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QUEM É QUE VEM PARA O JANTAR HOJE? Capítulo II – Batista, o Garoto de Programa
Batista era muito querido no bairro. Um rapaz de família de classe média, pais advogados, morando num bairro nobre de Porto Alegre, por mais que seus pais o recriminassem, não conseguira se afastar de suas origens. Era considerado o bem sucedido do grupo e como tinha carro, era quem dava cobertura nos negócios escusos dos rapazes. Se fosse um assalto lá estava ele num lugar estratégico esperando seus comparsas terminarem o serviço. Nunca admitiu participar diretamente da coisa, faltava coragem para encarar de frente os pobres coitados que eram roubados.
__Pobres coitados? O cacete! São burgueses que não estão nem aí para os mais pobres! Marcos sempre dizia.
__Porque conseguiram se dar bem na vida não quer dizer que são más pessoas. Quer dizer que para ser uma boa pessoa tem que ser pobre a vida toda?
__Você entendeu o que eu quis dizer cara. Essas pessoas olham para os mais probres com desprezo. Como se tivessem uma doença contagiosa...
__Isso! Vai arranjando desculpa para o que não tem desculpa. Um dia vamos todos acabar na cadeia.
__Se pensa assim, por que participa?
__Não seja cínico, você sabe muito bem porque faço isso. Seu idiota...
__A menina tem medo que todos saibam de suas preferências...
__Cala a boca! O acordo era que jamais ia falar sobre isso...
__Calma! Estamos só nos dois aqui...
__Mesmo assim.
__Olha cara! Seus pais podem ser diferente, ralaram, estudaram, sei lá mais o que...Mas 80% das pessoas que se deram bem na vida são medíocres. E eu gosto de pensar que as pessoas que assaltamos fazem parte dessa estatística. Se é verdade ou não, estou me fodendo! E quanto a você ter se desviado do caminho lá na sua querida “Itália”, isso não importa. Assuma de uma vez. Aposto que quando contava a grana depois de um encontro, não ficava se sentindo culpado com esse ou aquele que pudesse saber disso.Deu uma sonora gargalhada.
__Seu cretino! Se não fossemos tão amigos eu ia te ensinar a ficar na sua...
__Não seja cretino você. Sabe que estou certo. O seu apartamento novo, seu carro novo, suas escapadas pelas baladas, pelos lugares caros que freqüenta... aposto que é nosso trabalhinho sujo que banca.
__Tem razão. Mas eu ainda prefiro ficar na moita, dando cobertura por fora. Vocês assaltam e eu dou cobertura depois de tudo feito. E tem mais, sabe que se sujar eu caio fora, nem conheço vocês.
__E negar uma graninha fácil a sua família? Jamais! Se sujar você fica de fora sim, mas convence seu pai a defender a gente no tribunal. Ou isso ou vão saber que o filhinho deles é um mariquinha lá no estrangeiro...
__Seu porco!Por que teima em bancar o menino mau? Nós dois sabemos que não é assim. Nunca vou esquecer o fez por mim. É por isso que estou metido até o pescoço nas tuas trapalhadas.
__Ora, ora... E a minha chantagem? Não teme que eu conte o que fazia no estrangeiro?
__MC, cara...Você é o homem mais doente que eu já conheci. Sacanear as pessoas, me sacanear, tudo bem...Mas sacanear seu proprio irmão? Se eu não soubesse por ti mesmo, jamais ia acreditar. Teve a coragem de sacanear seu irmão...
__Essa conversa de novo? Eu não sacaneei ninguém. Só me precavi.
__Colocar a droga escondida nas coisas do Jovilson, como dorme a noite?
__Ah! Vocês são uns mariquinhas mesmo! Que tem isso? Ele é de menor. Se os brigadianos pegam o pó nas coisas dele, no máximo o internam um pouco, não pode responder criminalmente. Já comigo é diferente. E depois, é por pouco tempo, só até achar um lugar tranquilo, sabe que fazem marcação brava nesses casos...E também, sabe o que fazem com um detento na cadeia? Dizem que a gente tem que surrar um por dia para poder mostrar força, para não virar mamãezinha por lá...Riu debochado. Você bem que ia gostar disso, não é mesmo?
__Seu idiota! Sou homem, sabe disso...
_Homem? Conta outra... Mas vamos parar com esse blá, blá, blá...Estou com fome. Esse papo já deu para mim. Fui!
Saiu dando risadas, deixando o amigo ali, sem saber o que pensar.
Marcos era frio, perverso mesmo, mas Batista entendia seus motivos. Era um cara revoltado, como ele mesmo já fora um dia. Achava que o mundo lhe devia.
Batista não havia passado dificuldades como o amigo, mas entendia muito do comportamento humano. Não era uma má pessoa, apenas atrapalhado, mas honesto.
Os dez meses que passara na Itália foram prova do quanto podia ser atrapalhado, apesar das boas intenções.
Europa, lá vou eu...
Aquele S dourado na placa pendurada na porta do prédio dava orgulho nos pais. Todo dia paravam para contemplar.
__Dra. Helena Siqueira, Dr. Mauro Siqueira...”Dr. Jéferson Batista Siqueira”, já imaginou? A mulher estava radiante.
__Eu imagino todos os dias, mas pelo visto nosso filho não. Ele continua com aquela idéia de ir para o exterior. Dr. Mauro não tinha a mesma alegria da mulher.
__Vou falar com ele. Isso é uma fase, passa.
__Eu espero mesmo! Investi muito no futuro de nossa família. Esse guri parece não querer saber de nada abandonou a faculdade, não quer saber do trabalho...
__A juventude é assim mesmo. Até parece que nunca foi jovem!Eu vou falar novamente com ele. Entraram no prédio e nem bem abriram a porta do apartamento, já fecharam a cara.Duas malas enormes estavam paradas bem na entrada.
__Mãe, pai...Chegaram mais cedo.
__Ia viajar sem se despedir?
__Cansei de brigas mãe, só isso.
__Para onde vai?
__Está vendo?Não me escutam...Há dois meses venho contando desse intercâmbio...
__Seu bostinha. Vai se ferrar! O pai estava possesso.
__Calma Mauro. É nosso filho. Conte-me tudo. Onde vai ficar lá? Com quem vai viajar? Tem dinheiro?
__Acho bom pensar bem. Vou cortar todos os cartões. Dinheiro meu você não vai gastar nisso.
__Não se preocupe mãe. Está tudo arranjado já. É um intercâmbio. O telefone e o endereço está na mesinha do telefone. Eu não ia deixá-la sem notícias.
__Assim que chegar lá, ligue.
__Está apoiando essa loucura? O homem estava branco.
__Pare Mauro. Se não tem remédio vamos ajudá-lo. É nosso filho.
__Uma ova! Se passar a mão na cabeça dele dessa vez eu me separo de ti...
__Mãe. Não quero ajuda. Não preciso. Já tenho tudo organizado: “Passagens, curso, trabalho...” Não se preocupe.
__Tem certeza? Venha cá...Quero dar um abraço no meu filho, posso? Olhou para o marido com raiva e o puxou para o escritório.
__Pegue...Deu um pacotinho que tinha no fundo da gaveta da escrivaninha. Ele sabia que eram dólares. A mãe devia ter preparado para o caso dele viajar, vinha anunciando isso há semanas.
__Mãe, escute. Não quero isso. É uma questão de honra. Eu já preparei tudo. Tenho tudo organizado. Não se preocupe. Se precisar de alguma coisa eu ligo e você providencia, está bem? Mas, por enquanto, deixe-me tentar. O pai precisa ver que eu cresci, que posso me virar sozinho.
__Seu pai só queria que estudasse Direito, assim tomaria conta dos negócios no futuro.
__Eu sei. Por isso mesmo preciso ir. Tenho que pensar. Aqui não consigo.
__Promete me ligar?
__Já disse, ligo assim que chegar lá.
A mulher abraçou o filho e cinco minutos depois estava sozinha. Se trancou no quarto e chorou durante horas. A pior coisa para uma mãe era pensar que algo de ruim poderia acontecer para o filho longe de casa. Um lugar desconhecido, perigos desconhecidos, drogas, tentações...
Quando um filho morre a mãe morre um pouco e vai aprendendo a viver com a dor, embora jamais esqueça. Mas quando um filho cai nos perigos do mundo a mãe morre um pouco a cada dia e se essa situação não se resolve, tende a matá-la de vez algum dia. Sabia que o filho não tinha maturidade suficiente para sobreviver sozinho. Várias vezes o socorreram nas madrugadas, quando se metia em enrascadas, apesar de seu marido nunca participar. Por ele o rapaz podia apodrecer numa delegacia ou num beco qualquer sem dinheiro para voltar para casa. Agora, ali, desconsolada, não sabia se ela tinha errado com o apoio que lhe tinha dado durante toda a vida ou se, o pai, com sua frieza e descaso, era o culpado.
__Itália, lá vou eu...
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