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O homem que queria parar o tempo

Trancou-se em casa, longe do mundo, intocável, imperturbável.
Pendurado na parede estava um relógio antigo de cuco que de hora a hora se abria a porta e saía aquela pequena ave a anunciar mais uma hora que passou. Dirigiu-se ao relógio, abriu a portas, pegou no cuco e, sem piedade matou-o. De martelo na mão inúmeras vezes esmagou aquela “criatura” contra a bancada. Nem o pêndulo se ouvia a balançar de um lado para outro, somente as marteladas na madeira com a raiva e desespero de quem levantava o martelo bem no ar e condensava toda a sua frustração naquela martelada assassina na cabeça do cuco. Matou-o, destruiu-o até não sobrar nada. Se o cuco não saísse a anunciar as horas queria dizer que as horas não passavam.
Fechou as janelas e correu os estores para o sol não nascer. Conseguiu prender a noite dentro daquelas quatro paredes a que um dia teria chamado de casa, se os dias não mais nascessem o tempo não andava. Como um louco, empurrou a clepsidra para o chão, contemplando o estrondoso barulho do vidro a partir e sorriu ao ver a água escorrer pelos tacos de madeira, a entrar nas fendas do chão até desaparecer. Ficaram apenas os vidros, cacos de um medidor de tempo que não media mais nada, nunca mais. A água já não escorria, já não media o tempo. Sem água, o tempo não corre. Ao caminhar para a cómoda no centro da sala, pisava os vidros espalhados pelo chão. A cada passo destruía mais um pedaço de vidro que já não pode contar o tempo. De um caco fez centenas. O som do vidro a despedaçar era música para os seus ouvidos. Suspirava tremulamente por ver o seu objectivo tão perto. Chegou à cómoda, pegou na ampulheta e segurou-a com toda a força que tinha. Contemplou a areia a cair, tão límpida e serena. Ergueu o braço o mais que pôde e num só gesto arremessou-a contra a parede. Caiu primeiro a madeira que revestia o vidro, de seguida, ouviram-se os vidros que se partiram na violência com que chocaram contra a parede a caírem no chão partindo-se ainda em mais pedaços daquele frágil vidro. Ficou uma nuvem, parecendo quase parada no ar, de areia. Pareciam brilhar no escuro os grãos de areia fina no ar, a cair suave e silenciosamente no chão. A areia não iria correr mais na ampulheta. O tempo havia parado.
Com medo que o sol voltasse a nascer, permaneceu confinado aquelas paredes, no escuro, tempo sem conta, pois o tempo tinha parado. Para ele, tinha conseguido finalmente parar o tempo. Longe de tudo e todos, no escuro, esperou e esperou e esperou.
Mas o tempo não parou. O sol, embora não brilhasse lá dentro, não deixava de nascer e de se pôr, em turnos com a lua. Os segundos corriam, os minutos passavam e as horas continuavam a ser anunciadas pelos outros cucos de outros relógios e pelos outros sinos. Os dias vinham e iam, as semanas, os meses… os anos passaram.
No breu que o envolvia, rendido à inércia, que o tinha posto na posição em que o tempo não passava, interrogava-se onde estaria o sentido das coisas sem o passar do tempo. Que objectivo ou função teria ele para ficar ali, inerte, só, parado com o tempo. Os risos que não se ouviam, os beijos que não eram dados pois o tempo não passava. Não havia tempo para viver num tempo parado.
Quando decidiu abrir as janelas, a luz prateada do luar invadiu a sala desvendando o cenário de destruição que se fazia notar na sala. O sol não nasceu, pensou. Abriu a porta e saiu à rua. Uma suave brisa fresca acariciou-lhe o rosto e fez abanar ligeiramente a barba que não era desfeita há quanto tempo tinha o tempo parado. Caminhou pelas ruas desertas da cidade até que chegou ao lago. Espreitou o reflexo na água e quando viu a sua imagem espelhada tomou consciência que, afinal, o tempo não tinha parado, ele é que tinha fugido, nada mais.
Não gritou, não riu, a única reacção que teve foi, simplesmente, uma lágrima que ao cair lhe desfez a cara, o reflexo.

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quarta-feira, novembro 11, 2009 - 14:29

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Moon_T

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Comentários

imagem de IsabelPinto

Re: O homem que queria parar o tempo

Olá Moon_T,

E se o tempo parasse o que faríamos sem ele? Já que ele existe podemos mata-lo, afogar as noites em lágrimas e os dias derreta-los com a luz solar.

Gostei imenso da tua prosa muito bem escrita, num quadro fantasioso projectaste a vida a que muitas pessoas estão sujeitas, onde os simples gestos do dia-a-dia encontram-se condicionados pela angústia de um simples aproximar da janela.

Bjs
I

imagem de Librisscriptaest

Re: O homem que queria parar o tempo

Um texto intenso, o principio é perturbador... Qtas vezes gostariamos de poder parar o tempo... Gostei imenso!
Beijinho em si!
Inês Dunas

imagem de ÔNIX

Re: O homem que queria parar o tempo

Um bom texto, um bom conto, que já tinha lido e que adorei ler.

Uma fuga que nem sempre se pode considerar fora de tempo

Bjs

Matilde D'ônix

imagem de Lena

Re: O homem que queria parar o tempo

... porque o tempo nunca para!!
Excelente texto, por momentos senti que aqui o tempo parou!!

Beijinhos

imagem de RobertoEstevesdaFonseca

Re: O homem que queria parar o tempo

Lindo texto, parabéns,
Um abraço,
REF

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