinal.
Estendido, como um poema há já muito… abalado, abandonado e renegado. Jaz o corpo imóvel num estado de hibernação profunda, deitado sobre a erva, perdido, à mercê da impiedosa e cruel atitude do tempo. Da sua forma imóvel, visíveis movimentos, apenas alguns passageiros e breves balanceados no cabelo descaído sobre o rosto e que o cobre parcialmente, escondendo a quase totalidade das suas pálpebras, que de vez a revés, similar ao ir e voltar das ondas do mar, são descobertas, desnudadas em consonância com o sopro da brisa, um mágico sussurro quase intemporal, que elegantemente descobre as cerradas pálpebras desse ser caído, juntando à dança das ervas, as bravas madeixas castanhas e desgrenhadas.
Desmaiado… todo o dia, passado o crepúsculo do fim de tarde e finalmente finda a escuridão da noite, dando lugar a nova alvorada, de novo! Compõe-se o misticismo dos movimentos matinais. O seu rosto humedecido pelo orvalhar nocturno, coberto de pequenas gotículas de água, aquecidas pelo primeiro raiar da luz do sol, disformam-se e escorrem percorrendo de forma airada e suave a sua pele, empurrando pequenos grãos de areia ainda colados no rosto, que devido à trepidação da anterior queda do corpo, foram projectados de encontro ao suor residente nos seus poros cansados.
As gotículas de água, fundem-se entre elas, criando uma maior massa, percorrem a face de encontro aos lábios entreabertos, fornecendo uma fonte de restauração, um despertar amainado, uma hipótese de revitalização. Provocam ao corpo uma sensação de frescura, um toque de vida! Resultando em leves murmurinhos, gemidos fugidios, ténues movimentos faciais e um dormente, trepidar das pálpebras ainda fechadas.
Ainda não desperto, ergue a mão, levando-a ao rosto e esfrega os lábios, premindo para o interior da boca, os grãos de areia alojados no canto dos lábios. Abruptamente! Assusta-se, imponente ergue-se ofendido por tal afronta, cuspindo e limpando com as costas da mão, os grãos de areia alojados na boca. Abre os olhos e… exclamado, perante suave cenário, freneticamente leva as duas mãos ao rosto e esfrega-o, como se pudesse despertar a visão dos seus olhos, acordando-os da irreal miragem. Abre novamente os olhos e circunda, rastreia todo o espaço envolvente, colado no seu rosto um ar de interrogação, até mesmo indignação! E… retoricamente fala consigo mesmo – Onde está? Estou…? Como… com… o que é isto? Ah! Outra vez… – Apossou-se de um silêncio inquietante, algo nervoso… assentando pouco a pouco, calmamente a sua ira estupefacta, e finalmente num breve, rápido suspiro, restaura o equilíbrio da restante sanidade mental ainda residente na mente irrequieta.
Erguido e convalescente, tenta reviver o tempo passado, qual rumo tomou ou o forçou a despertar em recôndito espaço – Assim lhe parecia – semblante, ermo prado, onde abrira os olhos, deparando-se incognitamente, duvidando e interrogando-se de estar acordado ou até mesmo quem seria? Se de facto era?!
João… Apesar dos seus, poucos e escassos 16 invernos passados, infortunadamente, diagnosticado há um ano atrás de crónico amnésico, uma deficiência induzida no passado, e porquê? Qual causa de tal malfeito? Tornara-o, numa frágil e delicada mente, provendo-o de duvidoso equilíbrio psíquico, fortemente abalado pelas suas quebras de memória, lapsos temporais que não lhe permitem por vezes, relembrar dias inteiros, semanas e até meses perdidos, vagados no espaço-tempo e agora as ultimas horas passadas.
Um jovem… Na flor da idade, proprietário de uma fisionomia musculada, talvez resultado de hábitos desportivos ou até mesmo derivado de trabalhos precários ou forçados. Quem sabe? – João não se lembra dessa parte da sua misteriosa curta vida – E que agora parecia-lhe infindável.
Acredita estar no ano de 1929 e, pelos seus trajes, será pobre, quase não deixavam dúvidas, sujos, rotos e destruídos ao que parecia pelo tempo, não seria o facto de ter acordado sem saber da sua mais recente caminhada, a chegada a este local.
– Seriam os vestígios evidentes na roupa, o resultado de uma luta pela sobrevivência? Ou da fuga de um estabelecimento prisional? Um foragido? – Para João, especular de forma arbitrária sem juízos de personalidade, valores ou senso comum, era um já velho hábito. Pois, quem sabe por onde andou?
– Oh! João… – Replicou, em familiar tom de desaprovação, como o ralhar de uma mãe ao seu filho, após ele espojar-se na lama Outonal das primeiras chuvas e ter esfarrapado a camisa mais recente a ser usada pelo Natal. João vive há muito, num limbo entre a realidade e o irreal, numa luta frenética com a própria mente; e, zangado consigo ao desmembrar passados infortúnios, largadas horas vagadas, tornando-o inseguro ao dificultar as suas decisões, ofertando-lhe uma constante dúvida entre o certo e o errado.
(Continua...)
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