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O Segundo Milagre XV - FIM

XV

Como uma alma penada, Abílio, avançou à hora do crepúsculo, na direcção da mata, percorrendo o carreiro por entre terras de cultivo agora abandonadas, socalco em socalco, até atingir por fim a densa parede de vegetação da floresta onde se encontra a ponte improvisada com a árvore caída sob a distância do ribeiro que passa por baixo num lusco-fusco de cor violeta. Avança sobre ela com a destreza de um equilibrista e num instante encontra-se no seio da mata. Do outro lado do ribeiro.
Na ligeira encosta atrás de si, cravados na terra húmida, saltavam à vista a capa de o Equador e um pouco mais a baixo Em Busca do Carneiro Selvagem. Os jornais estavam um pouco mais ao lado. Podia ler-se na primeira página da gazeta: O Costa é que a sabe toda.
Alheio a tudo isto, Abílio avançou como flutuasse na direcção da secular boca de mina que estava uns metros mais à frente e mais para cima e ali parou com o ramo de rosas brancas na mão e com a outra mão pendendo para o chão. Esperava qualquer coisa.
O que é que se pode esperar por aqui? No meio desta penumbra imaginária No meio disto tudo estou eu. E o que é que eu ando a fazer aqui?
Aqui, no escuro, tudo pode acontecer. Quando os elementos se misturam, cria-se uma espécie de equilíbrio entre as texturas das coisas e tudo se torna numa única mistura mágica. A vida.
Podia contudo ver-se no semblante de Abílio que ele estava tranquilo e misteriosamente feliz. Não se pode dizer que estivesse a sorrir. Um brilho de alegria invisível iluminava qualquer dentro de si.
Na mata tudo estava natural. As águas corriam livremente atrás de si misturando o seu som com o da brisa que circulava por entre as ramagens. Os pássaros chilreavam anunciando o recolher nocturno nos seus poisos protegidos e preferidos. Não muito longe dali, de novo ecoavam os gritos de quem corre atrás de uma bola. Uma voz interrompeu o ambiente:
- Olá Abílio. Ainda bem que vieste.
- Olá. – Respondeu Abílio serenamente.
- Sabes por estás aqui? – Voltou a voz.
- Não. Mas sinto-me bem aqui.
- Sim. Estás próximo do teu destino Abílio e o que sentes é a concretização dos teus mais puros e recônditos anseios.
- Sim. – Respondia Abílio quase hipnoticamente, enquanto o outro retorquia:
- Sabes Abílio. Tu foste escolhido há muitos anos atrás. Eu estive sempre ao teu lado desde o primeiro dia que vieste ao mundo. A vida foi-te cruel porque estava escrito que tinha que ser assim. Sofreste calado a tristeza de não teres pais e nunca usaste isso como desculpa, como motivo de revolta contra quem quer que fosse. Podias ter escolhido o caminho mais fácil e deixares a infelicidade decidir por ti, mas não, mantiveste-te sempre fiel. Foste sempre correcto, humilde, bom e é por isso que eu estou aqui.
- Sim respondeu Abílio.
- Já cumpriste exemplarmente o teu dever por estas bandas e agora o céu precisa de ti.
- Sim.
- A ignorância, a ganância e essa crescente depravação humana na terra (principalmente nesta cidade que tanto bem prometeu dar ao povo) estão a provocar um desequilíbrio na harmonia celestial e por consequência também o paraíso está a dar sinais dessa conjuntura apocalíptica. No paraíso são as plantas os primeiros seres a prenunciar a iminente desgraça. Inúmeras pragas estão a abater-se sobre toda a flora edénica e é aí que entras tu Abílio. O paraíso precisa de um jardineiro puro e perfeito como tu. És uma espécie de Galaaz da Távola Redonda.
Em toda a eternidade da minha existência tenho sentido várias presenças capazes de equilibrar os desígnios do bem. Essa transcendente energia que sempre te envolveu trouxe-me até ti desde o teu primeiro momento inteligente. Contudo preciso que saibas que não obrigo ninguém a nada e que só o teu querer te levará até ao céu.
Um breve silêncio envolveu como uma manta quentinha aconchega os velhinhos no inverno toda a atmosfera ligeiramente arrefecida antes que Abílio respondesse tão serena quão confiantemente:
- Sim. Eu já sabia. Eu estou pronto.
A voz ouvia isto e tinha ao mesmo tempo vontade de lhe dizer mais qualquer coisa. Dar-lhe um conforto antecipado que talvez animasse um pouco mais o seu espírito dormente. Pensava:
- Talvez lhe pudesse dizer que irá finalmente encontrar a sua família. Mas não posso. Não tenho esse direito. E bem visto, assim a surpresa será muito maior.
Assim, como estivesse escrito que assim aconteceria, Abílio avançou calma e decididamente na direcção da entrada da mina. Houve um instante silencioso rompido até à normalidade pelo crocitar alvoraçado de um grupo de corvos.

Na Gazeta das Caldas da semana seguinte entre muitas outras notícias, uma pequena, dava conhecimento de uma história contada por um apanha-bolas do Caldas Sport Clube que fizera uma funesta descoberta na mata da Caldas. Quando andava à procura de bolas que passavam por cima da rede de protecção sul do campo n.º 2, descobriu à entrada de uma antiga mina, um corpo já sem vida de um rapaz que viria posteriormente a ser identificado como sendo o de Abílio Francisco Caldas. Um jovem sem família que vendia flores na praça da fruta e morava perto do local onde fora encontrado morto. O corpo do rapaz estava caído mesmo em frente à boca da mina em posição fetal e segurava na mão esquerda um grande ramo de rosas brancas. O corpo não apresentava quaisquer sinais de violência e segundo a testemunha:
- Foi muito triste e arrepiante. O rapaz parecia estar vivo dormindo uma sesta feliz. Mas quando o chamei por várias vezes e não me respondeu, fui sentir-lhe o pulso (é que além de apanha-bolas, às vezes também faço de massagista) e foi quando percebi que ele estava morto. Coitado. Tão jovem. Estava tão sereno. É uma pena.
E finalizando o relato com uma sabedoria de Sherlock Holmes, disse ainda por fim na entrevista:
- Sabem? Já ouvi dizer que o rapazito não batia lá muito bem da cabeça. É assim a vida. – Terminou o Sherlock.
Na primeira página da Gazeta, em destaque e em letras bem gordas sob uma fotografia do Hospital Termal de Caldas da Rainha, podia ler-se: O milagre das flores. Em letras mais pequenas a notícia continuava: Cientistas portugueses e de todo o mundo tem tentado em vão desvendar o aparecimento por enquanto milagroso de uma intensa e agradável fragrância a flores que há já cerca de uma semana veio substituir o antigo, sulfuroso e pestilento odor das abençoadas e curativas águas termais das Caldas e que tanto desagrada os hábitos secularmente incrustados nas gentes desta terra.

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domingo, julho 26, 2009 - 17:14
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